terça-feira, 31 de agosto de 2010

Apoio de Angola é indispensável para estabilidade da Guiné

Cônsul Geral da Guiné-Bissau em Angola - Fotografia: Francisco Bernardo

JORNAL DE ANGOLA

O cônsul geral da Guiné-Bissau em Angola disse ontem, em Luanda, que a presidência angolana da CPLP pode ser crucial para estabilizar a Guiné-Bissau. José Isaac Monteiro Silva colocou Angola entre os “melhores amigos da Guiné-Bissau”, razão pela qual diz confiar num envolvimento angolano no esforço de estabilização do seu país.

O chefe da missão consular guineense acrescentou, em declarações à Angop, que embora defenda que os problemas da Guiné-Bissau “devem ser resolvidos pelos próprios guineenses”, a ajuda de Angola é “indispensável”, em nome dos laços de irmandade e de solidariedade que unem os dois povos.

José Isaac Monteiro Silva comentou ainda a indicação do académico Sebastião Izata para representante do presidente da Comissão da União Africana (UA) na Guiné-Bissau. “É uma pessoa credível. Tenho de agradecer por ser uma pessoa amiga e acredito no seu bom desempenho e ajuda na estabilização da Guiné-Bissau”, afirmou o chefe da Missão Consular guineense, realçando o facto de Izata ser um diplomata (já foi vice-ministro das Relações Exteriores) e quadro oriundo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Quando da sua passagem por Luanda no final do passado mês de Julho, o Chefe de Estado cabo-verdiano afirmou que a situação na Guiné-Bissau deve ser tratada com “pragmatismo e cautela” e comparou a Guiné-Bissau a “um terreno extremamente movediço”. Pedro Pires disse, no entanto, estar esperançado que se encontre uma solução para a situação daquele país, o que é susceptível de ser alcançado através de “um trabalho sério com os guineenses”.

“Não diria que já se vê uma pequena luz ao fundo do túnel, mas estou esperançado que sim, que podemos lá chegar através de um trabalho sério com os guineenses, com pragmatismo, sempre buscando consenso, sempre buscando da parte deles que estejam de acordo connosco”, apontou.

Após assumir a presidência da CPLP, o Chefe de Estado angolano José Eduardo dos Santos realçou que a primeira aposta é no diálogo “construtivo e dinâmico”, para restaurar a confiança entre os diversos actores da Guiné-Bissau. “A nossa primeira ‘demarche´ é na busca de uma solução consensual no plano político para restabelecer a confiança e para que as autoridades competentes realizem a missão que lhes compete no âmbito da Constituição da República. Qualquer esforço externo será sempre complementar e esse esforço pode ser de natureza política, militar ou económica e financeira”, referiu.

As autoridades políticas e militares da Guiné-Bissau mostram-se receptivas com o envio de uma força de estabilização. A aceitação da futura força vem na sequência dos apelos nesse sentido feitos à Guiné-Bissau nas recentes cimeiras de chefes de Estado e Governo realizadas na ilha do Sal, Cabo Verde, na cimeira da CPLP que se realizou em Luanda, e as decisões da cimeira da União Africana, que se realizou em Kampala.

Guiné-Bissau busca avançar nas áreas de saúde infantil e materna

ECO DESENVOLVIMENTO

Não é bonito o cartão de visita que apresenta a Guiné-Bissau quando o tema é saúde. Menos ainda quando se fala de proteção das crianças, de saúde infantil e materna. Segundo o último relatório sobre a situação da criança no mundo, este país, com 1,6 milhão de habitantes, figura no grupo dos Estados onde há mais mortes de crianças até os cinco anos.

As crianças morrem de malária ou com diarreias provocadas por doenças como a cólera, também por causa das fragilidades dos hospitais. Consequências de fatores tão diversos como os anos de instabilidade política e militar, a falta de infraestruturas básicas e até de uma rede de estradas no país.

Dados do Unfpa revelam que em cada mil crianças nascidas na Guiné-Bissau, 110 morrem nas primeiras horas de vida, o que equivale a dois bebês mortos por dia. O país tem um dos mais altos índices de mortalidade neo-natal do mundo.

"Somos todos um bocadinho responsáveis por essas coisas terríveis, mesmo que essas situações desumanas estejam a muitos quilômetros de distância.", afirmou a embaixadora da Boa Vontade do Fundo da ONU para as Populações (Unfpa), a portuguesa Catarina Furtado (foto). A também apresentadora de televisão tem alertado o mundo para o drama das crianças e mães da Guiné-Bissau.

"Acho que falta mostrar às pessoas como é a vida das mulheres guineenses. Às vezes, trago imagens e tenho tido respostas de médicos e enfermeiros de Portugal que não faziam ideia que as mulheres morrem ao dar à luz naquele país", destacou Catarina.

O desafio de alinhar os resultados da Guiné-Bissau com o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio para esta área é grande, sobretudo porque só faltam cinco anos para a meta de 2015. No entanto, vale destacar que tem sido dados passos significativos para se mudar a situação.
Mudanças

Um exemplo desses passos foi a abertura de um hospital para as grávidas que precisam de uma cesariana na região de Gabu, há um ano. "Apenas neste ano, houve uma redução muito significativa da mortalidade materna e neo-natal. Já têm estatísticas e já mostraram o livro de registros das mães que deixaram de morrer porque puderam ser operadas. A taxa baixou em 6% naquela região", relatou Catarina.

O coordenador-adjunto dos representantes do Unfpa na Guiné-Bissau, Joaquim Vicente Gomes, acrescentou alguns resultados positivos: "O atendimento e a assistência nos partos por pessoas especializadas aumentaram. Também há investimento em estradas, formação de pessoal médico e estruturas sanitárias para oferecer um serviço de qualidade na área da saúde reprodutiva, que vai contribuir para a redução da mortalidade materna."

Para Catarina Furtado está provado que se investir em saúde materna é uma grande ferramenta no combate à pobreza extrema, pois os resultados são sempre positivos.

Mortalidade Materna

"Em apoio ao governo, temos um programa de saúde reprodutiva que consiste na formação e capacitação dos quadros técnicos da saúde, reforço da capacidade institucional, equipar os centros de saúde e ainda recuperar ou construir hospitais. Já o fizemos em Bafatá e Gabu", informou Vicente Gomes.

A ONU e as autoridades guineenses sabem que só haverá redução da mortalidade infantil e materna se a sociedade civil estiver envolvida. Com este intuito, muitas organizações contribuem com ações sociais. O Conselho Nacional da Juventude guineense é uma delas.

"O nosso trabalho é no sentido de levar informação e sensibilizar os jovens para conhecerem os centros de saúde e de aconselhamento como forma de prevenir essas mortes que muitas vezes acontecem por negligência e falta de informação", explicou o presidente da instituição, Emanuel Santos.

"Dar à luz é um ato tão natural. Como é possível que haja tantas mortes entre mulheres em razão de um ato tão simples e tão bonito?", questionou Catarina.

Produção e reportagem: João Rosário e Eduardo Costa Mendonça/Rádio ONU.

Guiné-Bissau: Pedidos de asilo político a Portugal têm aumentado

DIÁRIO DIGITAL – LUSA

Os pedidos de asilo político de cidadãos guineenses a Portugal têm vindo a aumentar desde os mais recentes acontecimentos políticos na Guiné-Bissau, tendo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras recebido oito processos desde o início do ano.

Mas muitos dos guineenses também fazem de Portugal um tranpolim de saída para outros países.Contactada pela Lusa, a embaixada dos Estados Unidos em Lisboa disse que, só em 2009 recebeu 20 pedidos de vistos não imigrantes de cidadãos guineenses.

De acordo com dados do SEF, em 2007 foram dois os requerentes guineenses de asilo político a Lisboa. Em 2008, o número subiu para quatro.

Macau deve preservar grafia do português - diz especialista


Língua: Macau deve preservar grafia do português pré-acordo ortográfico – Especialista

PDF - LUSA

Fall River, Estados Unidos, 31 ago (Lusa) – Macau deve preservar a grafia do português anterior ao novo acordo ortográfico, por falta de interesse das autoridades chinesas em introduzir as novas regras, prevê o especialista Joseph Levi, da universidade norte-americana de George Washington.

Ex-professor da Universidade de Macau e diretor do centro de línguas da Universidade de Hong Kong, Levi acredita que a administração chinesa vai preferir o “status quo” a fazer “mudanças bruscas” no ensino do português, língua oficial da região administrativa, a par do chinês.

“Não faz sentido mudar, segundo o governo central, porque há manuais já prontos, professores formados que vieram de Portugal. Não há este interesse em usar o acordo”, disse à Lusa o professor de filologia portuguesa, que regressou este ano da Ásia.

Macau é oficialmente uma zona bilingue até 2049, com opção de continuar mais 50 anos.

Para Levi, formado na Universidade de Lisboa, a preservação da grafia anterior ao acordo é um fator de enriquecimento do português.

“É bonita esta diversidade, mostra a riqueza da nossa língua e culturas. Concordo com o que se está a passar em Macau. Se faz parte da cultura e da identidade, bem-haja”, disse em entrevista à Lusa, à margem da Conferência sobre o Ensino do Português e Culturas Lusófonas, que decorreu sexta feira em Fall River, nordeste dos Estados Unidos.

“Pessoalmente, prefiro a maneira antiga, mas percebo que temos de ir para a frente, tudo bem. Agora não estou de acordo, e algumas das palavras que foram modificadas… foi uma violência porque as letras estavam ali por uma razão, para abrir ou fechar uma vogal, por exemplo”, adiantou.

Numa recente passagem por Macau, a presidente do Instituto Camões, Ana Paula Laborinho, reuniu-se com a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, para discutir a introdução do novo Acordo Ortográfico.

Após o encontro disse à Lusa estar convicta de que Macau irá aderir, mas sublinhou não haver, para já, nenhuma informação concreta sobre uma decisão das autoridades da região em relação ao acordo.

O Instituto Português do Oriente (IPOR) já iniciou em Macau a formação para a introdução do novo Acordo Ortográfico no ensino do português na região a partir de 2011, quando os manuais escolares adotarem as novas regras.

Os manuais para o ensino do português no estrangeiro adotarão as novas regras ortográficas a partir de 2011, garantiu a responsável, salientando que, para já, existem conversores ortográficos que podem servir de base à formação em Macau e que foram disponibilizados às instituições locais, a par da formação online do Instituto Camões.

A China é atualmente um dos países onde é maior a procura do ensino do português, segundo dá conta Joseph Levi.

“Muitos estudantes querem aprender o português, por razões políticas e económicas, e para nós é sempre um motivo de alegria, enquanto professores de culturas lusófonas, ver este interesse”, afirma.

