segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Tunísia: A QUEDA DO PEQUENO DITADOR AMIGO DO OCIDENTE

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Esquerda net

As mudanças efectivas são fruto da vontade e do sacrifício do povo, e não impostas por ingerências estrangeiras ou por invasões.Por Esam al-Amin.

Na noite de fim de ano de 1977, o ex-presidente Jimmy Carter estava a brindar com o Xá Reza Pahlevi em Teerão, chamando àquela monarquia pró-ocidental “uma ilha de estabilidade” no Médio-Oriente. Mas nos 13 meses que se seguirão o Irão teve tudo menos estabilidade. Todos os dias o povo iraniano protestava contra a brutalidade do seu ditador, em massivas manifestações de uma ponta à outra do país.

A princípio, o Xá descreveu os protestos populares como parte de uma conspiração de comunistas e extremistas islâmicos, e reprimiu-os com mão de ferro com o uso brutal da força do seu aparelho de segurança e da sua polícia política. Quando viu que isso não resultou, o Xá teve de fazer algumas concessões às exigências populares, demitindo alguns dos seus generais e prometendo esmagar a corrupção e conceder mais liberdade, antes de acabar por sucumbir à mais importante exigência da revolução, fugindo do país em 16 de Janeiro de 1979.

Mas, alguns dias antes de se ir embora, instalou no poder um primeiro-ministro fantoche na esperança de que este conseguisse sufocar os protestos e facilitar-lhe o regresso. Saltando de país em país, verificou que era indesejável em muitas partes do mundo. Os países ocidentais que haviam elogiado o seu regime durante décadas, agora abandonavam-no todos perante a revolução popular.

32 anos depois, a Tunísia

Aquilo que levou cinquenta e quatro semanas a conseguir no Irão foi conseguido na Tunísia em menos de quatro. O regime do presidente Zein-al-Abidin Ben Ali representava aos olhos do seu povo não apenas as características de uma ditadura sufocante, mas também as de uma sociedade mafiosa trespassada de corrupção generalizada e de ataques aos direitos humanos.

Em 17 de Dezembro, Mohammed Bouazizi, um bacharel desempregado de 26 anos da cidade de Sidi Bouzid, imolou-se pelo fogo numa tentativa de suicídio. Pouco antes, nesse dia, agentes da polícia tinham apreendido a sua mesa de venda ambulante e confiscado as frutas e legumes que vendia porque ele não tinha uma licença para isso. Quando tentou queixar-se às autoridades, dizendo que era desempregado e que esse era o seu único meio de sobrevivência, foi enxovalhado, insultado e agredido pela polícia. Morreu 19 dias mais tarde, já em pleno levantamento popular.

O acto desesperado de Bouazizi fez explodir ao rubro a frustração geral quanto aos níveis de vida, à corrupção e à falta de liberdade política e de direitos humanos. Nas quatro semanas seguintes, a sua imolação desencadeou manifestações onde os manifestantes queimaram pneus e gritaram palavras de ordem exigindo empregos e liberdade. Depressa os protestos se espalharam a todo o país incluindo a capital, Túnis.

A primeira reacção do regime foi endurecer a sua atitude e usar a força brutal incluindo espancamentos, gás lacrimogéneo e balas reais. Quanto mais violenta se tornou a repressão policial, mais as pessoas foram ficando furiosas e mais foram para as ruas. Em 28 de Dezembro o presidente fez um primeiro discurso dizendo que os protestos eram organizados por “uma minoria de extremistas e terroristas” e que a lei seria aplicada “com toda a firmeza” para punir os protestatários.

No entanto, no começo do novo ano, dezenas de milhares de pessoas, a que se juntaram sindicatos, estudantes, advogados, associações profissionais e outros grupos da oposição, manifestavam-se em dezenas de cidades. No fim da semana os sindicatos apelaram à greve do comércio em todo o país, ao mesmo tempo que 8.000 advogados entraram em greve, paralisando de imediato todo o sistema judicial.

Entretanto, o regime começou a atacar bloguistas, jornalistas, artistas e activistas políticos. Proibiu todo o tipo de discordância, mesmo nas redes sociais. Mas, após quase 80 mortos pelas forças de segurança, o regime começou a recuar.

Em 13 de Janeiro, Ben Ali fez a sua terceira intervenção televisiva, demitindo o ministro do Interior e anunciando concessões sem precedentes, ao mesmo tempo que prometia não se recandidatar nas eleições de 2014. Também prometeu introduzir mais liberdades na sociedade e investigar as mortes de manifestantes. Como esta manobra só acirrou ainda mais os protestos, então ele fez uma alocução ainda mais desesperada, prometendo novas eleições gerais no prazo de seis meses na esperança de parar os protestos massivos.

Como este truque também não resultou, impôs o estado de emergência, demitindo todo o governo e ameaçando fazer sair o exército com ordens para matar. Todavia, como o general do exército Rachid Ben Ammar se recusou a ordenar às suas tropas que disparassem contra os manifestantes nas ruas, Ben Ali não teve outra alternativa senão fugir do país e da cólera do seu povo.

Em 14 de Janeiro, ele e os seus colaboradores mais próximos fugiram em quatro helicópteros para a ilha mediterrânica de Malta. Como Malta se recusou a recebê-los, apanharam um avião para França. Ainda no ar, os franceses fizeram saber que não lhes permitiriam a entrada. Então o avião voltou para trás, para a região do Golfo, até que finalmente foi autorizado a aterrar e bem recebido na Arábia Saudita. O regime saudita tem uma longa história de anfitrionagem de déspotas, incluindo Idi Amin do Uganda e Parvez Musharraf do Paquistão.

Mas, poucos dias antes de o presidente deposto ter deixado Túnis, a sua mulher Leila Trabelsi, ex-cabeleireira conhecida pela sua compulsão das compras, deitara mão a uma tonelada e meia de ouro do banco central e partira para o Dubai com os filhos. A primeira dama e a família Trabelsi são desprezadas pelo público devido ao seu estilo de vida corrupto e aos escândalos financeiros.

As elites políticas soçobraram no caos, o aparelho de segurança do presidente começou uma campanha de violência e destruição de bens numa derradeira tentativa para semear a discórdia e a confusão. Mas o exército, apoiado por comités populares, tratou rapidamente de os prender e de parar a onda de destruição, impondo o recolher obrigatório em todo o país.

Uma mão cheia de altos funcionários da segurança, como o chefe da segurança presidencial e o ex-ministro do Interior, assim como alguns oligarcas, entre os quais parentes de Ben Ali e membros da família Trabelsi, foram mortos pelas multidões ou presos pelo exército quando tentavam fugir do país.

Entretanto, depois de inicialmente se ter auto declarado presidente provisório, o primeiro-ministro teve de recuar nessa decisão em menos de um dia para convencer o povo de que Ben Ali fora embora para sempre. No dia seguinte, o presidente do parlamento prestou juramento como presidente, prometendo um governo de unidade nacional e eleições no prazo de 60 dias.

A maior parte dos países ocidentais, incluindo os EUA e a França, demoraram a reconhecer esta precipitação de acontecimentos. O presidente Barack Obama não disse uma palavra quando os factos estavam a ocorrer. Mas após a deposição de Ben Ali declarou: “os EUA juntam-se a toda a comunidade internacional para testemunhar este combate corajoso e determinado pelos direitos universais que todos temos obrigação de apoiar”. E continuou: “Recordaremos sempre as imagens do povo tunisino procurando fazer ouvir a sua voz. Aplaudo a coragem e a dignidade do povo tunisino”.

Do mesmo modo, o presidente francês Nicolas Sarkozy, não só abandonou o seu aliado tunisino recusando recebê-lo quando o seu avião se encontrava no ar, como deu ordem aos parentes de Ben Ali residentes em apartamentos de luxo em Paris para abandonarem o país.

No dia seguinte o governo francês anunciou que iria congelar todas as contas [bancárias] pertencentes ao presidente deposto, e aos seus parentes directos e por afinidade, assim reconhecendo directamente que o governo francês já estava ao corrente de que esses recursos eram produto de corrupção e de fundos desviados.

A natureza do regime de Ben Ali: corrupção, repressão e apoio ocidental

Um relatório recentemente publicado pela Global Financial Integrity (GFI), intitulado “Fluxos financeiros ilícitos dos países em desenvolvimento: 2002-2009”, calcula que a Tunísia estava a perder milhares de milhões de dólares com actividades financeiras ilícitas e corrupção oficial do governo, num orçamento de Estado inferior a 10 mil milhões de dólares e um Produto Interno Bruto inferior a 40 mil milhões por ano.

O economista e co-autor do estudo, Karly Curcio, sublinha: “A instabilidade política é perpetuada, em parte, pela actividade corrupta e criminosa no país. O GFI calcula que o quantitativo de dinheiro ilegal perdido pela Tunísia devido à corrupção, às luvas, aos subornos, aos preços falsos em negócios e outras actividades criminosas foi em média, entre 2002 e 2008, de cerca de mil milhões de dólares por ano, exactamente 1,16 milhões por ano”.

Um estudo da Amnistia Internacional de 2008, com o título: “Em nome da segurança: práticas irregulares rotineiras na Tunísia”, relata que “estão a ser cometidas graves violações dos direitos humanos relacionadas com as polícias de segurança e de contra terrorismo do governo”. Os Repórteres Sem Fronteiras também publicaram um relatório onde se diz que o regime de Ben Ali era “obsessivo no seu controlo das notícias e da informação. Os jornalistas e os activistas dos direitos humanos são alvo de assédio burocrático, de violência policial e de constante vigilância por parte dos serviços secretos”.

O ex-embaixador dos EUA em Túnis, Robert Godec, admitiu o mesmo. Em telegrama aos seus chefes, datado de 17 de Julho de 2009, recentemente tornado público pelo WikiLeaks, declara acerca das elites políticas: “Elas confiam na polícia para o controlo e a focagem na preservação do poder. E a corrupção no círculo mais restrito está a crescer. Mesmo o tunisino médio tem perfeito conhecimento disso, e o coro de protestos aumenta”.

Até o Congresso dos EUA, quando no ano passado aprovou milhões de dólares de ajuda militar à Tunísia, falava de “restrições à liberdade política, prática de torturas, prisão de dissidentes e perseguições a jornalistas e defensores dos direitos humanos”.

Não obstante, desde que tomou o poder em 1987, Ben Ali contou com o apoio do Ocidente para manter o seu domínio sobre o país. Claro que o general Ben Ali era um produto da Academia Militar Francesa e da Escola do Exército dos EUA em Fort Bliss, Texas. E completou a sua formação em informações e segurança militar em Fort Holabird, Maryland.

Tendo passado a maior parte da sua carreira militar como oficial de informações e de segurança, desenvolveu, ao longo dos anos, estreitas relações com os serviços de informações ocidentais, especialmente a CIA, assim como os serviços de informações da França e de outros países da OTAN.

Baseando-se numa fonte dos serviços de informação europeus, o canal Al-Jazira relatou recentemente que, quando Ben Ali foi embaixador do seu país na Polónia entre 1980 e 1984 (estranho posto para um oficial de informações militares), ele estava realmente ao serviço dos interesses da OTAN actuando como contacto principal entre os serviços da CIA e das informações da OTAN e a oposição polaca, com o intuito de minar o regime pró-soviético.

Em 1999, Fulvio Martini, ex-director dos serviços secretos militares italianos (SISMI) declarou a uma comissão parlamentar que “em 1985-1987, nós (na OTAN) organizámos uma espécie de golpe (isto é, um golpe de Estado) na Tunísia, colocando o presidente Ben Ali como chefe do Estado, no lugar de Burguiba”, referindo-se ao primeiro presidente da Tunísia.

Durante a sua audição de confirmação [no parlamento] como embaixador dos EUA na Tunísia, em Julho de 2009, Gordon Gray reiterou o apoio do ocidente ao regime perante a Comissão de Relações Externas do Senado: “Temos uma longa e estável relação militar com o governo e com os militares. É muito positiva. O equipamento militar dos tunisinos é de origem estadunidense, por isso temos lá um programa de assistência duradouro”.

A importância estratégica da Tunísia para os EUA é também confirmada pelo facto de a sua acção política ser determinada mais pelo Conselho Nacional de Segurança do que pelo Departamento de Estado [Ministério dos Negócios Estrangeiros]. Mais: desde que Ben Ali se tornou presidente, os EUA entregaram ao seu regime 350 milhões de dólares em equipamento militar.

Não há muito tempo, no ano passado, a administração de Obama pediu ao Congresso para aprovar uma venda de 282 milhões de dólares de equipamentos militares para ajudar os serviços de segurança a manterem o controlo sobre a população. Na sua carta ao Congresso, o presidente dizia: “A venda proposta contribuirá para a política externa e para a segurança nacional dos Estados Unidos, ajudando a incrementar a segurança de um país amigo”.

Durante o governo de Bush, os EUA definiram as suas relações com os outros países, não na base da sua grandiosa retórica acerca da liberdade e da democracia, mas sim no modo como cada país abraçava a sua campanha contra-terrorista e a sua acção pró-Israel na região. A Tunísia teve alta classificação em ambos os planos.

Por exemplo, um telegrama WikiLeaks com origem em Túnis, datado de 28 de Fevereiro de 2008, relatava um encontro entre o subsecretário dos Negócios Estrangeiros David Welch e Ben Ali no qual o presidente tunisino ofereceu a cooperação “sem reservas” dos seus serviços secretos, incluindo o acesso do FBI a “detidos tunisinos” nas prisões tunisinas.

Na sua primeira viagem pela região, em Abril de 2009, o enviado especial para o Médio-Oriente do presidente Obama, George Mitchell, parou em primeiro lugar na Tunísia e declarou que as suas conversações com os representantes locais “foram excelentes”. Elogiou os “fortes laços” entre os dois governos, assim como o apoio da Tunísia às diligências dos EUA no Médio-Oriente. E sublinhou a “alta consideração” do presidente Obama por Ben Ali.

Ao longo do seu reinado de 23 anos, centenas de activistas dos direitos humanos e de críticos, tais como os líderes da oposição Sihem Ben Sedrine e Moncef Marzouki, foram presos, detidos e por vezes torturados depois de se terem pronunciado publicamente contra as violações dos direitos humanos e contra a corrupção massiva sancionada pelo regime. Por outro lado, milhares de membros do movimento islamista foram presos, torturados e julgados em julgamentos falsos.

No seu relatório de Agosto de 2009, intitulado “Tunísia: Violações constantes em nome da segurança”, a Amnistia Internacional diz: “As autoridades tunisinas continuam a praticar prisões e detenções arbitrárias, a permitir as torturas e a servir-se de julgamentos injustos, tudo em nome da luta contra o terrorismo. Essa é a dura realidade que está por trás da retórica oficial”.

Os governos ocidentais estavam perfeitamente ao corrente da natureza deste regime. Mas decidiram não reparar na corrupção e na repressão para defenderem os seus interesses de curto prazo. O próprio relatório sobre direitos humanos do Departamento de Estado, de 2008, pormenorizava muitos casos de “tortura e outros maus tratos cruéis, desumanos ou degradantes” incluindo violações de mulheres presas políticas do regime. Sem comentar nem condenar, o relatório conclui friamente: “A polícia atacou activistas dos direitos humanos e da oposição ao longo de todo o ano”.

O que virá a seguir?

“Caiu o ditador, mas não a ditadura”, declarou Rachid Ghannouchi, o líder islamista do partido de oposição al-Nahdha [Renascimento], que se encontra exilado no Reino Unido há 22 anos. Durante o reinado de Ben Ali, a sua organização foi proibida e milhares dos seus membros foram torturados, ou presos ou exilados. Ele próprio foi julgado e condenado à morte à revelia. Anunciou o seu regresso em breve ao país.

Esta afirmação do líder do al-Nahdha reflectiu o sentimento popular de desconfiança tanto em relação ao novo presidente, Fouad Al-Mubazaa’, e ao primeiro-ministro Mohammad Ghannouchi, que foram membros do partido de Ben Ali, o Partido Constitucional Democrático. E por isso a sua credibilidade é muito suspeita. Durante cerca de dez anos, eles contribuíram para a implementação das orientações políticas do ditador deposto.

No entanto o primeiro-ministro prometeu, no próprio dia em que Ben Ali fugiu do país, um governo de unidade nacional. Em poucos dias anunciou um governo onde se mantinha a maior parte dos ministros do governo anterior (incluindo as decisivas pastas da Defesa, dos Estrangeiros, do Interior e das Finanças), enquanto incluía três ministros da oposição e alguns independentes próximos dos sindicatos e das associações de advogados. Muitos outros partidos da oposição ou foram ignorados ou se recusaram a colaborar em protesto contra o passado do partido dominante.

Em menos de vinte e quatro horas, tiveram lugar enormes manifestações por todo o país, em 18 de Janeiro, protestando contra a inclusão do partido dominante. De imediato os quatro ministros representantes dos sindicatos e de um partido de oposição demitiram-se do novo governo até à formação de um verdadeiro governo de unidade nacional. Outro partido da oposição suspendeu a sua participação até que os ministros do partido dominante fossem demitidos ou se demitissem dos seus cargos.

Nas horas seguintes o presidente e o primeiro-ministro demitiram-se do partido dominante e auto declararam-se como independentes. Mesmo assim a maior parte dos partidos da oposição está a exigir o seu afastamento e a sua substituição por líderes nacionais respeitáveis que sejam realmente “independentes” e que tenham as “mãos limpas”. Perguntam como é que o mesmo ministro do Interior que organizou as eleições de Ben Ali há menos de 15 meses poderia agora supervisionar eleições livres e justas.

Não é claro se o novo governo poderá sequer sobreviver à cólera das ruas. Mas o seu anúncio mais significativo foi talvez a amnistia geral e a promessa de libertação de todos os presos políticos no país e no exílio. Além disso criou três comissões nacionais.

A primeira comissão é encabeçada por um dos mais respeitados constitucionalistas, o Prof. ‘Ayyadh Ben Ashour, para tratar das reformas política e constitucional. As outras duas são presididas por defensores dos direitos humanos; uma para investigar a corrupção no Estado, a outra para investigar os assassinatos de manifestantes durante o levantamento popular. As três comissões foram instituídas em resposta às principais exigências dos manifestantes e dos partidos da oposição.

O 14 de Janeiro de 2011 tornou-se, sem dúvida, um marco na história moderna do mundo árabe. Já uma dezena de candidatos a mártires tentaram suicidar-se imolando-se pelo fogo em protesto público contra a repressão política e a corrupção económica, no Egipto, na Argélia e na Mauritânia. Os movimentos oposicionistas já começaram a liderar protestos que elogiam o levantamento tunisino e denunciando as políticas repressivas e corruptas dos seus governos em muitos países árabes, como o Egipto, a Jordânia, a Argélia, a Líbia, o Iémene e o Sudão.

O veredicto acerca do real sucesso da revolução tunisina ainda está por fazer. Irá ela abortar, seja por lutas internas seja pela introdução de mudanças ilusórias para absorver a cólera do povo? Ou haverá mudanças reais e duradouras, enquadradas por uma nova constituição baseada nos princípios democráticos, na liberdade política, nas liberdades de imprensa e de reunião, na independência da justiça, no respeito dos direitos humanos e no fim das ingerências estrangeiras?

À medida que, nos próximos meses, forem aparecendo as respostas a estas perguntas, tornar-se-á mais clara a questão de saber se haverá um efeito de dominó no resto do mundo árabe.

Mas é possível que a lição mais importante para os políticos ocidentais seja a seguinte: as mudanças efectivas são fruto da vontade e do sacrifício do povo, e não impostas por ingerências estrangeiras ou por invasões.

A queda do ditador iraquiano custou aos EUA cerca de 4.500 soldados mortos, 32.000 feridos, o bilião de dólares [um milhão de milhões], o afundamento da economia, pelo menos 150.000 mortos iraquianos e meio milhão de feridos, e a devastação do país, e a inimizade de milhares de milhões de muçulmanos e de outros povos pelo mundo fora.