“Angola é uma prioridade para Estados Unidos e China, o Brasil vai sempre ser um gigante, mas se pensarmos não só no número de habitantes, mas de países e opções, temos é um leque vastíssimo [na lusofonia]”, adianta Levi.

*** Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico ***

Adeus às armas - Mas no Iraque a guerra continua

Foto em i online

GONÇALO VENÂNCIO - i ONLINE

Americanos acabam operações militares mas deixam 50 mil homens no terreno

No léxico político há vitórias para todos os gostos, como bem mostram as noites eleitorais. E na guerra, o que é a vitória? É a conquista de um território ou a eliminação de uma ameaça com o objectivo de conseguir uma paz duradoura. Olhando para a intervenção americana no Iraque, para já, dificilmente a palavra pode ser usada com propriedade - não por acaso, "vitória" não aparece nos discursos do presidente Barack Obama.

Num dia histórico para a administração democrata - e para um eleitorado exausto por duas guerras dispendiosas e de longa duração - é colocado um ponto final nas operações de combate no Iraque. Ao todo, mais de um milhão de americanos serviram na Operação Liberdade Iraquiana, durante sete anos e cinco meses. Morreram 4400 soldados e foram gastos 1,3 triliões de dólares numa guerra que ficará para a história por ter dividido a Europa em duas - a nova e a velha nas palavras de Donald Rumsfeld, o secretário da Defesa da administração Bush; pela violação de direitos na prisão de Abu Graib e Guantánamo; por ter desafiado a doutrina sobre a própria forma de fazer a guerra.

Ao contrário da frente de batalha afegã, para onde se dirigem soldados de saída do golfo Pérsico, o Iraque nunca coube na definição de "guerra justa" de Obama. Assim, o presidente tratou de cumprir uma das suas promessas eleitorais e, também pressionado pelo calendário político interno, assinala hoje o fim das operações militares. "A guerra está a acabar" e a partir de agora o Iraque será capaz de "decidir o seu próprio futuro", disse Obama. No terreno permanecem 50 mil homens em missões de treino e apoio aos iraquianos até ao Verão de 2011. Ao contrário do que George Bush anunciou ao mundo em 2003, a missão ainda não está cumprida e não se sabe se as forças iraquianas terão capacidade para preencher o vácuo.

Foi mentira? Antes do 11 de Setembro de 2001, ninguém na administração republicana olhava para o Iraque com grande atenção. Mas alguma coisa mudou rapidamente e, para Donald Rumsfeld, "o Iraque passou a ser uma frente de batalha potencial." Começam a surgir notícias de que o Iraque teria AMD nos seus arsenais. As inspecções da Agência Internacional da Energia Atómica foram inconclusivas e depois de um corrupio diplomático Washington decidiu-se pelo ataque numa cimeira nos Açores. "Relembre-se os muitos anos de enganos com a AIEA; os 50 mil iranianos mortos devido a ataques químicos durante a guerra Irão-Iraque; os 5 mil curdos que sofreram um destino igual; relembre-se a antiga ambição de Saddam de fabricar armas atómicas, desfeita pelos israelitas no ataque a Osiraq em 1982. Difícil seria acreditar na não existência de ADM no Iraque", assinala ao i João Serra Pereira. Na opinião do professor de Relações Internacionais da Universidade de São José, em Macau, as teorias sobre uma guerra que teve por base a mentira deliberada não colhem. "Se os americanos sabiam que não havia ADM -a não ser que as "plantassem" no Iraque depois da guerra, o que não aconteceu - como pensavam enfrentar a opinião pública quando a verdade fosse descoberta? Ainda assim, utilizariam uma tão grande falsidade sabendo da sua insustentabilidade? Falha nas informações? Seguramente. Mentira deliberada? Muito pouco provável. Já outra coisa é a de saber se as ADM foram o verdadeiro casus belli. Aí, a conversa promete ser demorada..." Especialmente numa altura em que a comunidade internacional enfrenta os dilemas postos pelo Irão.

Contas feitas, evaporou-se o regime de Saddam Hussein e no país emergiu uma democracia débil. A economia iraquiana está a crescer mas o desemprego ronda os 15% e a população dá sinais de impaciência perante o impasse político em Bagdade. A violência sectária, que quase arrastou o país para uma guerra civil em 2006, está viva e tudo aponta para que o Iraque continue a ser muito violento nos próximos anos. A vitória militar foi garantida mas a conquista de uma paz duradoura ainda parece estar longe.

LEMBRANDO A ACTIVIDADE DO ECHELON...


MARTINHO JÚNIOR

A ACTUAÇÃO DO ECHELON É UMA DAS COISAS DE QUE BARACK HUSSEIN OBAMA NÃO SE VAI ALGUMA VEZ OUSAR FURTAR

LEMBRANDO A ACTIVIDADE DO ECHELON – “ACTUAL”, HÁ SEIS ANOS

Quando a administração republicana de George Bush decidiu a invasão ao Iraque, tentou por todos os meios obter a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, pelo que empenhou nesse sentido os seus próprios serviços de inteligência com a missão de acompanhar, através de escutas secretas, a evolução da opinião de alguns “países indecisos” antes da votação, entre eles Angola, com o intuito último de assim procurar encontrar formas de influência visando conseguir o alterar a seu favor a votação.

A administração de George Bush viria contudo a ter uma contrariedade: a ordem para a execução dessa missão, uma ordem “top secret”, viria a ser publicada na imprensa (“The Observer”) e com ampla divulgação, o que esteve na origem dum escândalo sem precedentes dentro da ONU e muito naturalmente fora dela, um escândalo que acompanhou e marcou os primeiros dias da invasão.

O “Actual” divulgou amplamente o caso que a partir desta data se volta a publicar aqui no Página Um através duma série intitulada “O ECHELON actua em plena ONU”.

De facto, apesar da chegada da administração de Barack Hussein Obama ao poder, nada estará alterado em relação aos procedimentos dos serviços secretos Norte Americanos, até por que, naquele caso concreto, não terão havido contra-medidas suficientes por parte da ONU no sentido de se pôr cobro a esse tipo de empenhamentos, o que torna assuntos desta natureza sempre actuais e oportunos.

Quantas actividades no âmbito da ONU não estarão a ser filtradas através deste tipo de procedimentos por parte dos Estados Unidos e de seus aliados?

Se isso tem sido impunemente conseguido nesses organismos internacionais, o que não poderá estar a acontecer em outros como por exemplo o Tribunal Penal Internacional?

Decisões que foram tomadas no TPI, conforme as que relatei no artigo “TPI – mais um instrumento de manipulação ao serviço do Ocidente”, serão tomadas de forma independente e deveras em nome da justiça?

Que mundo é este em que, apesar da crise, a vida é maltratada ao ponto dum (submisso) tribunal, a partir de tão manipuladas decisões, se tornar cúmplice da morte continuada?

Não deveriam os componentes desse tribunal, em função dessa cumplicidade, sentar-se também no banco dos réus?

ESPECTRO DA VOTAÇÃO NO CONSELHO DE SEGURANÇA SOBRE A INVASÃO DOS ESTADOS UNIDOS AO IRAQUE

MEMBROS PERMANENTES (COM DIREITO A VETO):

A FAVOR – Estados Unidos e Grã Bretanha.
ABSTENÇÕES –
CONTRA – Rússia, França e China.

MEMBROS ROTATIVOS (FINAL DE MANDATO A 31 DE DEZEMBRO DE 2003):

A FAVOR – Bulgária.
ABSTENÇÕES – Camarões, Guiné Conacry e México.
CONTRA – Síria.

MEMBROS ROTATIVOS (FINAL DE MANDATO A 31 DE DEZEMBRO DE 2004):

A FAVOR – Espanha.
ABSTENÇÕES – Angola, Chile e Paquistão.
CONTRA – Alemanha.

ORDEM PARA ESPIAR:

A ordem para espiar as delegações de Angola, dos Camarões, do Chile, da Bulgária, da Guiné Conacry e do Paquistão foi dada a 2 de Março de 2003.

Martinho Júnior - 15 de Março de 2009.

Fidel Castro: “Cheguei a estar morto, mas ressuscitei”


CARMEN LIRA SAADE – LA JORNADA – CARTA MAIOR

Em entrevista exclusiva ao jornal La Jornada (a primeira concedida a um veículo impresso desde que uma diverticulite obrigou seu afastamento da liderança do governo cubano), Fidel Castro fala sobre o que aconteceu, diz que esteve à beira da morte, mas ressuscitou. E fala de seus planos para o futuro: "Não quero estar ausente nestes dias. O mundo está na fase mais interessante e perigosa de sua existência e eu estou bastante comprometido com o que está acontecendo. Ainda tenho muitas coisas para fazer".

Havana – Ele esteve quatro anos debatendo-se entre a vida e a morte. Um entra e sai da sala de cirurgia, entubado, recebendo alimentos através de veias e cateteres e com perdas freqüentes de consciência. Minha enfermidade não é nenhum segredo de Estado, teria dito pouco antes que ela se tornasse crise e o obrigasse a fazer o que tinha que fazer: delegar suas funções como presidente do Conselho de Estado e, conseqüentemente, como comandante em chefe das forças armadas de Cuba. Não posso seguir mais, admitiu então - segundo revela nesta sua primeira entrevista a uma publicação impressa estrangeira desde então. Fez a transmissão do cargo e entregou-se aos médicos.

A comoção sacudiu a nação inteira, aos amigos de outras partes, despertou esperanças revanchistas em seus detratores e colocou em estado de alerta o poderoso vizinho do Norte. Era o dia 31 de julho de 2006 quando foi divulgada, de modo oficial, a carta de renúncia do líder máximo da Revolução Cubana. O que seu inimigo mais feroz (bloqueios, guerras, atentados) não conseguiu em 50 anos foi alcançado por uma enfermidade sobre a qual ninguém sabia nada e se especulava tudo. Uma enfermidade que para o regime, quisesse ou não, iria se converter em um segredo de Estado.

(Penso em Raúl, no Raúl Castro daqueles momentos. Não era apenas o pacote que lhe tinham confiado há muito tempo; era a delicada saúde de sua companheira Vilma Espin – que pouco depois faleceria vítima de câncer – e a muito provável desaparição de seu irmão mais velho e chefe único nos âmbitos militar, político e familiar”.

Hoje faz 40 dias que Fidel Castro reapareceu em público de maneira definitiva, ao menos sem perigo aparente de recaída. Em um clima tranquilo e dando a entender que a tempestade passou, o homem mais importante da Revolução Cubana ressurge orgulhoso e com vitalidade, ainda que não domine totalmente os movimentos de suas pernas.