Entretanto, o povo da Tunísia derrubou outro brutal ditador com menos de 100 mortos que serão sempre lembrados e honrados pelos seus compatriotas como heróis que pagaram o preço supremo pela liberdade.

**Texto original (em inglês) publicado em Pambazuka News.Tradução do Passa Palavra.
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A VIDA DOS OUTROS

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Carlos Picassinos - Hoje Macau - 28 Janeiro 2011

“Os políticos são como as fraldas, de vez em quando têm de ser mudadas” ou “Cavaco ainda é mais sério quando está a dormir”. Enfim, foi um pagode de campanha. Pena ter acabado

1. UMA PALAVRA para a nova década? Refluxo. Refluxo de quê? Da democracia, pois claro. Não há dúvida de que a crise económica atrofia a virtude democrática e essa é também a segunda crise que começa a integrar o discurso público ocidental. Não é, exactamente, novidade o afastamento dos representados e representantes, a fraca imagem dos partidos, ou a suspeita ética sobre o exercício dos cargos públicos. O que parece novo e agudizar-se é a impunidade dos titulares de cargos políticos, a ideia de que em nome da sobrevivência é legítimo deitar fora a água e o menino, vender os anéis e os dedos, trocar a consciência pelo estômago e, já agora, por um paraíso fiscal. É mais ou menos este o cenário das democracias mais débeis da Europa em busca de uma folga económico-financeira nesta vertigem dos mercados, e de défices e da conversa económica. A outra face desta moeda é o lento desaparecimento da classe média, a reprodução de uma massa alargada de depauperados paralela à ascensão de uma elite enriquecida e abastada que sente que tudo pode e de nada é responsável. É nesta tenaz que a esfera pública se encontra – uns porque estão excluídos do exercício efectivo dos seus direitos, outros porque lhes são indiferentes e deles prescindem. É claro que o papel de bombeiro-sapador que ditaduras como a China ou avatares estão, neste momento, a exercer junto destas democracias em nada as beneficia. Elogiar o prodígio económico de regimes como o chinês e sacudir os direitos humanos do capote significa um tiro no próprio pé e, a longo prazo, a erosão de um património civilizacional de respeito pela radical autonomia e liberdade dos indivíduos que demorou séculos e custou sangue e inteligência a consolidar. Não é que as democracias sejam o sal da terra, e especialmente, a jovem democracia portuguesa que nunca conseguiu abandonar o estado de menoridade cívica e o concurso de polvos e padrinhos. Nem é preciso ir mais longe.
Mas entre uma ordem jurídica de direitos e garantias de boa convivência entre todos e um regime ditatorial em que predomina a lei dos mais forte não há indecisão possível. É claro que para quem o poder e os negócios estão primeiro toda esta conversa significa pouco mais que proselitismo ocidental. Numa cleptocracia, os democratas são sempre os bobos da corte. Mas como dizia o outro, é a vida.

2. Notícias da metrópole: a propósito de democracia, o povo decidiu, está decidido. Logo à primeira voltou a escolher, para Belém, o contabilista do Poço de Boliqueime. Deu-lhe ouvidos e assim evitou que uma segunda volta provocasse a subida das taxas de juro da dívida externa portuguesa. Alívio generalizado. E pronto, já está. Tudo não passou de um susto. Aníbal António e a sua senhora – sim a dona Maria, basta consultar o sítio da presidência da Republica portuguesa – lá estão. (Dona Maria?? A memória é tramada!)

Nasceu um anti-herói: da ilha adjacente da Madeira, José Coelho, filiado no direitista Partido da Nova Democracia, mas comunista por convicção, povoa os talk shows da tarde televisiva e é incensado pela turba de viúvas e domésticas continentais seduzidas pelo elan. Nas presidenciais, Coelho conseguiu mais num mês do que num ano não conseguiram máquinas partidárias e bocas cheias de cidadania. Frases para a eternidade (pronunciar com sotaque devido): “Digo em voz alta o que a maioria pensa em voz baixa. Portugal está cheio de intocáveis”; “Vou ser o José Mourinho da política portuguesa” ; “Cristo fez a multiplicação dos pães e grandes multidões afluíam. Mas as pessoas não iam para ouvir o mestre, vinham para comer e para beber”; “O sr. Dias Loureiro é que devia ser o nosso ministro das Finanças, porque ele sabe como gerar dinheiro facilmente”.

“Os políticos são como as fraldas, de vez em quando têm de ser mudadas” ou “Cavaco ainda é mais sério quando está a dormir”. Enfim, foi um pagode de campanha.

Pena ter acabado. Já lhe sinto a falta. Suponho que seja isto a que se chama a festa da democracia. Venha outra.

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Egito: Israel pede aos EUA e UE para apoiarem Mubarak -- Jornal

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DIÁRIO DE NOTÍCIAS – LUSA

Jerusalém, 31 jan (Lusa) -- Israel fez chegar uma mensagem confidencial aos Estados Unidos e aos países europeus pedindo-lhes que apoiem o regime de Hosni Mubarak, noticiou hoje o diário Haaretz.

Um despacho da agência AFP, que cita o jornal israelita, refere que, na mensagem, Israel sublinha que "é do interesse do ocidente (...) e do conjunto do Médio Oriente manter a estabilidade do regime no Egito".

"É preciso por isso travar as críticas públicas contra o Presidente Hosni Mubarak", afirma-se na mensagem que foi enviada no fim-de-semana, segundo o diário.

***Este texto da agência Lusa foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

Movimento anti Mubarak
apela a greve geral e marcha de um milhão de pessoas no Egito

Paula Lagarto (LUSA) – Diário de Notícias

Cairo, 31 jan (Lusa) -- O movimento que pede a demissão do presidente egípcio Hosni Mubarak decidiu promover uma greve geral a partir de hoje, na sequência de um apelo feito por trabalhadores de Suez, noticia a agência France Press (AFP).

A par do Cairo e Alexandria, a cidade de Suez tem vivido protestos violentos e os seus trabalhadores foram os primeiros a lançar o apelo à paralisação geral na noite de domingo, segundo organizadores do movimento.

"Vamos juntar-nos aos trabalhadores do Suez e estamos em greve geral até que as nossas reivindicações sejam satisfeitas", disse um dos organizadores do movimento, Mohamed Waked.
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Egito: NOBEL DA PAZ LIDERA PROTESTO SOB OLHAR DOS MILITARES

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"Mubarak, rua. O jogo acabou." Milhares de egípcios, em claro desafio à ordem de recolher obrigatório, apelam à demissão do ditador - Fotografia © Asmaa Waguih - Reuters

LUMENA RAPOSO com PEDRO COSTA GOMES, no Cairo - DIÁRIO DE NOTÍCIAS – 31 janeiro 2011

Voos rasantes de aviões e helicópteros não desmobilizaram os manifestantes anti-Mubarak. O prémio Nobel da Paz El-Baradei juntou-se ao povo e avisou: "Não há retorno para o que começámos."

A polícia egípcia voltou ontem a patrulhar as ruas do Cairo , colaborando com o exército na manutenção da segurança das populações, enquanto o Governo aumentava o período do recolher obrigatório, das 15.00 locais (13.00 em Lisboa) até às 08.00, com efeitos a partir de hoje. Mas os egípcios continuam a ignorar por completo as decisões do poder e a exigir a queda de Hosni Mubarak: ontem mantiveram-se, aos milhares, na Praça da Liberdade, no centro do Cairo, mesmo após o recolher obrigatório ter começado. Confraternizando com os militares, com quem tiravam fotografias - numa prova evidente de que as forças armadas estão a abandonar o apoio antes dado ao Presidente. E escrevendo graffiti nos tanques, com palavras de ordem como "Mubarak, rua. O jogo acabou".

Mas o desafio não ficou por aqui. Já com o recolher obrigatório em pleno, chegava ao local de todos os protestos o homem que a oposição escolheu para dar rosto ao protesto: Mohamed El-Baradei, Prémio Nobel da Paz 2005.

"Não há retorno para o que começámos", disse Baradei à multidão que o aplaudia e o ouviu pedir paciência: "As mudanças vão chegar. Estamos no bom caminho, a nossa força está no nosso número." Exigindo de novo a partida de Mubarak, o Nobel justificou: "Um ditador no poder há 30 anos não pode instaurar a democracia."

Enquanto se intensificavam os contactos diplomáticos entre as várias capitais - Barack Obama falou com todos os líderes da região - para evitar uma derrapagem no Egipto, o regime fazia nova promessa: rever os resultados, contestados, das legislativas de há dois meses. "Tarde de mais", na opinião de muitos analistas. Mubarak, quase a perder o poder que detém desde 1981, esteve ontem reunido com as cúpulas militares. Claramente preocupado.

A classe média, que engrossa as manifestações, tem outra preocupação: a segurança das suas famílias e bens. Há milhares de criminosos à solta na capital egípcia após várias esquadras da polícia terem sido incendiadas e roubadas. E milhares de prisioneiros fugiram de três grandes prisões.

José Nascimento, de 43 anos, é director-geral numa empresa espanhola e vive com a família num condomínio fechado na orla oriental da cidade - Katamea Residence. Até há dias, este era um dos locais mais seguros do Cairo, mas isso mudou completamente na noite de sexta-feira. Criminosos fizeram várias tentativas para entrar e pilhar este condomínio da classe alta.Este português contou ao DN que começou a ouvir tiros no portão de Katamea às 19.30 e os disparos só acabaram às 03.30, o que o levou a refugiar-se com a família no sótão da vivenda. Uma situação suficiente para fazer com que este empresário e a família regressem hoje a Portugal. Apesar de muitos problemas, "o país era seguro com Mubarak", afirma. Ao partir, deixa 14 egípcios sem emprego.

Pedro de Faria é outro português que tem uma empresa no Egipto: está a construir uma nova linha de metro no Cairo e, se o recolher obrigatório prosseguir, 1500 egípcios perderão o trabalho, porque o turno da noite não irá funcionar. Pedro, de 29 anos, é controlador de gestão. Vive na ilha de Zamalek, área rica rodeada pelo Nilo e habitada por muitos europeus. Em frente ao seu apartamento, na outra margem, fica Embaba, um bairro extremamente pobre. Estas duas áreas da cidade estão separadas por uma ponte de 40 metros. A população de Embaba tentou atravessá-la na noite de sexta-feira; a polícia travou-a.

No aeroporto do Cairo, mais caótico que nunca, oito portugueses aguardavam ontem um voo de ligação para Banguecoque que devia ter saído de véspera, queixando-se de falta de informação do consulado português.

O Cairo torna-se especialmente perigoso após o anoitecer, quando se formam milícias populares junto dos edifícios para proteger famílias e bens. Os tanques que foram mobilizados não chegam para patrulhar esta metrópole de 18 milhões de habitantes.
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A UE, como é hábito, está sempre com quem está no poder...

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… seja ditador ou... ditador!

ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA

A União Europeia vai tentar amanhã, numa demonstração da sua mais típica hipocrisia, virar a página de Ben Ali na Tunísia, congelando os bens do clã do deposto Presidente, mas há hesitações quanto à atitude a tomar face à vaga de protestos no mundo árabe.

Com a facilidade típica da cobardia internacional, que pretende ser um paradigma para o restante mundo, a UE mostra toda a “coragem” de passar os ditadores de bestiais a bestas depois de eles serem depostos pelo povo, embora nada tenha feito para a alterar as coisas antes de o povo sair à rua.

Quanto à preocupação com outras ditaduras, não só do mundo árabe, a União Europeia vai tentar que elas se aguentem no poder de modo a que, como até aqui, continuem a ser uma mina para o dito mundo ocidental.

A UE sabe bem que é mais fácil negociar com ditadores do que com regimes democráticos. É por isso que aposta em ditaduras que tenham uns tantos palhaços na corte e que, dessa forma, possam dar um ar democrático aos regimes.

Os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE reúnem-se amanhã, em Bruxelas, para adoptarem um acordo de princípio com vista a confiscar os bens do clã Ben Ali, consultando o novo Governo de transição tunisino.

Ainda recentemente, e é só um exemplo, Portugal beijava a mão de Ben Ali, procurando dessa forma garantir negócios. José Sócrates enalteceu até a estabilidade política da Tunísia. No entanto, amanhã, Luís Amado vai com certeza dizer que que Ben Ali era um ditador da pior espécie e que, como sempre, Lisboa está ao lado de quem estiver no poder, seja ou não um ditador.

Criticada por ter reagido tarde à revolta de 17 de Dezembro de Sidi Bouzidi, no centro da Tunísia, quando um jovem se imolou, levando um mês depois à queda de Zine El Abidine Ben Ali, a UE tenta agora não perder o comboio da História.

E não vai perder esse comboio, mesmo que não seja propriamente um TGV. Aliás, os cobardes, os vira-casacas, nunca perdem nenhum comboio. Estão sempre com quem manda.

*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
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domingo, 30 de janeiro de 2011

Prêmio Nobel da Paz desobedece toque de recolher imposto pelo governo

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GAZETA WEB - G1 – 30 janeiro 2011 – 20:30 (hora do Cairo)

MOHAMED ELBARADEI JUNTA-SE A MANIFESTANTES EM PRAÇA DO CAIRO

O opositor Mohamed ElBaradei, encarregado de negociar com o regime do presidente Hosni Mubarak, juntou-se na noite deste domingo (30) à multidão que se concentra na Praça Tahrir, para pedir a renúncia do presidente. O local é o centro de protestos na cidade. ElBaradei desobedeceu o toque de recolher que começou às 16h (12h, em Brasília).

Ele prometeu aos manifestantes que "a mudança chegará". "Vocês reconquistaram seus direitos e o que começamos não pode ter volta", discursou aos milhares de manifestantes presentes. "Temos uma demanda principal - o fim do regime e o começo de um novo estágio, um novo Egito".

O Prêmio Nobel da Paz saiu de um carro perto da praça, cujo acesso era controlado por soldados em tanques de guerra. Ele caminhou rodeado por manifestantes que gritavam "O povo quer a queda do presidente" e "Vamos sacrificar nossa alma e nosso sangue pelo país".

As forças de oposição do Egito, lideradas pela Irmandade Muçulmana, encarregaram o dissidente Mohamed ElBaradei de negociar com o regime do presidente Mubarak, alvo dos protestos que já duram seis dias e paralisaram o país. A decisão foi divulgada neste domingo (30) por Saad al-Katatni, um dos líderes do movimento islamita.

A Coalizão Nacional por Mudança, que reúne vários movimentos de oposição egípcios - incluindo a Irmandade Muçulmana, que foi proscrita pelo governo - escolheram o Prêmio Nobel da Paz para representá-los "nas negociações com as autoridades", disse al-Katatni a agência de notícias Reuters.

Logo após a confirmação, ElBaradei disse que o presidente Hosni Mubarak deve deixar o cargo neste domingo para abrir caminho para um governo de unidade nacional em uma eleição "livre" e "justa". ElBaradei disse também que a política dos Estado Unidos no Egito está perdendo a credibilidade.
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Atualizações:
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A REVOLUÇÃO E A REPRESSÃO NO EGIPTO

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Aviões e helicópteros sobrevoam o Cairo

TSF

Hoje às 14:20

As autoridades estão a reforçar a resposta às manifestações anti-regime que duram deste terça-feira. Entretanto, ElBaradei foi encarregue pela oposição de "negociar" com o presidente.

Aviões e helicópteros egípcios começaram, este domingo à tarde, a sobrevoar a baixa altitude a cidade do Cairo, onde manifestantes contra o regime exigem a saída do presidente no poder há 30 anos.

As autoridades também reforçaram as viaturas pesadas militares, na tentativa de obrigar os manifestantes a parar.

Esta reforço surge depois de Hosni Mubarak ter visitado o centro operacional do exército e reunido com o vice-presidente e o ministro da Defesa.


Entretanto, os Irmãos Muçulmanos e outros movimentos da oposição egípcios encarregaram Mohamed ElBaradei de «negociar» com o regime de Hosni Mubarak, disse o líder da confraria.

Israelitas temem saída de Mubarak

Hoje às 13:52

Os israelitas temem que as manifestações no Egipto a pedir a saída de Hosni Mubarak culminem com a subida de fundamentalistas ao poder, o que afastaria o país de Israel.

Os israelistas temem que a saída do presidente egípcio, no poder há 30 anos, faça com o que o executivo seja tomado por fundamentalistas da Irmandade Muçulmana, abertamente anti-Israel.

Caso isso aconteça, o acordo de paz entre Israel e Egipto, datado de 1979, pode virar história.

Israel já perdeu um aliado na região, a Turquia, depois da ofensiva contra a Faixa de Gaza há dois anos e contra o ataque a um navio turco há seis meses.

Caso os protestos cheguem à Jordânia, Israel pode ficar sem outro aliado importante, acentuando o isolamento do país na região e em todo o mundo.

Esta postura justifica a contenção nas palavras do primeiro-ministro israelita, que comentou, este domingo, pela primeira vez, a situação no Egipto, dizendo que é preciso responsabilidade e moderação.

A maior preocupação de Israel é a preservação de mais de 30 anos de estabilidade e de relações pacíficas com o Cairo, disse.

Numa curta declaração, o governante frisou que tem acompanhado os eventos em toda a região e pediu aos seus ministros para evitarem fazer declarações sobre o assunto.

Mubarak visita centro de operações do exército

Hoje às 13:20

O presidente egípcio, contestado pela população, visitou este domingo o centro de operações do exército. Entretanto, a Al Jazeera deixou de transmitir imagens a partir do país.

«O presidente Mubarak está de visita ao centro de operações militares para acompanhar o controlo da segurança», indica a televisão egípcia.

A polícia e o exército foram colocados em pontos estratégicos da capital, nomeadamente na Praça da Libertação (Tahir), na tentativa de retirar os manifestantes das ruas do Cairo que desde terça-feira protestam contra o regime de Hosni Mubarak.

Os protestos já provocaram pelo menos 111 mortos e mais de dois mil feridos, noticia a agência AFP com base em fontes dos serviços médicos e de segurança.

Entretanto, a Al Jazeera, a mais famosa televisão por cabo árabe, deixou de transmitir imagens a partir do país, depois de o executivo egipcío ter proibido o trabalho da estação no país.

O repórter Evan Hill, da Al Jazeera, denunciou, através de uma gravação telefónica enviada para o Facebook, que todos os funcionários foram proibidos de fazer reportagens em directo.

Segundo o mesmo jornalista, pouco depois do corte do sinal, os militares pró-regime tomaram conta das instalações e identificaram todos os funcionários.

*Horas mencionadas referentes a Portugal Continental
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Manifesto: VIDA LONGA À REVOLUÇÃO DO POVO EGÍPCIO

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Diário Liberdade - [Tradução do Diário Liberdade] Manifesto enviado pelo ativista egípcio em Cairo, Ramy Raoof, para Mona Eltahawy.

O Povo Demanda a Queda do Regime

Pela

Dignidade, Liberdade, Justiça Social

Concidadãos,

Neste momento crítico e para confrontar os esforços de Mubarak em abortar a revolução do Povo Egípcio. Nós – as Forças políticas – chamamos nossos concidadãos a apoiar em suas demandas e na linha de frente:

1- A resignação do presidente

2- Formação de um Governo Provisório com forças confiáveis do povo que excluam membros do PDN [partido de Mubarak – N.T.] com todas suas figuras e líderes, seu primeiro trabalho deve ser a imediata libertação de todos os presos políticos

3- Levar em consideração os responsáveis pela políticas de empobrecimento e tortura

4- Liberdade para todos os setores da população para formar suas próprias organizações livres

E enquanto realizamos essas demandas chamamos nossos concidadãos para:

1- Anunciar a greve geral que começará neste domingo, dia 30 de janeiro de 2011

2- Formação de comitês populares em todos os bairros para proteger os bens das pessoas contra toda destruição administrada pelo regime agonizante para deformar e abortar a revolução do povo.