Durante as quase cinco horas que durou a entrevista ao La Jornada – incluindo o almoço – Fidel aborda os mais diversos temas, ainda que mostre uma obsessão por alguns em particular. Permite perguntas sobre tudo – ainda que quem mais interrogue seja ele – e repassa pela primeira vez e com dolorosa franqueza alguns momentos da crise de saúde que sofreu nos últimos quatro anos. Cheguei a estar morto, revela com uma tranqüilidade assombrosa. Não menciona pelo nome a diverticulite da qual padeceu nem se refere às hemorragias que levaram os especialistas de sua equipe médica a intervir em muitas ocasiões, sempre com risco de perder a vida. Mas no que ele se estende é no relato do sofrimento vivido. E não mostra inibição alguma em qualificar a dolorosa etapa como um calvário.

Eu já não aspirava a viver, nem muito menos...Perguntei-me várias vezes se essa gente (seus médicos) iriam deixar-me viver nestas condições ou iriam permitir que eu morresse. E sobrevivi, mas em condições físicas muito ruins. Cheguei a pesar cinqüenta e poucos quilos. Sessenta e seis quilos, precisa Dália, sua inseparável companheira que assiste a conversa. Só ela, dois de seus médicos e dois de seus colaboradores mais próximos estão presentes.

- Imagine: um tipo da minha estatura pesando 66 quilos. Hoje já estou entre 85 e 86 quilos e esta manhã consegui dar 600 passos sozinho, sem muleta nem ajuda.

Quero dizer-te que estás diante de uma espécie de ressuscitado, afirma com certo orgulho. Sabe que, além da magnífica equipe médica que o assistiu durante todos estes anos, que pôs à prova a qualidade da medicina cubana, contou muito a sua vontade e essa disciplina de aço que se impõe sempre que se empenha em algo.

Não cometo nunca mais a mínima violação – assegura. Tornei-me médico com a cooperação dos médicos. Com eles discuto, pergunto (pergunta muito), aprendo (e obedece)...Conhece muito bem as razões de seus acidentes e quedas, ainda que insista que não necessariamente umas levem às outras. A primeira fez foi porque não fez o aquecimento devido, antes de jogar basquete. Depois veio o de Santa Clara: Fidel descia da estátua do Che, onde havia presidido uma homenagem, e caiu de cabeça. Aí influiu também, afirma, que aqueles que deveriam cuidar dele também estão ficando velhos, perdem habilidades e não conseguiram cuidar direito. A seguir veio a queda de Holguín. Todos esses acidentes ocorreram antes que a outra enfermidade se tornasse crítica e o deixasse por longo tempo no hospital.

- Estendido naquela cama, só olhava ao meu redor, ignorante de todos esses aparatos. Não sabia quanto tempo ia durar esse tormento e a única esperança que alimentava é que o mundo parasse para que eu não perdesse nada. Mas ressuscitei, disse satisfeito.

- E quando ressuscitou, comandante, o que encontrou? – perguntei

- Um mundo de loucos...Um mundo que aparece todos os dias na televisão, nos jornais, e que não há quem entenda, mas que eu não queria perder por nada deste mundo – sorri, divertido.

Com uma energia surpreendente em um ser humano que acabou de levantar-se da tumba, como ele mesmo diz, e com a mesmíssima curiosidade intelectual de antes, Fidel Castro vai se atualizando. Aqueles que o conhecem bem dizem que não há um projeto, colossal ou milimétrico, no qual ele não se empenhe com uma paixão encarniçada, em especial se em situação de adversidade, como era o caso. Nunca, então, parece de melhor humor. Alguém que pretende conhecê-lo bem resumiu: “as coisas devem andar muito mal, porque você está radiante”.

A tarefa de acúmulo informativo cotidiano deste sobrevivente começa desde que ele acorda. Com uma velocidade de leitura, cujo método ninguém conhece, devora livros, lê entre 200 e 300 notas informativas por dia, está debruçado sobre as novas tecnologias da comunicação, e fascina com o Wikileaks, a garganta profunda da internet, famosa pela revelação da existência de 90 mil documentos militares sobre o Afeganistão, nos quais esse novo internauta já está trabalhando.

Você se dá conta, companheira, do que isso significa? – pergunta-me. A Internet colocou em nossas mãos a possibilidade de nos comunicarmos com o mundo. Não contávamos com nada disso antes – comenta, ao mesmo tempo em que se deleita vendo e selecionando informes e textos baixados da rede, que tem sobre a mesa do escritório: um pequeno móvel, demasiado pequeno para o tamanho (mesmo que diminuído pela enfermidade) de seu ocupante.

Acabaram-se os segredo, ou ao menos parece isso. Estamos diante de um jornalismo de investigação de alta tecnologia, como o chama o New York Times, e ao alcance de todo o mundo. Estamos diante da arma mais poderosa que já existiu, que é a comunicação – resume. O poder da comunicação tem estado, e está, nas mãos do império e de ambiciosos grupos privados que fazem uso e abuso dele. Por isso os meios de comunicação fabricaram o poder que hoje ostentam.

Escuto-o e penso em Chomsky: qualquer das fraudes que o Império tente executar deve contar antes com o apoio dos meios de comunicação, principalmente jornais e televisão, e hoje, naturalmente, com todos os instrumentos que a Internet oferece. São os meios que, antes de qualquer ação, criam o consenso. Preparam a cama, diríamos...Formatam o teatro de operações. No entanto, diz Fidel, ainda que pretendessem manter intacto esse poder, não conseguiram. E estão perdendo-o dia a dia. Enquanto outros, muitos, muitíssimos, emergem a cada momento...

Faz-se necessário, então, um reconhecimento aos esforços de alguns sites e meios, além do Wikileaks: pelo lado latinoamericano, a Telesur da Venezuela, a televisão cultural da Argentina, o Canal Encontro, e todos aqueles meios, públicos ou privados, que enfrentam poderosos consórcios particulares da região e transnacionais da informação, da cultura e do entretenimento.

Informes sobre a manipulação dos grupos empresariais locais ou regionais poderosos, seus complôs para introduzir ou eliminar governos ou personagens da política, ou sobre a tirania que o império exerce, através das transnacionais, estão agora ao alcance de todos os mortais.

Mas não em Cuba, que dispõe apenas de uma entrada de Internet para todo o país, comparável a que o Hotel Hilton ou o Sheraton têm. Essa é a razão por que conectar-se em Cuba é desesperador. A navegação é como se fosse em câmara lenta.

Por que isso ocorre? - pergunto.

- Pela rotunda negativa dos Estados Unidos em nos dar acesso à Internet na ilha, através de um dos cabos submarinos de fibra ótica que passam próximo às costas. Cuba se vê obrigada, em troca, a baixar o sinal de um satélite, o que encarece muito mais o serviço do que o governo cubano pode pagar, e impede que se disponha de uma banda maior, que permita dar acesso a muito mais usuários e na velocidade que é normal em todo o mundo, com a banda larga.

Por essas razões o governo cubano dá prioridade para conectar-se não a quem pode pagar pelo custo do serviço, mas para quem mais necessita, como médicos, acadêmicos, jornalistas, professores, quadros do governo e clubes de internet de uso social. Não se pode fazer mais.

Penso nos descomunais esforços do site cubano Cubadebate para alimentar seu conteúdo e levar ao exterior a informação sobre o país, nas condições existentes. Mas, segundo Fidel, Cuba em breve poderá solucionar esta situação.

Ele se refere à conclusão das obras de cabo submarino que se estende do porto de La Guaira, na Venezuela, até as proximidades de Santiago de Cuba. Com estas obras, levadas adiante pelo governo Hugo Chávez, a ilha poderá dispor de banda larga e de possibilidades de conceder uma grande ampliação do serviço.

- Muitas vezes se acusa Cuba e em particular a você de manter uma posição antiestadunidense rigorosa; chegaram até a acusá-lo de ter ódio dessa nação - digo-lhe.

— Não é nada disso – esclarece: Por que odiar os Estados Unidos, se é apenas um produto da história?

Mas, com efeito, há uns 40 dias, apenas, quando ainda não tinha terminado de ressucitar, ocupou-se – para variar -, em suas novas Reflexiones, de seu poderoso vizinho.

“É que comecei a ver muito claramente os problemas da tirania mundial crescente – e se apresentou à luz de toda a informação que tinha, a iminência de um ataque nuclear que desataria a conflagração mundial".

Mas não podia sair a falar, a fazer o que está fazendo agora, indica-me. Apenas podia escrever com certa fluidez, pois não só teve que aprender a caminhar, mas também, em seus 84 anos, teve de voltar a aprender a escrever.

“Saí do hospital, fui para casa, mas caminhei, excedi-me. Depois tive de fazer reabilitação dos pés, para então conseguir começar a escrever de novo. O salto qualitativo se deu quando pude dominar todos os elementos que me permitiam tornar possível tudo o que estou fazendo agora. Mas posso e devo melhorar... Posso chegar a caminhar bem. Hoje, já te disse, caminhei 600 passos só, sem bengala, sem nada; e devo conciliar isso com o que subo e desço, com as horas que durmo, com o trabalho".

- O que há por trás desse frenesi no trabalho? O que mais que, depois de uma reabilitação pode conduzi-lo a uma recaída?

Fidel se concentra, fecha os olhos como para começar a dormir, mas não... volta à carga: "não quero estar ausente nestes dias. O mundo está numa fase mais interessante e perigosa de sua existência e eu estou bastante comprometido com o que venha a acontecer. Tenho coisas a fazer, ainda".

- Como o quê?

– Como a conformação de todo um movimento antiguerra nuclear – é a o que vem se dedicando desde a sua reaparição.

Criar uma força de persuasão internacional, para evitar que essa ameaça global se concretize representa um rumo, e Fidel nunca pôde resistir aos rumos.

“No princípio pensei que o ataque nuclear iria se dar sobre a Coréia do Norte, mas logo retifiquei, porque a China vetaria isso no Conselho de Segurança [da ONU]...

Mas o do Irã ninguém o fará, porque não há veto nem chinês nem russo. Depois veio a resolução (das Nações Unidas), e embora Brasil, Turquia e Líbano tenham votado, o Líbano não o fez e então se tomou a decisão.

Fidel convoca cientistas, economistas, comunicadores, etc, a que dêem sua opinião sobre qual pode ser o mecanismo mediante o qual se vai desatar o horror, e a forma que se pode evitá-lo. Até a exercícios de ficção científica os conduziu.

“Pensem, pensem!, anima as discussões. “Raciocinem, imaginem”, exclama o entusiasta professor em que se converteu, nestes dias.

Nem todo mundo compreendeu sua inquietude. Não são poucos os que viram catastrofismo e até delírio em sua nova campanha. A tudo isso tinha de acrescentar o temor que assaltava a muitos, de que sua saúde sofra uma recaída.

Fidel não pára, e ninguém é capaz de sequer freá-lo. Ele necessita, o mais rápido possível, CONVENCER, para assim DETER a conflagração nuclear que –insiste– ameaça com o desaparecimento de uma boa parte da humanidade. Teremos que mobilizar o mundo para persuadir Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, para que ele evite a guerra nuclear. Ele é o único que pode, ou não, impedir o botão de ser apertado.