Vida Longa à Revolução do Povo Egípcio

Toda a Liberdade para o Povo .. Toda a Lealdade para a Nação

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A REAL CONCESSÃO DOS PALESTINOS

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Amira Hass – Haaretz – Carta Maior

Os grupos rivais palestinos sabem usar tanto a resiliência como a criatividade de seu povo para enfrentar diariamente a tortura que é a dominação externa. Mas eles não ajudam a traduzir essa capacidade de resistência pessoal e coletiva numa estratégia de luta popular desarmada. O Hamas e a OLP são reféns de seu falso status como dois governos cuja existência e manutenção se tornaram um fim em si mesmo. Não tivessem desistido de seu povo como um fator decisivo, as duas forças rivais os teriam escutado, e antes de qualquer outra coisa teriam encontrado uma maneira de encerrar o comando duplo. O artigo é de Amira Hass.

A verdadeira concessão da liderança palestina está no seu povo ocupado como uma força ativa na luta pela independência. Para isso não é preciso que vaze documentos.

Na verdade, os “Palestine Papers” [“Documentos Palestinos”, vazados pela cadeia de TV Al Jazeera] confirmam um segredo aberto. Ao contrário das declarações recitadas em público, as liderança da OLP e a Autoridade Palestina estão preparadas para concessões muitíssimo maiores, no santo graal da posição palestina tradicional: o direito de retorno dos refugiados da “nakba” palestina de 1948.

“Quando exigimos uma solução dos dois estados não queremos dizer dois estados palestinos”, disse-me um experiente membro do Fatah, a respeito da questão do direito de retorno dos refugiados de pré-1967 a Israel. Se a OLP tivesse respeitado o seu povo não estaria falando alto de ambos os lados com sua boca, mas conduzindo um debate aberto a respeito dessa demanda. Teria compartilhado suas conclusões com seu público (que estão em casa ou no exílio): o sonhado direito de retorno não é possível, ao menos no atual momento na história, e que não é justo continuar a manter quatro milhões de pessoas refugiadas em campos com esse propósito. Outros teriam respondido que sob o manto das negociações e a despeito das concessões palestinas, Israel simplesmente segue expandindo os seus assentamentos, de todo jeito.

Não são problemas técnicos que impedem um debate democrático assim, mas o fracasso em ver o povo como agente de mudança.

A OLP depende da generosidade e da diplomacia das nações ocidentais que cooperam com a política de ocupação. O Hamas, adicto da luta armada e suas pretensas conquistas é dependente das doações de suas próprias fontes, e está esperando pela derrubada dos regimes árabes pró-Ocidente por meio dos movimentos islâmicos radicais.

Os rivais palestinos sabem como usar tanto a resiliência como a criatividade do seu povo frente à tortura diária que é a dominação externa. Mas eles não ajudam a traduzir essa resistência pessoal e coletiva numa estratégia de luta popular desarmada.

Uma estratégia de luta popular é um compromisso diário, primeiro e antes de tudo de quem quer que se apresente como líder. Essa é a única opção que restou depois dos desastres causados pelas negociações amadoras dos anos 90, e do uso das armas, sobretudo contra civis na última década. Israel prova cotidianamente o quanto perigosa é essa opção para a ocupação, senão não estaria investindo tanto no esforço de sua repressão.

Mas a estratégia de uma luta popular geral não apenas em cinco cidades exemplares não aceita as benesses do poder de que a OLP e a liderança do Fatah tem usufruído e que são diretamente dependentes dos vistos de viagem da Administração Civil e dos contratos da USAID.

Então, a Autoridade Palestina está ficando entrincheirada como um canal de pagamento de salários e uma elite desconectada de seu povo. Onde estão os membros do Conselho Revolucionário do Fatah? Onde estão os membros do Comitê Executivo da OLP? Por que eles não estão disseminando a palavra da luta popular em outras partes da Cisjordânia?E quando se trata do Hamas, o potencial democrático de atividades populares esbarra no caráter militar desenvolvido pelo movimento, com a obediência intelectual que exige, como mostra seu estilo de comando em Gaza.

O Hamas e a OLP são reféns de seu falso status como dois governos cuja existência e manutenção se tornaram um fim em si mesmo. Não tivessem desistido de seu povo como um fator decisivo, as duas forças rivais os teriam escutado, e antes de qualquer outra coisa teriam encontrado uma maneira de encerrar o comando duplo.

Os EUA fazem exigências e estabelecem condições? O Irã e a Irmandade Muçulmana sussurram instruções? Com licença, as duas lideranças diriam, há um povo cuja opinião deve ser considerada.

(*) Amira Hass é jornalista israelense, colunista do Haaretz.

Tradução: Katarina Peixoto
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Brasil: Em carta à Itália, Dilma defende a permanência de Battisti

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Cesare Battisti

CORREIO DO BRASIL – 30 janeiro 2011

A presidenta Dilma Rousseff enviou uma carta ao presidente da Itália, Giorgio Napolitano, em resposta àquele governo, no qual defende a legitimidade da decisão do ex-presidente Lula de não extraditar o ativista político Cesare Battisti. A carta foi divulgada, na véspera, pelo diário conservador paulistano Folha de S.Paulo. O Palácio do Planalto confirmou o envio da correspondência ao presidente italiano.

Na carta, Dilma lamenta que a decisão tenha gerado divergências entre os dois países, mas argumenta que o caso foi decidido com base em parecer jurídico da Advocacia-Geral da União.

– A posição que o presidente Lula adotou em dezembro último, baseado no detalhado parecer da Advocacia-Geral da União não envolve qualquer juízo de valor sobre a Justiça italiana, menos ainda sobre a vigência do Estado de Direito em seu país. Trata-se de parecer jurídico, fundado na interpretação soberana que a AGU realizou do tratado bilateral sobre extradição – diz a carta.

A presidenta lembra ainda que, em fevereiro, o Superior Tribunal Federal (STF) deverá se manifestar sobre a decisão do Executivo de não extraditar o italiano.
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Mais de 99% querem separação do Sudão e Bashir coloca a polícia nas ruas

. O presidente do Sudão, Hassan al-Bashir, teme um confronto no país

CORREIO DO BRASIL - Redação, com ABr - de Maputo – 30 janeiro 2011

Ditador do Sudão, Hassan al-Bashir colocou a polícia nas ruas dos principais povoados do país após a divulgação dos primeiros resultados oficiais da consulta popular realizada entre os dias 9 e 15 deste mês. Os números mostram que 99,57% dos eleitores votaram pela independência da parte sul. O resultado final será oficializado a partir de 6 de fevereiro. No total, 3,8 milhões de eleitores compareceram às seções eleitorais.

O Sudão do Sul (nome não oficial) deverá ser o 54º país africano a ser reconhecido pela comunidade internacional. A data marcada para a independência é 9 de julho. O país já tem até hino nacional e bandeira escolhida.

O anúncio dos primeiro resultados aconteceu em Juba, capital do futuro país, no túmulo de John Garang, que liderou o Sul durante a guerra civil. Ele morreu em um acidente de avião logo depois da assinatura do acordo de paz, em 2005.

O Sul do Sudão vive de forma mais autônoma da capital Cartum desde o fim da guerra civil, em 2005. O conflito, que durou 23 anos, deixou mais de 1,5 milhão de mortos. A região, do tamanho do Estado de Minas Gerais, é uma das mais pobres do mundo.

Como parte do acordo de paz, assinado entre o Norte (majoritariamente muçulmano) e o Sul (cristão ou seguidor de religiões locais), ficou acertado que uma consulta popular iria definir o futuro da parte sul. Somente sulistas puderam votar.

A solução desagradou boa parte dos líderes africanos, que temem que o exemplo tente ser seguido em outras áreas onde há conflitos étnicos, religiosos ou dificuldades econômicas. A medida quebra um princípio definido em 1963, quando da Organização dos Estados Africanos, que dizia que as fronteiras deixadas pelos colonizadores europeus iriam permanecer, por mais artificiais que fossem.

Em 1993, a Eritreia separou-se da Etiópia. Mas o país já existia antes, tendo sido anexado ao território etíope em 1962, logo depois da independência da Itália.

Além das divisões étnicas e religiosas, a riqueza do solo do Sul também é motivo de tensão. Boa parte das reservas de petróleo do Sudão estão lá. Mas as estrutura de refino e distribuição, bem como a saída para o mar, estão no Norte.

As fronteiras exatas do novo país ainda não foram definidas, bem como as regras de relacionamento e distribuição de bens com o Norte. A região de Abyei, rica em petróleo, exatamente na fronteira, é desejada pelos dois lados.

Nos últimos meses, al Bashir afirmou várias vezes que iria aceitar os resultados, mesmo que fossem pela separação, algo visto com ceticismo pelos analistas internacionais. O atraso no alistamento dos eleitores, finalizado apenas em dezembro, fez com que fossem grandes as dúvidas sobre a realização da consulta na data prevista – o que acabou ocorrendo.

ESPANHA ACORDA PARA O DRAMA DO TRÁFICO DE BEBÉS

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Susana Almeida Ribeiro - Público

As histórias repetem-se: depois do parto o obstetra dizia que a criança tinha morrido e os pais nunca mais viam o bebé. Acabavam a enterrar urnas fechadas com cadáveres inexistentes. A Espanha começa agora a descobrir um passado aterrador: durante o Franquismo, e mesmo já em democracia, até à década de 1980, o país terá testemunhado o rapto generalizado de bebés.

Ontem, em Madrid, mais de 250 pessoas pertencentes à Anadir - Asociación Nacional de Afectados por Adopciones Ilegales juntaram-se frente à procuradoria-geral pedindo justiça.

Os manifestantes vinham de diferentes regiões espanholas e empunhavam cartazes onde se liam mensagens como “Vítimas do Tráfico de Bebés - Queremos justiça” e “Se duvidas da tua identidade une-te a nós. Nós podemos ajudar”.