Com os dados que ele já detém como um expert e os documentos que avalizam o que diz, Fidel questiona e faz uma exposição arrepiante:

– Tu sabes o poder nuclear que alguns países do mundo têm, na atualidade, em comparação com a época de Hiroshima e Nagazaki?

Quatrocentas e setenta mil vezes o poder explosivo que qualquer dessas bombas que os Estados Unidos jogou sobre essas duas cidades japonesas tinha. Quatrocentas e setenta mil vezes mais! Sublinha, escandalizado.

Essa é a potência de cada uma das mais de 20 mil armas nucleares que – se calcula – há hoje em dia no mundo.

Com muito menos do que essa potência – com tão só 100 – já se pode produzir um inverno nuclear que obscureça o mundo em sua totalidade.

Esta barbaridade pode se produzir em uma questão de dias; para sermos mais precisos, no próximo 9 de setembro, que é quando vencem os 90 dias concedidos pelo Conselho de Segurança da ONU para que se comece a inspeção dos barcos do Irã.

– Acredita que os iranianos vão retroceder? O que imagina? Homens valentes, religiosos que vêem na morte quase um prêmio...Bem, os iranianos não vão ceder, isso é certo. Vão ceder aos ianques? E o que ocorrerá se nem um nem outro ceder? E isto pode ocorrer no próximo 9 de setembro.

Um minuto depois da explosão, mais da metade dos seres humanos terão morrido, a poeira e a fumaça dos continentes em chamas derrotarão a luz solar e as trevas absolutas voltarão a reinar no mundo, escreveu Gabriel García Máquez por ocasião do 41 aniversário de Hiroshima. Um inverno de chuvas alaranjadas e furacões gelados inverterão o tempo dos oceanos e voltarão o curso dos rios, cujas espécies terão morrido de sede em águas ardentes...A era do rock e dos corações transplantados estará de volta a sua infância glacial...

Tradução: Katarina Peixoto

IDH 2009 – O muro não derrubado entre o norte e o sul


MARTINHO JÚNIOR

O Relatório sobre os Índices de Desenvolvimento Humano de 2009 do PNUD, tal como os relatórios dos anos interiores, estabelece o escalonamento de todos os países do globo, o que confere a noção dos avanços e recuos tendo como base a estatística possível que se debruça sobre o conjunto de fenómenos relativos à vida humana sobre a Terra, todavia não explica as causas profundas dum muro cada vez mais perceptível entre ricos e pobres, entre norte e sul, 20 anos depois da queda do muro de Berlim… (1)

Todos os anos o tema vai variando; este ano o tema foi a migração à escala global, “Superando barreiras - mobilidade e desenvolvimento humano”, em que se abordaram fenómenos correntes que interessam a todas as nações e povos do planeta, tendo em vista proporcionar uma contribuição para as superações que devem surgir no horizonte das possibilidades políticas e económicas de todos.

É um tema muito oportuno, pois não há barreiras para a “livre” (?) circulação do capital, mas há cada vez mais barreiras, senão mesmo muros, para a circulação de trabalhadores e de migrantes à procura de melhores oportunidades, dentro de cada país, dentro de cada região, entre o norte e o sul… o Mediterrâneo é disso testemunho…

Na classificação muito elevada de IDH, conforme a estatística do Relatório de 2009, não consta país algum da América Latina (Barbados, paraíso fiscal, para todos os efeitos não é representativo da América Latina), ou de África e da Ásia – Médio Oriente só constam “bolsas” como a Nova Zelândia, 20º, Singapura, 23º, Hong Kong, 24º, Coreia do Sul, 26º, Israel, 27º, Brunei Darussalan, 30º, Kuwait, 31º, Qatar, 33º e Emiratos Árabes Unidos, 35º.

Na classificação de baixo IDH em contraste, não existe nenhum país europeu e só 2 países da Europa entram no IDH médio: Moldova, 117º e Ucrânia, 85º.

O Relatório divide pela primeira vez as nações em quatro grupos de desenvolvimento humano distintos (no ano anterior apenas haviam três):

- O grupo de muito alto desenvolvimento, que integra 38 países (o único pertencente à CPLP é Portugal, o 34º da escala, (baixando 6 lugares).

- O grupo de alto desenvolvimento, com 45 países (o único da CPLP que está enquadrado neste grupo é o Brasil, 75º da escala, baixando também 6 lugares).

- O grupo de desenvolvimento humano médio, com 75 países (fazem parte deste grupo Cabo Verde, 121º, São Tomé e Príncipe, 131º e Angola, 143º).

- O grupo de baixo desenvolvimento humano, com 34 países, onde se encontram Timor Leste, 162º, Moçambique, 172º e Guiné Bissau, 173º.

Apesar dos esforços para cientificar as estatísticas, muitas delas correspondem a valores estimados que podem estar longe da verdade.

É impossível às Organizações Internacionais fazerem uma avaliação mais aferida à realidade quando numa grande parte dos países não existem sequer censos populacionais, como no caso corrente de Angola.

Por essa razão o Relatório deste ano nem sequer se refere à posição de 12 países em vários continentes da Terra, entre eles dois africanos, a Somália e o Zimbabwe.

Por outro lado, em muitos casos há uma inter-ligação dos acontecimentos políticos (e seus reflexos económicos) com a melhoria ou degradação das posições, “premiando” por vezes uns, enquanto se “sacrificam” outros.

Angola foi “premiada” ascendendo 18 lugares (do 161º para o 143º, uma das maiores recuperações à escala global), enquanto Timor Leste e a Guiné Bissau, cujos processos políticos e sócio-económicos reflectem a degradação política, ficaram respectivamente pela 162ª e 173ª posições num universo de 182 países considerados (Timor desceu 20 lugares, de 142º para 162º, o que reflecte os traumas vividos pelo país em data recente e a Guiné Bissau estagnou enquanto uma das mais fragilizadas nações da Terra).

Até que ponto isso não reflecte também os impactos neo liberais nas políticas e nos processos sócio-económicos de cada um deles, o que me parece evidente para o caso angolano?

O “prémio” nessas condições pode-se tornar ou não num verdadeiro “castigo”?!

Há bastas hipóteses de se confundir crescimento com desenvolvimento sustentável nas condições de ausência de estatísticas fiáveis.

Por outro lado, verifica-se que os países insulares na sua maioria, particularmente os mais pequenos, estão a ver a sua posição a degradar-se, o que em muitos casos reflecte a corrente situação das alterações climáticas e ambientais aceleradas, combinadas com as sequelas resultantes da crise.

Cabo Verde, (um país que em África é apontado como exemplar), no ano anterior foi 106º e este ano ficou pela 121ª posição, baixando 15 lugares, sendo esse fenómeno uma resultante directa da crise, tendo em conta que a grande aposta do país está nas remessas financeiras provenientes da migração, como do turismo vocacionado para atender a União Europeia.

Essa situação é tanto mais notável quanto Cabo Verde é um país cooperante para os ricos: não foi por acaso que a NATO realizou a primeira grande manobra em África, preparando-se para o Afeganistão, nem é por acaso que os migrantes clandestinos que infestam os mares, quando se aproximam de Cabo Verde na intenção de chegar à Europa (via Canárias), são interceptados, detidos e devolvidos às procedências…

Timor baixou em função da combinação de sua insularidade relativamente precária por ser um país de periferia sem grandes recursos, com os factores externos em resultado da crise global e com os factores internos negativos de carácter sócio-político.

Oxalá o desastre ambiental que ocorre no Mar de Timor, não tragam estragos adicionais a um Timor tão fragilizado tanto quanto comprova a evolução recente do seu IDH!...

No âmbito da SADC, não existe país algum inserido nas categorias muito elevado e elevado, existindo 8 com IDH médio, 4 com IDH baixo e 1 sem possibilidades de estatística (Zimbabwe).

A África do Sul em função da recessão, o ano passado foi 121º e este ano 129º, perdendo a liderança para o Botswana que é 125º este ano e a Namíbia que é 128º.

Na SADC os países com IDH mais baixos são o Malawi, 160º, a Zâmbia, 165º, Moçambique, 172º e a RDC, 176º.

Moçambique, tal como a Guiné Bissau, continua a ser uma das mais fragilizadas nações da Terra, baixando 4 lugares dum ano para o outro e isso apesar do “elogio” que tem sido feito em relação aos governos da FRELIMO.

Duma forma geral em África, os países interiores (sem acesso ao mar) de maior extensão da SADC estão a pagar um tributo mais elevado dessas conjunturas geográficas e, no caso da RDC, o mais decisivo para África, houve deterioração da posição com uma baixa de 9 lugares.

Este ano vou introduzir os termos de comparação em relação aos 9 países da ALBA, que na tabela estão assim qualificados: (2)

- No grupo de países com Índice de Desenvolvimento Humano alto, estão Antígua e Barbuda, 47º, Cuba, 51º, Venezuela, 58º, Dominica, 73º e Equador, 80º.

- No grupo com IDH médio estão San Vicente y las Granadinas, 91º, Honduras, 112º, Bolívia, 113º e Nicarágua, 124º.

O grande motor da ALBA, a Venezuela, deu um salto positivo de 14 lugares, o que é significativo em relação à SADC cujo motor, a África do Sul, está em recessão, baixando 8 lugares na escala.

A comparação com os países CPLP dá-nos uma ideia das relativas aproximações entre os africanos e Timor Leste, em relação aos 4 países que compõem neste momento o último escalão da ALBA.

Cabo Verde, o país africano da CPLP que possui uma situação mais desafogada em termos de IDH, encontra-se à frente da Nicarágua, o último da escala da ALBA e é o único africano do CPLP que chega a suplantar um dos membros da ALBA, o que dá ideia de quanto as condições e conjunturas mais difíceis que a humanidade enfrenta estão invariavelmente em África.

Cuba desceu 1 lugar na escala, reflectindo o prejuízo causado pelos fenómenos naturais na ilha e sobretudo a manutenção do bloqueio.

Há 4 países da ALBA com IDH melhores que os do Brasil, que desceu de 69º para 75º, entre eles Cuba.

A longa batalha para se alcançar os Objectivos do Milénio está longe de ser ganha e apesar de êxitos pontuais (em alguns casos, como Angola, mais em função do crescimento que do desenvolvimento sustentável), está fora de hipóteses alcançá-los até 2015, sobretudo em África.

A Venezuela está a ter uma melhoria que reflecte mais um equilíbrio entre crescimento e sustentabilidade, um IDH que se não for afectado pela desestabilização que vem incentivada de fora, pode vir a significar um processo consolidado sob o ponto de vista sócio-económico, com um
menor índice de desigualdade, o que é contrário ao que prevalece em Angola, onde o foço das desigualdades não pára de crescer.

A pressão do imperialismo sobre os países da ALBA poderá conduzir a uma relativa estagnação, ou mesmo dificuldades, sendo bastante difícil a partir da acção continuada da Venezuela enquanto motor, superar a actual escala.

Essa situação de estagnação forçada não pode deixar de ser um dos propósitos da acção imperialista, aliada às oligarquias latino americanas.

A luta na América Latina é um processo contínuo que já vem de longe e a plataforma de paz que a ALBA conseguiu à custa de enormes sacrifícios (a paz dos povos e não a “paz” à feição das oligarquias e dos interesses imperiais coligados), é um obstáculo para o exercício da hegemonia, estando-se no entanto longe de haver a possibilidade de fazer um balanço optimista (daí a importância do caso das Honduras).

Angola em princípio não irá conseguir alcançar todas as metas dos Objectivos do Milénio em muitos itens, mas o fim da guerra e o crescimento do país, farão melhorar as condições de vida, com um aumento nunca visto do foço das desigualdades, próprio duma neo colónia.

Há aspectos que poderão ser realizáveis, mas os problemas infra estruturais e estruturais que ainda subsistem, assim como o desequilibrado peso das políticas neoliberais e a fraqueza das organizações sociais, condicionarão ainda em muito a vida no país, que tende a ocupar um lugar na escala média dos IDH até 2015, podendo melhorar a posição paulatinamente até lá.

Enquanto na ALBA é a Venezuela, o motor da organização, que galga lugares, quer no CPLP, quer na SADC, é Angola, que apesar de ser um “pequeno emergente”, não pode ser considerado de motor face ao Brasil, ou à África do Sul.

Nenhum país africano alcançará na totalidade as metas que foram protagonizadas com relativo optimismo no ano de 2000, o que quer dizer que o muro global entre ricos e pobres ficará por derrubar em 2015!

Muito há ainda a fazer para que África possa deixar de ser considerado aquele “continente inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço” e a situação da RDC, enquanto não for superada, continua a ser duma decisiva influência negativa, como uma poderosa âncora que prende o barco do continente ao crónico subdesenvolvimento.

África, o “continente berço da humanidade”, é o centro da fome da humanidade, o centro da morte prematura e injusta da humanidade e essa conjuntura dá sinais de agravamento e não de recuperação! (3)

Martinho Júnior

8 de Novembro de 2009

Notas:
- (1) – Objectivos do Milénio – IPAD –
http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=221&Itemid=253 ; Relatório sobre os Índices de Desenvolvimento Humano de 2009 – PNUD – http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2009_PT_Complete.pdf ; O 2015 é já aí – Página Um – http://pagina-um.blogspot.com/2009/06/africa-o-2015-e-ja-ai.html
- (2) – MercoSur Notícias – ALBA-TCP, CINCO AÑOS DESPUÉS, UN BLOQUE REGIONAL EMERGENTE –
http://www.mercosurnoticias.com/index.php?option=com_content&task=view&id=31391&Itemid=251 ; Declaración de la VII cumbre del ALBA – TCP – Cochabamba, Bolívia – 17 de Octubre de 2009 – Kaos en la Red – http://www.kaosenlared.net/noticia/declaracion-vii-cumbre-alba-tcp
- (3) – FAO – 1.020 milhões de pessoas com fome –
http://www.fao.org/news/story/en/item/20568/icode/ ; A imparável avalanche da fome – Página Um

COMO A EUROPA FAZ MAL À SAÚDE


ANTÓNIO MARTINS – OUTRAS PALAVRAS - Imagem: Mulher lendo, de Botero

Nos últimos anos, as frágeis vitórias contra a AIDS obtidas na África apoiam-se em poucas fontes – entre elas, a Unitaids, uma agência da ONU criada em 2006. Fundada por iniciativa de Brasil, França, Chile, Noruega e Reino Unido, financiada por um imposto internacional embrionário, que incide sobre bilhetes aéreos, a Unitaids é, ainda, arejada pela presença de representantes da sociedade civil em seu conselho executivo. Adquire medicamentos genéricos e eficientes – especialmente na Índia – e os envia para nações como Zâmbia (onde a expectativa de vida caiu para 43,4 anos), África do Sul (49,3 anos) e Nigéria (46,9). Apoia 16 projetos, em 93 países (sua atuação estende-se à Ásia e América Latina). Mas às vezes, seus esforços esbarram em estranhos obstáculos.

Em 12 de novembro de 2008, por exemplo, autoridades aduaneiras holandesas confiscaram, no reluzente aeroporto de Schiphol, uma carga do anti-retroviral abacavir. Produzida pelo laboratório indiano Aurobindo, a droga destinava-se a portadores do HIV na Nigéria (Schiphol era a melhor escala, na malha aérea internacional). Foi testada e aprovada pela rigorosa agência norte-americana de controle sobre medicamentos (a Food and Drug Administration, FDA). Sua produção e consumo são legais tanto no país de origem quanto no de destino. Mas incomodam o laboratório britânico Glaxo-SmithKline – o quarto maior do mundo, em faturamento. Produtor inicial do abacavir, o Glaxo patenteou-o nos países da União Europeia (UE). Em clara afronta a princípios do Direito Internacional, julgou-se em condições de fazer valer esta patente em Estados que não a concederam. Foi prontamente atendido pela alfândega holandesa.

Embora bizarro, o episódio repetiu-se pelo menos quinze vezes, nos últimos três anos – em diversas ocasiões, com destruição física dos medicamentos. Além da AIDS, impediu o uso de drogas contra tuberculose e malária; antibióticos, anti-hipertensivos e redutores do colesterol. Inaugurado na Holanda, o procedimento foi repetido em portos e aeroportos na França e Alemanha. Afetou, na América Latina, compras feitas por governos e empresas privadas do Brasil, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela. O número exato de apreensões é mantido em sigilo pela UE.

Em 5 de maio de 2010, a carioca Renata Reis sentiu-se recompensada, após anos de batalha. Advogada da Associação Brasileira Interdisciplinar sobre AIDS (a Abia) e coodenadora do Grupo de Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), ela obteve, em Madri, uma sentença que pode inibir o confisco de medicamentos. O Tribunal Permanente dos Povos (TPP), um importante fórum de opinião que se reúne desde 1974, classificou a ação da União Europeia como violação grave dos Direitos Humanos.

O TPP não tem poder vinculante – ou seja, não produz resultados jurídicos imediatos. Mas seu dictamen reflete uma articulação internacional crescente, que envolve sociedade civil e Estados e pode tornar-se vitoriosa nos próximos meses. Além da Rebrip, a denúncia de Madri foi formulada e apresentada por organizações da Colômbia, Equador Peru – e apoiada por diversos movimentos em defesa da saúde na Índia. ONGs europeias participaram ativamente, nos últimos anos, tanto do esclarecimento da opinião pública (furando o silêncio da mídia) quanto do rastreamento das apreensões. No final de 2009, os governos brasileiro e indiano levaram o caso à Organização Mundial da Saúde (OMS). Em maio último, tomaram as primeiras medidas para contestar a prática da UE na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Esta sucessão de fatos importantes e contraditórios, que seria improvável há poucos anos, revela algo novo no ambiente da globalização. A disputa entre os direitos humanos e a lógica dos lucros persiste e se acirra. No entanto, há pelo menos quatro grandes surpresas, em relação ao panorama que prevalecia até o início do século. 1) A OMC está deixando de ser um fórum onde se impõem invariavelmente os interesses das grandes corporações e dos países mais ricos. 2) Descontentes, os antigos todo-poderosos tendem a deixar a diplomacia e as boas-maneiras das organizações internacionais e partem para medidas mais brutas e unilaterais. 3) No entanto, tal movimento depara-se agora com uma postura menos submissa dos países “periféricos”. Fortalecidos, eles já não aceitam a condição de meros figurantes no tabuleiro do poder global – embora suas políticas internas continuem, em muitos casos, amarradas ao passado. 4) Ampliou-se, por tudo isso, o espaço para que organizações da sociedade civil e certos governos somem forças em favor de objetivos específicos – e alcancem vitórias.

A advogada Renata Reis acompanha de perto, há anos, todos os lances que estão desenhando o novo cenário. O dispositivo jurídico da União Europeia que autoriza as alfândegas a apreender medicamentos, conta ela, é a Resolução 1383, de 22/7/2003. Foi adotada num ano decisivo para a OMC. Meses antes, fracassara, em Cancun (México), uma Conferência Ministerial da organização convocada para deflagrar uma nova rodada de liberalização do comércio internacional. Seu foco era levar adiante o grande projeto estratégico das corporações transnacionais: abrir os mercados dos países do Sul, especialmente os de serviços e bens imateriais. Entre as propostas frustradas estavam o endurecimento das leis de patentes e o fim da circulação não-mercantil de produtos culturais, como música e audiovisual. Além das mobilizações da sociedade civil, foi decisiva para a derrota das transnacionais a formação do G-20 – um bloco de países do Sul interessados em ter voz ativa na OMC.

A Resolução 1383/2003

A 1383/2003 é uma espécie de reação selvagem a este insucesso. Jamais submetida ao Parlamento europeu (muito menos debatida entre as sociedades), foi aprovada burocraticamente pelo Conselho de Ministros, formado por um único representante de cada governo da UE.

Adotado de forma tortuosa, “o dispositivo fere diversos princípios básicos do Direito Internacional e do comércio entre os países”, frisa Renata Reis. Desrespeita a territorialidade (as leis não podem ultrapassar as fronteiras dos Estados que as adotaram). Afronta a liberdade de trânsito de mercadorias, consagrada no Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT), da qual a União Europeia é signatária. Viola o espírito da Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública, que permite aos Estados-membros da OMC relevar o direito às patentes, sempre que isso for necessário para garantir acesso das populações aos medicamentos. Choca-se até mesmo com a resolução do Parlamento Europeu de 12/7/2007, segundo a qual “a política da UE deve visar a maximização da disponibilidade dos produtos farmacêuticos a preços acessíveis, nos países em desenvolvimento”.

Além disso, continua a advogada da Abia, “a 1383/2003 introduz um precedente perigoso, ao permitir que interesses privados interfiram sobre o trabalho das alfândegas”. Constituídas há séculos como serviços públicos, encarregados de proteger as fronteiras políticas, econômicas e sanitárias das nações, as aduanas são obrigadas, pela Resolução, a cumprir também um papel menor. Sempre que solicitadas, elas devem exercer poder de polícia para defender interesses de empresas que se queixarem de violação de propriedade intelectual.