A maioria destas pessoas interroga-se, há vários anos, o que aconteceu realmente aos seus recém-nascidos ou questiona-se sobre a sua verdadeira identidade.

O fundador da Anadir, Antonio Barroso, é uma dessas pessoas. Descobriu há três anos ter sido comprado por 200 mil pesetas (o preço de um apartamento, nessa altura) a uma freira, em Saragoça. “Por detrás desta denúncia há uma luta de muitos anos para conhecer a verdade e uma esperança de reencontro com as nossas famílias biológicas”, disse Barroso à saída do edifício do procurador-geral, que não quis receber os representantes da Anadir, indica o “El País”.

Análises de ADN vieram a provar, mais tarde, que Barroso não era, de facto, o filho biológico do casal que o criou.

Noemí González, actualmente com 82 anos, foi outra das pessoas que ontem se deslocou à procuradoria-geral. A sua história é perturbadoramente parecida com muitos relatos de outras mulheres: “Dei à luz no dia 16 de Julho de 1961 na Clínica Santa Cristina, na rua O'Donnell, em Madrid. Levaram a minha filha para ser pesada e já não a voltei a ver mais. Tomei conhecimento que ela tinha morrido quando me disseram que já a tinham enterrado”, conta Noemí, citada pelo “El País”. “O médico disse ao meu marido que Deus nos tinha feito um grande favor. Não sei a que é que se referia. Sempre tive dúvidas. Sempre pensei que me pudessem ter enganado e alimentei a esperança que ma devolvessem. Acredito muito em Deus e é para mim insuportável pensar que havia freiras e padres implicados nisto”.

Máfia de médicos e intermediários

Enrique Vila, o advogado das vítimas, descreve o que se passou entre as décadas de 1930 e 1980 como uma “máfia” de médicos e de intermediários que trocavam crianças por dinheiro. Muitos destes bebés foram retirados a famílias pobres e simpatizantes da esquerda republicana e entregues a famílias mais em linha de pensamento com o regime. A Anadir indica, porém, que alguns bebés foram raptados já depois da morte de Franco, em 1975.

“Tudo começou por motivos políticos mas no final qualquer criança podia ser alvo. As pessoas viram nisto um negócio em potência”, indicou o advogado Enrique Vila, citado pela BBC.

Durante décadas, a Anadir estima que milhares de mulheres foram pôr flores a campas vazias e que milhares de bebés cresceram com cédulas de nascimento falsificadas.

Aquilo que as vítimas destes actos “condenáveis” pedem agora é que os culpados sejam castigados: “Médicos, religiosos, trabalhadores de agências funerárias, intermediários...”, indicou Vila, citado pelo “El País”. “E os pais que compraram os seus filhos também cometeram um delito, porque falsificaram um documento público ao registarem-nos como próprios”, embora - ressalve o jurista - “a maioria não soubesse que eram roubados”. “Está na mão desses falsos filhos actuar, ou não, contra eles”.

“Mais do que tudo, queremos que se saiba a verdade. Muitos espanhóis são filhos roubados e não o sabem ou morreram sem o saber”, assegurou o advogado.

A Anadir quer igualmente que o Executivo espanhol estabeleça um banco de ADN ara ajudar mães e filhos roubados a encontrarem-se. A Associação já conseguiu meio milhão de assinaturas para pedir ao Congresso essa base de dados genética.

Caso o procurador-geral considere que os delitos cometidos tenham já prescrito, a Anadir pretende levar o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

A Associação para a Recuperação da Memória Histórica recordou igualmente em comunicado que a convenção internacional da ONU de protecção contra desaparecimentos forçados obriga o Estado a investigar o sucedido.
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O EGITO A CAMINHO DA REVOLUÇÃO. O QUE FAZER?

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Reginaldo Nasser (*) – Carta Maior

Aqueles que temem o crescimento do “islamismo radical” como fator de instabilidade nessa região, deveriam estar mais atentos em relação às “ditaduras amistosas” que, na verdade, são as principais responsáveis pela insegurança no mundo. Desemprego em massa, preços dos alimentos e repressão política é uma combinação explosiva mais perigosa do que os homens bomba. No caso do Egito dois terços da população são jovens abaixo de 30 anos, dos quais 90% estão desempregados. O artigo é de Reginaldo Nasser.

As mobilizações populares na Tunísia, Egito, Iêmen e em outros lugares são um alerta para o chamado mundo desenvolvido e seria uma grande avanço para a democracia se esta região que permanece imersa na violência, em fraudes eleitorais e miséria crescente da população recebesse o devido apoio internacional nesse momento.

O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, disse que os EUA poderão revisar a ajuda ao Egito. O presidente Obama solicitou às autoridades egípcias que evitem o uso de qualquer tipo de violência contra manifestantes pacíficos, alertando que " aqueles que protestam nas ruas têm uma responsabilidade de expressar-se pacificamente. Já a chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que a “estabilidade do país é muito importante, mas não a qualquer preço”. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu que "os líderes do Egito escutem as preocupações legítimas e os desejos de seus cidadãos”. O primeiro ministro britânico David Cameron declarou: “Eu acho que precisamos de reformas. Quero dizer que nós apoiamos o progresso e o reforço da democracia”.

Como avaliar a atitude desses líderes mundiais? Patética, cínica, hipócrita, irresponsável? Talvez devêssemos recorrer a um grande pensador liberal do século XIX, Aléxis de Tocqueville, e ouví-lo a respeito dos períodos revolucionários na França. Tocqueville alertava para o fato de líderes, que adquiriram experiência em lidar com a política em ambiente de ausência de liberdade, quando se encontraram diante de uma revolução que chegou “inesperadamente”, se assemelhavam aos remadores de rio que, de repente, se vêem instados a navegar no meio do oceano. Os conhecimentos adquiridos em suas viagens por águas calmas vão proporcionar mais problemas do que ajuda nessa aventura, e na maioria das vezes exibem mais confusão e incerteza do que os próprios passageiros que supostamente deveriam conduzir.

Já havia sinais reveladores dessas turbulências, mas o Ocidente preferia se preocupar com burcas, minaretes e terrorismo. Um relatório do Banco Mundial, publicado em 2009, informava que os países árabes importavam cerca de 60% dos alimentos que consomem e já são os maiores importadores de cereais no mundo, dependendo de outros países para a sua segurança alimentar. A elevação dos preços nos mercados mundiais, desde 2008, já causou ondas de protestos em dezenas de países e milhões de desempregados e pobres nos países árabes, como foram os casos da Argélia , em 1988, e da Jordânia em 1989. Um exemplo mais recente, além da região árabe, é o Quirguistão onde um aumento da eletricidade e tarifas de celulares causaram manifestações com dezenas de mortos e milhares de feridos.

Aqueles que temem o crescimento do “islamismo radical” como fator de instabilidade nessa região, deveriam estar mais atentos em relação às “ditaduras amistosas” que, na verdade, são as principais responsáveis pela insegurança no mundo. Desemprego em massa, preços dos alimentos e repressão política é uma combinação explosiva mais perigosa do que os homens bomba.

A demografia no mundo árabe é também um grande problema. A população cresceu cinco vezes durante o século XX, e o crescimento continua a uma média anual de 2,3%. A população do Egito está em torno de 80 milhões. Em 2050 (de acordo com projeções da ONU) deverá ter 121 milhões. A população da Argélia irá crescer de 33 milhões em 2007 para 49 milhões em 2050; a do Iêmen de 22 a 58 milhões. Isso significa que mais empregos precisam ser criados - e mais alimentos importados, ou aumentar a capacidade para produzir mais. No caso do Egito dois terços da população são jovens abaixo de 30 anos, dos quais 90% estão desempregados.

Baseada no turismo, na agricultura e na exportação de petróleo e algodão, a economia é incapaz de sustentar a taxa de crescimento demográfico. 40% da população vive com menos de US$ 2 (R$ 3,30) por dia, o país está na 101ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)

De certa forma a auto-imolação do jovem tunisiano, Mohamad Bouazizi, que deflagrou a onda de protestos na Tunisia revela, no nível individual, aquilo que está acontecendo nas sociedades daquela região como um todo. Ele não se rebelou, apenas porque não encontrou trabalho que refletisse suas ambições profissionais, mas sim quando um oficial da polícia confiscou as frutas e legumes que estava vendendo sem autorização. Quando foi fazer uma reclamação para buscar justiça, sua demanda foi rejeitada.

Provavelmente foi este sentimento de injustiça que levou Mohamed Bouazizi e milhares de pessoas às ruas, empenhados em quebrar o ciclo da miséria e opressão.

Talvez seja mais confortável para a chamada comunidade internacional lidar com um mundo árabe dividido entre nacionalistas, relativamente seculares, de um lado e islamismo radical, de outro, do que um mundo mais complexo, com problemas econômicos, sociais e políticos que conta com sua cumplicidade.

(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP
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Mais de 100 mortos desde o início dos protestos no Egito - Segurança

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SCA – LUSA

Cairo, 29 jan (Lusa) - Pelo menos 102 pessoas morreram desde o início da onda de contestação contra o regime do Presidente egípcio, Hosni Mubarak, que abala o Egito desde terça-feira, indicaram hoje fontes da segurança e médicas.

As mesmas fontes referiram que hoje morreram 33 pessoas.

O anterior balanço dava conta de 92 vítimas mortais.

Nos últimos cinco dias, o Cairo e outras cidades egípcias têm sido palco de várias manifestações antigovernamentais, que exigem a saída de Mubarak, de 82 anos, no poder há 30 anos.

*** Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico ***
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sábado, 29 de janeiro de 2011

E POR FALAR EM DITADORES…

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ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA

Angola é o único Estado da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, à qual aliás preside, que têm há 31 anos o mesmo presidente e que nunca foi eleito. Isto para além de ser (des)governado pelo mesmo partido, o MPLA, desde 1975.

Não está mal. Angola é uma ditadura? Formalmente não, de facto sim. Mas o que é que isso importa à CPLP, à UA, à ONU, se tem petróleo, que é um bem muito – mas muito - superior aos direitos humanos, à democracia, à liberdade, à cidadania?

Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica específica de Portugal, se bem que nas ocidentais praias lusitanas tenha alguns dos seus mais latos expotentes. O Brasil afina pelo mesmo diapasão e os restantes membros da CPLP nem voto têm na matéria.

A hipocrisia internacional é de tal ordem que a própria UNESCO, por exemplo, projectou atribuir um prémio patrocinado pelo Presidente da Guiné-Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, mais um dos grandes ditadores da actualidade.

Vê-se, por aqui, que a própria agência das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura chegou a equacionar dar cobertura a um dos mais infames ditadores mundiais, apesar de só estar no poder há... 31 anos. Mas tem petróleo, acrescente-se.

E como Angola tem petróleo (grande parte roubado na sua colónia de Cabinda), ninguém se atreve a perguntar a José Sócrates e a Cavaco Silva se acham que Angola respeita os direitos humanos ou se é possível que a presidência da CPLP seja ocupada por um país cujo presidente está no poder há 31 anos, sem ter sido eleito.

Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné-Equatorial preenche todas as regras para entrar de pleno e total direito na CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro lado, tem fartura de petróleo, o que é condição “sine qua non” para comprar o que bem entender.

Portugal, como não poderia deixar de ser, não vê o que se passa mas amplia o que gostava que se passasse. Vai daí, quando fez o balanço da sua presidência da CPLP, o Governo de José Sócrates destacou o compromisso assumido por todos os Estados membros para a promoção internacional da língua portuguesa.

E o resultado foi, continua a ser, tão positivo que – para além do analfabetismo na Guiné-Bissau (mais de 50%) ou a falta de livros em Timor-Leste – a CPLP vai abrir as portas a todas as ditaduras amigas. Tão amigas que, recentemente, José Sócrates elogiou a estabilidade política da Tunísia...

É claro que na lusofonia existem muitos seres humanos que continuam a ser gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Mas, é claro, morrem em... português... o que significa um êxito para a língua.

Sócrates, tal como Luís Amado, têm razão. O importante é mesmo os famintos e miseráveis da lusofonia saberem dizer, em bom português, “não conseguimos viver sem comer”. Continuarão, como até aqui, sem comida, sem medicamentos, sem aulas, sem casas, mas as organizações internacionais vão perceber o que eles dizem.

Tal como perceberam que Portugal transferiu a presidência da CPLP, com todo o brilhantismo e à volta de uma mesa farta, para um país que, por exemplo, mantém forte presença militar e policial na sua colónia de Cabinda, que não respeita os direitos humanos e que é dos mais corruptos do mundo.

Mas o que é que isso importa? O importante é que Angola fala português, com ou sem acordo ortográfico, tem petróleo que nunca mais acaba (embora a partir de uma colónia) e, mais importante do que tudo, está em vias de resolver os problemas económicos de Portugal.

Problemas que acabarão quando a Oferta Pública de Aquisição, parcial ou total, lançada pelo regime do MPLA sobre Portugal se concretizar.

Mas, se a Tunísia, tal como a Argélia, o Egipto, a Líbia, a Venezuela ou a China, podem ser os grandes parceiros do socialismo lusitano, porque carga de chuva não se poderá dar o mesmo estatuto a Angola?

Recordam-se que, no dia 6 de Maio de 2008, o músico e activista Bob Geldof afirmou, em Lisboa, que Angola é um país "gerido por criminosos"?

Geldof disse apenas o que, aqui no Alto Hama como noutros blogues, tem sido dito e repetido até à exaustão sem que, contudo, tenha merecido alguma atenção.

Nessa altura, Bob Geldof falava na conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, organizada pelo Banco Espírito Santo e jornal Expresso, dedicando uma intervenção de cerca de vinte minutos ao tema "Fazer a diferença", no fim da qual o então embaixador angolano, Assunção dos Anjos, abandonou a sala.

As verdades são duras e o então embaixador não tinha outra solução. Não porque não soubesse que é verdade, mas porque o capataz do reino angolano, Eduardo dos Santos, lhe paga para dizer que é mentira. E paga bem.

Quando se referia às relações históricas e culturais de Portugal com o continente africano - "vocês serão uma voz importante no século XXI", Bob Geldof fez uma pausa e virou o discurso para Angola.

"Angola é gerida por criminosos", acusou o organizador do Live Aid e Live 8.

"As casas mais ricas do mundo estão a ser construídas na baía de Luanda, são mais caras do que em Chelsea e Park Lane", apontou, estabelecendo como comparação estes dois bairros luxuosos da capital inglesa.

*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
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CHEGOU A VEZ DO EGITO

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Robert Fisk, do The Independent - Tradução: Coletivo Vila Vudu – Outras Palavras

Dia de orações ou dia de ira? Todo o Egito está à espera do sabá muçulmano hoje [sexta, 28/01/11] – para nem falar dos assustados aliados do Egito –, enquanto o envelhecido presidente do país agarra-se ao poder depois de noites de violência que já fazem os EUA duvidarem da estabilidade do regime de Mubarak.

Até agora, há cinco mortos e mais de 1.000 presos, a polícia bateu em mulheres e, pela primeira vez uma das sedes do Partido Nacional Democrático reinante foi incendiada. Aqui, os boatos são perigosos como granadas de gás lacrimogêneo. Um diário do Cairo publicou que um dos principais conselheiros do presidente Hosni Mubarak fugiu para Londres com 97 malas de dinheiro; outros falam de um presidente enfurecido, que grita com os comandantes da polícia, exigindo mais força na repressão das manifestações.

Mohamed ElBaradei, líder da oposição, Prêmio Nobel e ex-funcionário da ONU retornou ao Egito ontem à noite, mas ninguém acredita – exceto talvez os norte-americanos – que venha a converter-se em ímã que dê foco aos movimentos de protesto que se alastram por todo o país.

Já aparecem sinais de que muitos, cansados do governo corrupto e antidemocrático de Mubarak, tentam persuadir os policiais que patrulham as ruas do Cairo a unir-se a eles. “Irmãos! Irmãos! Quanto eles pagam a vocês?” um grupo de manifestantes pôs-se a gritar para os policiais no Cairo. Mas ninguém negocia coisa alguma – não há o que negociar, exceto a partida de Mubarak, e o governo egípcio nada diz e nada faz, mais ou menos exatamente como nos últimos trinta anos.

Há quem fale de revolução, mas não há ninguém para ocupar os lugares dos homens de Mubarak – jamais houve sequer um vice-presidente – e um jornalista egípcio disse-me ontem que conversou com amigos de Mubarak, preocupados com ele, presidente, isolado, solitário. Mubarak está com 82 anos e deu sinais de que se candidatará novamente à presidência – o que é ultraje para milhões de egípcios.

A dura verdade, porém, é que, exceto pela força policial brutal e um exército escandalosamente dócil – o qual, aliás, não apoia a indicação de Gamal, filho de Mubarak – o governo está impotente. Essa é revolução pelo tuíter e revolução pelo facebook, e a tecnologia, já há muito, derrubou as regras da censura.

Os homens de Mubarak parecem ter perdido toda a noção de iniciativa. Os jornais do partido governista vêm carregados de falsas ilusões autoimpingidas, empurrando as vastas manifestações de rua para os rodapés, como se bastasse a diagramação para esvaziar as ruas – e como se, de tanto esconder os fatos, conseguissem convencer-se de que as manifestações não existiram.

Mas ninguém precisa dos jornais, para ver o que não deu certo. A sujeira das ruas e das favelas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de todos os funcionários do estado, as prisões sobrecarregadas, as eleições risíveis, o vasto, esclerosado edifício do poder, tudo isso, afinal, arrastou ou egípcios para as ruas das cidades.

Amr Moussa, presidente da Liga Árabe, observou ponto interessante, na recente reunião de cúpula dos líderes árabes no resort de Sharm el-Sheikh, no Egito. “A Tunísia não está longe de nós”, disse ele. “Os árabes estão quebrados”. Mas… será que estão? Um meu velho amigo contou-me história assustadora sobre um egípcio pobre, que lhe disse que não tinha interesse algum em arrancar os líderes corruptos das fortalezas superprotegidas onde vivem no deserto. “Hoje, pelo menos, sabemos onde eles moram” – disse o homem. O Egito tem hoje mais de 80 milhões de habitantes, 30% dos quais com menos de 20 anos. E perderam o medo.

Nas manifestações, observa-se uma espécie de nacionalismo egípcio – mais do que algum islamismo. 25 de janeiro é Dia Nacional da Polícia – dia em que se homenageia a força policial que morreu em combate contra o exército britânico em Ishmaelia – e o governo não poupou discursos, para dizer à multidão que estariam traindo os próprios mártires. A multidão gritou “Não. Os policiais que morreram em Ishmaelia eram valentes, nada a ver com os policiais de hoje.”

Mas o governo não é completamente cego. Há uma espécie de inteligência na gradual liberação da imprensa e das televisões, nessa pseudodemocracia em cacos. Os egípcios ganharam uma lufada de ar fresco, o suficiente para respirarem, para que se acalmem e calem-se, e voltem à docilidade de sempre, nessa terra de pastores. Pastores e agricultores não fazem revoluções, mas quando são amontoados aos milhões nas grandes cidades, nas favelas, nas casas e nas universidades em ruínas, que lhes dão diplomas, mas não dão trabalho, alguma coisa pode ter acontecido.

“Os tunisianos ensinaram aos egípcios o que é poder orgulhar-se do que se faz” – disse-me ontem outro jornalista egípcio”. “São inspiração para nós, mas o regime egípcio é mais esperto que o de Ben Ali na Tunísia. Lá foi preservada uma semente de oposição, ao não meterem na cadeia a Fraternidade Muçulmana, mas, ao mesmo tempo, dizerem aos EUA que o grande inimigo seria o Islã, e que Mubarak ali estava para proteger os EUA do “terror” – mensagem que os EUA sempre gostam de ouvir já há dez anos”.