A resolução 1383/2003 permaneceu na gaveta por algum tempo. Passou a ser aplicada em 2008, outro marco para o comércio internacional. Em junho desse ano, um grupo de dezesseis países e de grandes corporações começa a negociar, em reuniões sigilosas, o ACTA, um acordo comercial com objetivos muito semelhantes aos que foram frustrados em Cancun. O palco já não é a OMC: os poderosos preferem reunir-se à parte e tentar chegar a um acordo – para em seguida “exportá-lo” ao resto do mundo. Renata observa: “a 1383/2003 é uma espécie de balão de ensaio para o ACTA. Entre os aspectos mais criticados do acordo estão o rompimento do princípio de territorialidade e o corrupção do papel das alfândegas, colocadas a serviço das grandes empresas”.

Dispositivo kafkianos da legislação europeia (as cláusulas de confidencialidade sobre atuação das alfândegas) impedem que se conheça com precisão o volume de medicamentos já confiscados pela UE. Embora amparadas pelo Direito Internacional, as empresas que importam os remédios evitam fazer alarde: não querem se indispor com as autoridades de maior bloco econômico do planeta. Num primeiro momento, a luta contra as retenções foi feita por organizações da sociedade civil. Nesse universo, há colaboração Sul-Norte. Renata Reis destaca o papel desempenhado, para concretização das denúncias, pela Health Action Internacional [Ação Internacional pela Saúde]. Sediada em Amsterdam, focada na luta para que o acesso aos medicamentos seja um direito de qualquer habitante do planeta, a ONG localizou e comprovou as apreensões ilegais de remédios.

A partir de 2009 – e talvez aqui esteja a novidade mais promissora – os movimentos cidadãos passaram a ter apoio de dois Estados com papel crescente no cenário internacional: Brasil e Índia. Em janeiro daquele ano, após o confisco de medicamentos destinados ao país (uma carga do anti-hipertensivo genérico Losartan, produzida na Índia), o Itamaraty emitiu nota de protesto e abriu debate sobre o tema no Conselho Executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS). O impacto provocado pela iniciativa teve um primeiro resultado imediato. A UE viu-se sem condições políticas de levar adiante tentativa de incluir, na agenda da OMS, uma proposta (batizada de Impact) que restringia a produção de medicamentos genéricos – condicionando-a à concordância da empresa detentora da patente…

A iniciativa governamental de maior repercussão viria em 12 de maio último. As delegações brasileira e indiana contestaram conjuntamente a Resolução 1383/2003 da União Europeia na própria OMC. Fizeram-no por meio de um procedimento denominado consulta – o primeiro passo para instaurar um litígio. A posição foi apoiada de imediato por China, Argentina, todos os países africanos e um elenco de ONGs internacionais.

Renata Reis lamenta que esta postura altiva não seja acompanhada por setores do governo brasileiro, quando a luta em favor dos genéricos se dá no próprio país. “O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)”, reporta ela “boicota sistematicamente as tentativas da socidade civil e do ministério da Saúde para limitar as patentes farmacêuticas”. Mas a nítida mudança no cenário internacional tende a ridicularizar o principal argumento destes bolsões de resistência aos novos tempos. Contrariando todas as evidências, eles insistem em pensar que “não há alternativas”…

LER:
Como o ACTA ameaça nossa liberdade
O plano de Obama para reformar a Saúde

ESTADO NOVO NO BRASIL E EM PORTUGAL

Salazar e Carmona

ADELTO GONÇALVES (*) – PRAVDA.ru

I
Tanto no Brasil como em Portugal a República reinstalou a instabilidade política, depois de uma fase sem golpes, quarteladas e outras formas de manifestação política fora dos meios institucionais. Nos dois lados do Atlântico, caminhou-se em direção a sistemas ditatoriais, ambos denominados da mesma forma: Estado Novo. As semelhanças, porém, param por aí, como mostra o professor Leonardo Prota, doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF), do Rio de Janeiro, e diretor-executivo do Instituto de Humanidades, de Londrina-PR, em seu ensaio “Estado Novo no Brasil e em Portugal – características distintivas no processo de constituição”, apresentado durante o VIII Colóquio Antero de Quental, cujas atas foram reunidas na revista Estudos Filosóficos, do Departamento das Filosofias e Métodos da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ)-MG, nº 3, julho/dezembro 2009.

Em Portugal, como observa Prota, o regime totalitário nasce também do fracasso do sistema representativo democrático, considerado incapaz de resolver os conflitos sociais. Tendo nascido de um golpe contra o sistema monárquico, a República portuguesa viveu anos de instabilidade, inclusive com a participação de militares na política. Até que em 1926 uma insurreição deu forma a um novo regime, o Estado Novo, consagrado na Constituição de 1933.

No bojo desse movimento, o professor António Oliveira Salazar (1889-1970), da Universidade de Coimbra, que entrara no governo chefiado pelos militares como ministro das Finanças em 1928, assume-se como a principal liderança para colocar em prática um regime forte. O governo subordinava-se apenas ao presidente e sua permanência não dependia da Assembléia. Os partidos políticos foram abolidos e, em seu lugar, passou a funcionar uma organização chamada União Nacional, com membros escolhidos por votação direta, à maneira integralista.

II
Entre outros excelentes trabalhos apresentados durante o Colóquio, está “O novo conceito de Era Vargas – sua fundamentação teórica”, do professor Ricardo Vélez Rodríguez, do Núcleo de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da UFSJ, também doutor em Filosofia pela UGF, que recupera a fase parlamentarista de Getúlio Vargas, mostrando-o como um defensor intransigente do regime castilhista, que considerava legítimo, “porquanto inspirado na verdadeira ciência social – o comtismo – e democrático, porque fundamentado no voto proporcional, aberto a todas as opiniões”, embora não deixasse de reconhecer que se tratava de um regime de força.

No poder, porém, o caudilho Vargas entraria em atrito com os caudilhos gaúchos Borges de Medeiros, Flores da Cunha e outros. Mas acabaria por buscar soluções negociadas quando os adversários eram de grande porte, sem condições de serem esmagados, como fizera com a oposição comunista ou com vozes dissonantes entre os letrados da classe média, de que o escritor Graciliano Ramos (1892-1953) seria o melhor exemplo. Diz o filósofo que Vargas, em sua fase madura, já no poder, projetou o positivismo, o darwinismo social e o saint-simonismo de sua primeira formação.

Aliou a isso uma extraordinária habilidade política, que só encontra paralelo hoje em Luiz Inácio Lula da Silva. Em outras palavras: em vez de lutar contra os fatos e buscar as reformas efetivas, sempre preferia contar com as exigências da realidade. Para melhor exemplificar essa trajetória, Vélez Rodrigues transcreve o princípio do darwinismo social exercitado por Vargas em seu Diário (Rio de Janeiro, FGV, 1995, vol.1, p.486-487): “Vencer não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos—vencer é adaptar-se (...); adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar”. Se se colocar nestas palavras alguma metáfora futebolística, ninguém dirá que este pensamento não foi externado por Lula da Silva.

Em outro trabalho que assinou com Antônio Paim, do Instituto de Humanidades, “A sobrevivência do liberalismo na cultura luso-brasileira”, Vélez Rodríguez faz uma análise do Brasil de hoje, reconhecendo que as administrações petistas vêm prejudicando o aperfeiçoamento da representação mediante práticas que considera abusivas na negociação política. E defende que um governo representativo se fortalece também com a melhoria da escolaridade, observando que a baixa escolaridade está associada à sobrevivência do patrimonialismo.

O que, aliás, reflete-se no baixo nível cultural e educacional da maioria dos candidatos a cargos legislativos e executivos. É de lembrar que a tragédia brasileira, hoje, é o chamado ensino fundamental, que vem sendo negligenciado desde a Era Vargas, para se dizer o mínimo. Isso fica provado na pesquisa feita por Alberto Carlos de Almeida e comentada por Paim e Vélez Rodrigues, segundo a qual quanto mais baixa a escolaridade mais as pessoas tendem a considerar legítimo o uso de cargo público em benefício próprio. Ou ainda são favoráveis à censura a programas de TV que façam críticas ao governo. É de lamentar também que, levando-se em conta a baixa qualidade do ensino no Brasil, o tempo de escolaridade já não significa muito, pois é fácil encontrar jovens ou pessoas maduras semi-alfabetizadas que conseguem se matricular em cursos superiores.

Na análise que faz das conclusões fundamentais do Colóquio, o seu organizador, o professor José Maurício de Carvalho, do Departamento de Filosofia da UFSJ, doutor em Filosofia pela UGF, destaca a desconfiança no liberalismo como a razão da implantação da República no Brasil e em Portugal, à qual se soma o esgotamento do Segundo Reinado aqui e o desmoronamento das formas partidárias de representação política e o messianismo do discurso republicano, que apresentou o sistema como resposta ao sentimento de decadência em terras lusas. Na análise das tradições socialistas, Carvalho observa que em ambos os países os partidos socialistas se aproximaram da democracia representativa, embora no Brasil reste certa ambigüidade doutrinária no que se refere à adesão plena a tal sistema.

O Colóquio reuniu ainda trabalhos de Alexandro Ferreira de Souza (Universidade Federal de Juiz de Fora-UFJF ), Marco Antonio Barroso (UFJF), Pedro Calafate (Universidade de Lisboa), António Pedro Mesquita (Universidade de Lisboa), José Esteves Pereira (Universidade Nova de Lisboa), Humberto Schubert Coelho (UFJF), Bernardo Goytacazes de Araújo (UFJF), Arsênio Eduardo Corrêa (Instituto de Humanidades), Manuel Felipe Canaveira (Instituto de Filosofia Luso-Brasileira-Portugal), Tiago Adão Lara (UFJF), Paulo Ferreira da Cunha (Universidade do Porto), Rafael César Pitt (UFJF), Ernesto Castro Leal (Universidade de Lisboa) e Elizabeth Santos de Carvalho (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

ESTUDOS FILOSÓFICOS: ATAS DO VII COLÓQUIO ANTERO DE QUENTAL . Revista do Departamento das Filosofias e Métodos (Defime) da Universidade Federal de São João del Rei. São João del Rei-MG, , nº 3, julho-dezembro 2009. E-mail: dfime@ufsj.edu.br

(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

Enviado da ONU para Sahara Ocidental se sente pessimista


PRAVDA.ru

Christopher Ross - Enviado Pessoal do SG da ONU - mostra-se pessimista em relação à resolução do conflito do Sahara Ocidental e pede apoio às grandes potências - Carta‏:

Excelência,

Como é do conhecimento de V. Exa., vou visitar as capitais do Grupo de Amigos do Sara Ocidental a partir do dia 21 de Junho de 2010. Para ajudar o Governo de V. Exa. a preparar-se para as discussões que pretendo promover, peço a V. Exa. que transmita as seguintes reflexões às autoridades pertinentes na mais estrita confidencialidade.

O Problema

Desde que fui nomeado Enviado Pessoal do Secretário-Geral para o Sara Ocidental, tenho beneficiado da boa vontade das partes envolvidas e dos países vizinhos em trabalharem comigo e tive o prazer, pelo qual estou muito grato, de contar com o apoio forte e generalizado do Conselho de Segurança. Nesta base, empreendi três viagens para consultar as partes envolvidas, os países vizinhos e outras capitais interessadas. Promovi igualmente duas reuniões informais entre as partes, com os países vizinhos na qualidade de observadores. Estas reuniões foram importantes para manter abertas vias de comunicação, reduzindo o risco de uma escalada da tensão e para pressionar as partes no sentido da negociação.

Apesar disso, a minha conclusão neste momento é a de que, embora as partes envolvidas tenham a vontade política de se encontrarem cara a cara, não possuem ainda a vontade política de entrar em negociações genuínas sobre o futuro do Sahara Ocidental ou de prestarem uma atenção prioritária a medidas que criem confiança. Na reunião informal mais recente, em Winchester County, a Frente Polisario encetou de forma modesta o que poderia vir a ser uma negociação genuína, ao analisar com Marrocos vários aspectos específicos da proposta de autonomia de Marrocos. Marrocos, pela sua parte, recusou-se a analisar a proposta da Frente Polisario. Em consequência disso, a Frente Polisario não avançou mais.

No final da reunião em Westchester County, as partes concordaram com a minha declaração de que «nenhuma das partes tinha aceitado a proposta da outra como única base de futuras negociações”. O processo de busca de uma solução está a decorrer ao abrigo do capítulo VI, pelo que nenhuma das partes pode ser obrigada a aceitar a proposta da outra, tal qual está formulada. O Secretário-Geral e eu não conseguimos por nós próprios convencer as partes a abandonar o seu apego intransigente a posições mutuamente exclusivas. Precisamos de apoio específico quer do Conselho de Segurança quer do Grupo de Amigos, como descrito no anexo à presente carta.

A Questão do Status Quo

O Conselho de Segurança reconheceu que a consolidação do status quo não é aceitável a longo prazo. Apesar disso, cada uma das partes e, no mínimo, um dos países vizinhos, agem como se o tempo estivesse do seu lado. Os membros do Grupo de Amigos podem auxiliar a fazê-los aceitar que, por mais confortável que a situação possa ser a curto prazo, a estabilidade na região, a segurança, a integração e o desenvolvimento serão melhor servidos se houver um compromisso sério na procura de uma solução.

Processo de Negociação entre as Partes

Marrocos é um Estado e a Frente Polisario é um movimento. Não obstante, no processo actual, as partes têm de lidar uma com a outra como parceiros mais ou menos iguais, se quiserem fazer progressos. Isso requer, pelo menos, que haja mostras de respeito mútuo em relação aos indivíduos presentes e às propostas que eles tenham posto sobre a mesa. Uniformemente, não tem sido esse o caso.

O Conselho de Segurança apelou à realização de negociações sem condições prévias e de boa fé. Embora tenha saudado os esforços sérios e credíveis de Marrocos para avançar com o processo, não mencionou que as discussões se deviam limitar à proposta de autonomia feita por Marrocos. Se se pretender que o processo avance para negociações genuínas, é preciso que cada uma das partes seja persuadida de que a sua proposta foi examinada e discutida em pormenor e que foi feito um esforço para responder às suas preocupações.

Se as partes continuarem relutantes em mostrar vontade política para examinarem e discutirem as propostas de cada uma, num primeiro passo, no sentido de uma discussão mais fluida e realista do futuro do Sara Ocidental, há poucas razões para se realizar uma terceira reunião informal ou uma quinta ronda de negociações formais. De facto, rondas sucessivas de reuniões, sem que haja um progresso significativo, acabam por pôr cada vez mais em causa a credibilidade das Nações Unidas, do Conselho de Segurança e do Enviado Pessoal.

A Contribuição dos Países Vizinhos

O Conselho de Segurança apelou às partes envolvidas e aos países da região para que cooperassem mais plenamente com as Nações Unidas e uns com os outros para se conseguirem progressos. A Argélia e a Mauritânia estiveram de facto presentes nas duas reuniões informais realizadas até à data. Na prática, porém, consideram-se a si próprios meros observadores. As suas delegações estiveram presentes nas sessões pro forma de abertura e de encerramento sem dizerem uma palavra e ausentaram-se das discussões de intervenção.

A participação da Mauritânia no processo é, em grande medida, simbólica e não requer nenhuma atenção especial neste momento. O mesmo não se passa em relação à Argélia, dado o abrigo que proporcionou aos refugiados saharauis e o apoio político e não só que tem prestado à Frente Polisario. A sua posição actual é a de que tomará parte na discussão de qualquer assunto que careça de aprovação ou de acção da sua parte, como é o caso em relação a determinadas medidas de criação de confiança, mas que se manterá afastada de qualquer discussão sobre o futuro do Sahara Ocidental, o qual terá de ser resolvido entre Marrocos e a Frente Polisario, como insistem os seus líderes. No entanto, um empenhamento mais forte da parte da Argélia, pelo menos o reconhecimento mais firme de que o status quo não é benéfico a longo prazo e um maior apoio às medidas de criação de confiança, ajudariam a dar um impulso a um empenhamento efectivo das partes.

Medidas de Criação de Confiança

Na ausência de negociações genuínas sobre o futuro do Sara Ocidental, a implementação de medidas que criem confiança de forma a aumentar a confiança mútua, a fazer com que os saharauis há muito separados se familiarizem de novo uns com os outros e a permitir um diálogo sobre as perspectivas futuras tem vindo a revestir-se de importância acrescida.

O Conselho de Segurança apelou às partes envolvidas para que implementassem os acordos anteriores sobre as medidas de criação de confiança e que considerassem medidas adicionais. Apesar disso, as medidas existentes estão em risco, a implementação de, pelo menos, um acordo de princípio ficou para trás e a exploração de medidas suplementares foi refreada.

A questão mais premente é o reatamento das visitas de familiares por via aérea. O Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) suspendeu essas visitas depois de Marrocos se ter oposto à inclusão de dois indivíduos na lista de um voo programado para o dia 26 de Março de 2010. O Plano de Acção do ACNUR, com o qual as partes tinham concordado, dava ao ACNUR a responsabilidade exclusiva de determinar quem devia ser incluído e eu pedi a Marrocos que deixasse viajar os indivíduos em questão ou então que pusesse de lado a questão do voo de 26 de Março para ser discutida posteriormente e deixasse prosseguir os voos programados para depois de 26 de Março. Continuo à espera de uma resposta. A Frente Polisario está à vontade com qualquer uma das opções.

Enquanto as visitas de familiares por via aérea continuarem suspensas, é difícil de imaginar a inauguração das visitas de familiares por transporte rodoviário, como foi acordado em princípio já em 2008. A Frente Polisario teve a sua reunião anual de avaliação com o ACNUR em Genebra, em Maio de 2010, e aceitou o projecto do Plano de Acção relativo à opção por transporte rodoviário e Marrocos concordou com a data de 2 de Julho de 2010 para a sua reunião de avaliação.

Quanto aos seminários, campos de férias para jovens e visitas alargadas de familiares para ocasiões especiais, como sejam casamentos e funerais, que o ACNUR tem proposto para aumentar o contacto entre os saharauis dos campos e do território propriamente dito, não houve qualquer acção durante vários anos. Em 2007, Marrocos retirou-se do primeiro seminário, que era para ter sido realizado em Portugal, em Novembro desse ano. Durante o ano passado, a Argélia desaconselhou a ONG internacional «Search for Common Ground» a explorar esses eventos com os líderes da Polisario da região de Tindouf, ainda que agora esteja a tentar fazê-lo a meu pedido. Os progressos ao nível das medidas de criação de confiança irão gerar entusiasmo no sentido de um empenhamento efectivo das partes envolvidas e serão um sinal inequívoco de que as partes podem de facto trabalhar em conjunto.

Direitos Humanos

Uma vez mais, na ausência de qualquer progresso em relação à questão nuclear do futuro do Sahara Ocidental, a questão dos direitos humanos assumiu uma maior importância do que a que teria de outro modo e é provavelmente o aspecto mais controverso das discussões no seio do Conselho de Segurança e não só. Estas discussões têm lugar, tendo por pano de fundo um longo historial de acusações por parte da Polisario contra Marrocos e um historial mais curto de acusações de Marrocos contra a Frente Polisario e a Argélia. Numerosos relatórios da Amnistia Internacional, da Human Rights Watch e de outras organizações deitam ainda mais gasolina para a fogueira. Alguns membros do Conselho de Segurança e do Grupo de Amigos têm um profundo interesse por esta questão, enquanto outros a consideram, na melhor das hipóteses, uma distracção desnecessária ou, na pior das hipóteses, uma tentativa de atingir Marrocos.

Desde a minha nomeação, tenho lembrado aos meus interlocutores marroquinos que, se eles pretendem levar a Frente Polisario a aceitar a sua visão de um Sahara autónomo, deviam agir de modo a demonstrar as suas boas intenções, sendo tolerantes para com os activistas pela independência do Sahara, em vez de limitarem a sua liberdade de movimentos e de expressão. Graças aos esforços amistosos de vários governos e das Nações Unidas, Marrocos resolveu o caso de Aminatou Haidar de forma construtiva. Desde então, respondendo aos conselhos provenientes de várias direcções, Marrocos tem tido uma atitude muito mais branda para com os activistas saharauis.

Ao mesmo tempo, Marrocos mobilizou a sua diplomacia para salientar o que encara como uma situação inaceitável dos refugiados saharauis na Argélia, acusando a Argélia e o ACNUR de se eximirem à sua responsabilidade de fazerem um recenseamento destes refugiados e de zelarem pelo seu bem-estar e pela sua liberdade, acusando ainda a própria Polisario de abusos continuados de direitos humanos.

Ao abordar a dimensão humana do conflito, o Conselho de Segurança fez notar a necessidade de todas as partes cumprirem as suas obrigações. Trata-se de uma advertência útil que deve ser repetida.

Atmosfera

A primeira reunião informal na Áustria restaurou uma atmosfera de respeito mútuo no processo, mas esta foi rapidamente dissipada por vários factores, entre os não menos importantes dos quais se contam as ásperas declarações das várias partes e a campanha negativa em que se envolveram os meios de comunicação social de cada parte, atacando os líderes pelo nome, lançando várias acusações uma contra a outra e criticando as políticas internas e externas uma da outra. Este fenómeno continua até à data e vai toldar futuros encontros, se persistir.