Há vários indícios de que o poder no Cairo percebeu que algo estaria para acontecer. Ouvi de vários egípcios que dia 24 de janeiro já havia soldados arrancando cartazes de Gamal Mubarak dos muros das favelas – para evitar mais provocações. Mas o alto número de prisões, a violência policial – que espancou homens e mulheres pelas ruas – e o virtual colapso da Bolsa de Valores no Cairo mais sugerem pânico, que astúcia política.

Um dos problemas foi criado pelo próprio regime; foram sistematicamente afastados do poder todos que tivessem algum carisma, mandados para o interior, castrando politicamente qualquer possível oposição verdadeira, muitos, diretamente para a prisão. Hoje, EUA e União Europeia dizem ao regime que ouçam o povo – mas que povo? Onde estão as vozes de liderança?

O levante no Egito não é – embora possa vir a converter-se em – levante islâmico, mas, além do grito em massa de milhões de egípcios que despertam de décadas de humilhação e fracassos, só se ouve nas manifestações o discurso de rotina da Fraternidade Muçulmana.

Quanto aos EUA, a única coisa que parecem capazes de oferecer a Mubarak é uma sugestão de reformas – conversa que os egípcios ouvem há muito tempo. Não é a primeira vez que a violência toma conta das ruas do Cairo, é claro. Em 1977, ouve manifestações imensas de gente que pedia comida – eu estava no Cairo, e vi multidões famintas, de mortos de fome –, mas o governo de Sadat conseguiu controlar a revolta mediante preços mais baixos e muitas prisões e tortura. Também houve motins nas forças policiais – um deles reprimido a ferro e fogo pelo próprio Mubarak. Mas, agora, está acontecendo algo de diferente.

Interessante de observar, não há nenhuma animosidade contra estrangeiros. Várias vezes aconteceu de a multidão proteger jornalistas e – apesar do vergonhoso apoio que os EUA garantem aos ditadores no Oriente Médio – nenhuma bandeira dos EUA foi queimada. Já se vê que há aí alguma novidade. Talvez a multidão que amadurece – e descobre que vive sob um governo que é, ao mesmo tempo, senil e imaturo.

Ontem à noite as autoridades egípcias cortaram todos os serviços de internet e de transmissão de texto por celulares, na tentativa de impedir que os manifestantes se organizassem através de redes sociais. A medida foi tomada no mesmo momento em que uma unidade policial de elite, de forças antiterrorismo, recebeu ordem para tomar posição em pontos estratégicos em toda a capital, preparando-se para o que se estima que sejam as maiores manifestações até agora, previstas para hoje.

Dentre os pontos estratégicos selecionados pelas forças antiterrorismo está a Praça Tahrir, cenário das maiores manifestações até agora. facebook, tuíter, youtube e outros sites de contato social tiveram papel vital nos protestos no Egito, exatamente como na Tunísia, para manter os manifestantes em contato e planejar a movimentação dos grupos.
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REVOLUÇÃO DE JASMIM

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Clístenes Williams Araújo do Nascimento*, Espaço Livre – Direto da Redação

Lá vou eu, especialista em rochas, solos e plantas, atrever-me a opinar sobre acontecimentos outros. Mas o que fazer quando novamente Morus nos bate à porta com renovação de utopias? Completando o cenário, que nomes entusiasmantes escolhem para nos gerar a esperança: Revolução de Outubro, Primavera de Praga, Revolução de Veludo... O mais recente movimento de intento de mudanças político-sociais chamaram-lhe Revolução de Jasmim. Chega-nos do Grande Magrebe, região que abrange Tunísia, Argélia, Marrocos, Líbia e Mauritânia.

Aprendi agora que Al-Maghrib é palavra árabe que significa “lugar do pôr-do-sol”. O termo foi cunhado porque os sauditas creem os países desta região o centro da fé islâmica. O movimento capitaneado pelos jovens (sempre eles, claro) tunisianos depôs o ex-líder Ben Ali após 23 anos de ditadura. Apregoou-se pela mídia, portanto, uma Revolução do Jasmim, que se espalharia por países árabes muçulmanos que não confiram direitos aos seus oprimidos povos.

Aqui me sinto mais a vontade para lhes dizer que Jasmim é o nome vulgar pelo qual chamamos as mais de 500 espécies do gênero Jasminum, pertencente à família Oleaceae que, por sua vez, pertence à ordem Lamiales. O jasmim, daí o nome escolhido para a dita Revolução, também vem do nome árabe para a flor desta planta (Yasamin). Aliás, jasmim é flor bem típica de cemitérios do Nordeste do Brasil (na infância seu aroma muito me marcava essa localização).

Este pequeno texto me vem apenas para indagar o meu sentido da Utopia. Penso que os utópicos por excelência (tento me incluir entre eles), desde a Comuna de Paris e a Revolução de 1917, nunca se desfizeram completamente da crença marxista de que o progresso humano inevitavelmente nos conduziria a uma sociedade, ainda que não sem classes, pelo menos mais justa e igualitária. Esse sonho alimentou (e vem alimentando) gerações sucessivas.

Evidentemente, como era de se esperar, estamos todos um tanto cansados da frustração resultante dos sucessivos adiamentos desta vitória final, sentida a partir do esfacelamento da própria União Soviética, toda arranhada que estava pelo chamado Socialismo Real. A Revolução em Cuba, que nos primeiros anos da Revolução nos parecia à própria Ilha de Utopia, converteu-se neste sistema anacrônico que resiste aos trancos ante o bloqueio sem sentido da potência do Norte. Em ambos os casos, vê-se a amarga realidade de um socialismo, que se afastou tanto do sonho, que passou a quase superar em repressão os sistemas que se rogava jogar para o escuro da História.

Escuto e leio os jornais e revistas. Até o momento, não há nada, me parece, de Revolução. Fico pensativo quanto aos desdobramentos de mais esse movimento. Penso, sobretudo, como as revoluções podem se espalhar (ou se desmembrar) no nascedouro mais rapidamente neste mundo da informação imediata, midiática, em tempo real, variante inexistente nos movimentos revolucionários francês, soviético, tcheco, cubano...

Vou acompanhar com curiosa atenção as ações e passos seguintes dos atores envolvidos (inclusive da própria imprensa) nesta onda emergente (marola ou tsunami?) desse país árabe iluminado pelo sol da África. Faço isso em memória da Utopia e na busca de seu sentido, esta insistente esperança que às vezes nasce morrendo e, morrendo, nos nasce em nova esperança, sempre renitente, ainda por materializar-se. E lá vem o Egito, descendo a ladeira...

*Contribuição de Clístenes Williams Araújo do Nascimento, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Email: cwanascimento@yahoo.com
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Opositor cubano Guillermo Fariñas detido pela terceira vez em dois dias

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Isabel Gorjão Santos – Público

Autoridades cubanas impediram manifestação em Santa Clara

Fariñas e pelo menos outros 15 opositores ao regime cubano foram detidos quando participavam numa manifestação em Santa Clara, junto à estátua do herói nacional José Martí.

Esta foi a terceira detenção de Fariñas em menos de 48 horas. Os opositores iam depositar flores junto à estátua de José Martí quando foram interpelados por cerca de 100 polícias e apoiantes do Governo, adiantou a Reuters.

Fariñas tornou-se num dos principais rostos da oposição ao regime de Raúl Castro quando, no ano passado, esteve 135 dias em greve de fome para pedir a libertação de presos políticos, tendo sido depois galardoado com o Prémio Sakharov para a liberdade de expressão, atribuído pelo Parlamento Europeu.

Na quinta-feira foi detido depois de participar num protesto em Santa Clara contra o despejo de uma mulher grávida e os seus dois filhos que se tinham instalado num edifício abandonado na cidade, mas acabou por ser libertado seis horas depois.

Mais tarde foi de novo detido quando se deslocava para um posto da polícia com outras três pessoas, para protestar contra a detenção de outros activistas, e horas depois voltou a ser detido, depois de ter sido alertado pelas autoridades para não participar em qualquer manifestação. “Não nos vão deixar fazer nada na rua, na verdade têm medo que as pessoas saiam para a rua”, disse Fariñas, citado pela Reuters.

A sua mãe, Alicia Hernandez, disse à AFP, por telefone, que Fariñas e mais cerca de 20 pessoas “tinham partido para ir pôr flores junto à estátua de José Marti”, até que a polícia chegou e os levou de carro para diversos postos de polícia.

O opositor disse à AFP, após a segunda detenção, que o objectivo das autoridades cubanas é “intimidar para que não haja manifestações a favor do povo”. E adiantou que os manifestantes foram avisados. “Um alto responsável disse que foi montado um dispositivo especial em Santa Clara e que não nos deixariam manifestar, que seríamos detidos.”

Em 2010 Fariñas esteve 135 dias em greve de fome para exigir a libertação de prisioneiros políticos cubanos, sobretudo os que se encontravam doentes. Acabou por pôr fim ao seu protesto quando, após a intervenção de responsáveis da Igreja Católica em Cuba, o Governo anunciou que iria libertar 52 presos políticos. Muitos desses prisioneiros, que pertencem ao grupo de 75 opositores detidos na “Primavera Negra” de 2003, já saíram da prisão e alguns deles estão hoje a viver em Espanha.

A greve de fome de Fariñas começou também depois de outro opositor, Orlando Zapata Tamayo, ter morrido em Fevereiro do ano passado após mais de 80 dias em greve de fome, também para exigir a libertação dos prisioneiros políticos doentes.

Em Dezembro, quando o Parlamento Europeu atribuiu a Fariñas o Prémio Sakharov, as autoridades cubanas não o autorizaram a viajar até Estrasburgo e a cerimónia acabou por decorrer com uma cadeira vazia no palco, coberta com a bandeira de Cuba.

Jornalista e psicólogo, Fariñas teve formação militar e chegou a combater em Angola, mas acabou por se afastar do regime cubano em 1989 por discordar da execução do general Arnaldo Ochoa, acusado de tráfico de droga. Desde então tornou-se um destacado activista pela defesa dos direitos humanos em Cuba. Já esteve 23 vezes em greve de fome.
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