Perspectivas de uma Próxima Reunião Informal

Se trabalharmos em conjunto, podemos convencer as partes e os países vizinhos a empenhar-se de forma mais construtiva. Estou a pensar realizar uma terceira reunião informal em Agosto ou Setembro de 2010, que teria por objectivo da minha parte (a) promover uma discussão conjunta das últimas orientações dadas pelo Conselho de Segurança na Resolução 1920 (2010); (b) empenhar cada parte separadamente na sua proposta, recorrendo a especialistas em formas de partilha de poder que podem ir desde a integração total à independência total e tudo o que possa haver de permeio, de forma que cada uma das partes se afaste dos estreitos limites da sua proposta e (c), se possível, fazer com que as partes se empenhem numa visão partilhada de governo interno do Sara Ocidental, deixando de lado o estatuto final para ser discutido como uma última questão.

Questões a pôr à Consideração

1. Que resultados específicos considera aceitáveis para este conflito? A Frente Polisario afirma que qualquer processo que conduza a um referendo em que a independência seja uma opção é um resultado aceitável. Marrocos argumenta que uma autonomia negociada é o único resultado possível. É claro que existem muitas formas possíveis de autonomia.

2. Qual é a sua opinião sobre os requisitos para o exercício genuíno de uma autodeterminação? A Frente Polisario sustenta uma vez mais que tal só pode advir de um referendo em que a independência seja uma opção. Marrocos argumenta que isso pode advir de uma solução negociada submetida a um referendo confirmativo.

Acções a Considerar

Qual é então o apoio que procuro dos membros do Grupo de Amigos ao tentar fazer avançar as partes? Abordagens de alto nível de Marrocos, da Frente Polisario e da Argélia ao longo do mês de Julho acolheriam bem os meus esforços e dariam o empurrão necessário. Todos devem ver que o Grupo de Amigos e eu estamos a trabalhar no mesmo sentido, se se pretender que a minha missão tenha alguma hipótese de sucesso. Em anexo encontram-se alguns pontos que poderiam ser incorporados nessas abordagens.

Estou na expectativa de discutir estes e outros aspectos da situação no Sara Ocidental e Norte de África durante a minha visita à vossa capital.

Aceite, Excelência, os protestos da minha mais elevada consideração.

Christopher Ross

Enviado Pessoal do Secretário-Geral para o Sara Ocidental

ELEMENTOS A CONSIDERAR NAS ABORDAGENS DE ALTO NÍVEL

Para Marrocos, a Frente Polisario e a Argélia:

A longo prazo, o status quo é inaceitável. É crescente o risco de uma deriva para o extremismo ou para actividades criminais entre a juventude sarauí. O perigo de uma aventura militar ou paramilitar poder escalar e transformar-se em hostilidades aumenta, quanto mais tempo a diplomacia não conseguir produzir progressos. Os custos a nível interno são elevados, particularmente em Marrocos. A ausência de uma solução impede a integração e o desenvolvimento regionais e uma cooperação abrangente em matéria de segurança. Prolongar a miséria humana dos campos é cruel. Na ausência de uma solução, o reconhecimento internacional do estatuto do Sara Ocidental não está próximo.

As medidas de criação de confiança devem receber atenção urgente. As visitas de familiares por via aérea devem ser retomadas imediatamente com base no Plano de Acção do ACNUR. As reuniões de carácter técnico sobre a visita de familiares por transporte rodoviário devem ser programadas rapidamente, logo que sejam concluídas as reuniões anuais de avaliação com o ACNUR, ou seja, depois de 2 de Julho de 2010. Outras medidas de criação de confiança propostas pelo ACNUR ou pelo Enviado Pessoal devem ser consideradas atempadamente.

Continuamos preocupados com as acusações mútuas de violações dos direitos humanos que passaram a ser tão frequentes. Cada uma das partes deve cumprir as obrigações estipuladas nas convenções internacionais relativas ao respeito pelos direitos do Homem e à protecção dos refugiados.

Os ataques pessoais e políticos que cada uma das partes lança contra a outra nas suas declarações e nos meios de comunicação social azedam a atmosfera para quaisquer encontros futuros. Seria útil que todas as pessoas interessadas evitassem declarações provocatórias e incitassem os meios de comunicação a suspender os seus ataques.

Para Marrocos e a Frente Polisario:

Se e quando o Enviado Pessoal convocar uma outra reunião, os senhores têm de encontrar processos que permitam examinar e discutir as proposta de cada um de forma muito mais completa do que fizeram em Westchester County. O facto de as examinarem e discutirem não quer dizer que as aceitem, mas transmitem um sinal de respeito pela outra parte e de uma supressão das condições prévias. Se cada uma das partes ouvir as preocupações da outra parte e demonstrar boa vontade em adaptar a sua proposta inicial de modo a atender a essas preocupações, aumentará a probabilidade de se chegar eventualmente a uma solução aceitável. As críticas a nível interno podem ser neutralizadas, se for afirmado que a discussão não significa a aceitação de tudo o que foi dito.

Para a Argélia:

É possível fazerem mais, sem comprometerem a vossa posição. Admitimos que não desejem negociar o futuro do Sara Ocidental no lugar da Frente Polisario. Não obstante, podem ir além da vossa prática passada enquanto observadores, apoiando de uma forma mais plena o desenvolvimento de medidas de criação de confiança, enfatizando os perigos do status quo e tomando outras medidas que julguem apropriadas.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

MARROCOS, REINO-MONSTRO DO NORTE DE ÁFRICA


Activistas espanhóis falam de “repressão brutal” dos saharauís por Marrocos

i ONLINE - LUSA

Os espanhóis que participaram sábado numa manifestação em El Ayun de apoio ao povo saarauí asseguraram hoje que a “repressão brutal” que sofreram reflete a que Marrocos exerce diariamente sobre os habitantes do Saara Ocidental.

Os 14 elementos da organização “SaharAcciones”, alguns dos quais sofreram agressões durante o protesto e onze foram detidos numa esquadra de El Ayun, chegaram hoje de manhã a Las Palmas, na ilha espanhola da Grande Canária.

O grupo foi recebido à chegada por alguns simpatizantes com bandeiras da Frente Polisário, o movimento que defende a independência da antiga colónia espanhola, que gritaram palavras de ordem por um Saara Ocidental livre e contra o Governo de Marrocos.

A ativista Carmen Roger mostrou aos jornalistas as lesões provocadas por vários golpes na cara, infligidos, segundo disse, pelos agentes da polícia marroquina que reprimiram a manifestação.

Sara Mesa, outro elemento do grupo, afirmou que as agressões que sofreram são uma demonstração do que acontece habitualmente no território, onde as esquadras marroquinas são “prisões medievais” e “centros de tortura”.

“Estávamos conscientes dos riscos que corríamos, fomos meter-nos na boca do lobo, acompanhando os saarauís”, disse Anselmo Fariñas, outro dos membros do grupo.

O objetivo do protesto, disse, foi que “as pessoas dos territórios ocupados possam ter direitos”, pois muitos deles temem pela violência “que é o dia a dia no Saara Ocidental”.

O ativista disse que o grupo tentou apresentar uma denúncia da repressão de que foi alvo junto da Missão da ONU no território, MINURSO, mas que esta não quis aceitá-la.

Fariñas exigiu que o Governo espanhol assuma a sua responsabilidade em relação ao Saara Ocidental e “faça o mesmo que Portugal fez com Timor-Leste”, uma vez que “é responsabilidade” de Espanha permitir que “o Saara seja livre” na sua qualidade de antiga potência colonial.

Antiga colónia espanhola, o Saara Ocidental foi anexado em 1975 por Marrocos. Rabat recusa a independência pretendida pela Frente Polisário, movimento independentista apoiado pela Argélia, propondo em alternativa uma ampla autonomia para o território.

*** Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico ***

TIMOR-LESTE E CABINDA


NOTÍCIAS LUSÓFONAS

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, Zacarias da Costa, exprimiu a preocupação do seu país relativamente à obstrução por parte de Marrocos quanto à conclusão e prosseguimento do processo de descolonização do Sahara Ocidental. E Cabinda? Pelos vistos, em Díli ninguém sabe o que isso é.

Por Orlando Castro - Jornalista

Zacarias da Costa manifestou essa preocupação durante uma recepção ao embaixador saharaui acreditado em Dili, Mohammed Salama Badi, na sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros timorense.

O ministro referiu que o seu governo está "preocupado face aos contínuos obstáculos interpostos por Marrocos com vista a retardar o processo de descolonização e a recusa de Rabat em permitir ao povo saharaui de exercer o seu direito inalienável à autodeterminação, através da organização de um referendo livre e democrático. "

As duas partes passaram igualmente em revista os últimos desenvolvimentos do conflito do Sahara Ocidental, nomeadamente as violações dos direitos humanos cometidos por Marrocos nos territórios saharauis sob ocupação marroquina e a pilhagem continua dos recursos naturais do território ocupado há mais de 35 anos por Marrocos.

No passado dia 1 de Junho, também o Presidente de Timor-Leste e Nobel da Paz, José Ramos-Horta, disse que Marrocos deve honrar os compromissos que assumiu com a comunidade internacional para realizar o referendo no Saara Ocidental.

Pena é que, no âmbito da Lusofonia, Ramos-Horta não tenha visão, ou conhecimentos, sobre o que se passa na colónia angolana de Cabinda.

Será que alguém o pode elucidar? Ou será que Ramos-Horta pensa como o seu homólogo português, Cavaco Silva, que Angola vai de Cabinda ao Cunene?

Por pensar como Ramos-Horte é que a Indonésia considerava que Timor-Leste era uma sua província. Certo?

O Presidente da República timorense salientou na altura que “o problema do Saara Ocidental já se arrasta há mais de 30 anos”.

Exactamente. Tal como o de Cabinda que começou em 1975 quando Portugal rasgou os acordos que tinha com o povo de Cabinda. Rasgou-os mas não conseguiu que fossem esquecidos por muitos. Muitos onde, apesar de uma causa semelhante, não consta infelizmente José Ramos-Horta.

“Timor-Leste libertou-se em 1999 e restaurou a sua independência em 2002, mas a questão do Saara que tem similaridade histórica e à luz do Direito Internacional, continua por ser resolvida”, observou o Presidente timorense.

E que tal Ramos-Horta pedir ajuda aos seus preclaros assessores para perceber que, afinal, Cabinda está ao mesmo nível do Saara e de Timor-Leste?

É natural que Ramos-Horta não saiba a história de Angola e de Cabinda, ou apenas conheça a versão do regime do MPLA. Se, por exemplo, os mais altos representantes políticos de Portugal nada conhecem, ou fingem não conhecer, da história do seu país, é natural que o presidente timorense também seja ignorante nesta, como noutras, matérias.

Resta a certeza de que, um dia destes, ainda vamos ver Cavaco Silva e Ramos-Horta, entre muitos outros, entre quase todos, a dizer também que devido a uma mudança no contexto geopolítico, Cabinda não é Angola e o Tibete não é China.

30.08.2010 - orlando.s.castro@gmail.com

Relacionado em Alto Hama: Saberá Timor-Leste o que é Cabinda?