domingo, 24 de abril de 2011

TUDO AO MOLHO E FÉ EM DEUS



REDAÇÃO

Se veio a este blogue para se inteirar de atualidades e opiniões não perdeu o seu tempo, está no sítio certo. Acontece que optámos por produzir um único blogue em substituição dos imensos que tínhamos na Fábrica dos Blogues – em postagem mais em baixo esclarecemos melhor. Sugerimos que daqui vá diretamente ao PÁGINA GLOBAL, que começámos ontem a construir

Juntámos tudo. Em português escorreito podemos dizer: “Tudo ao molho e fé em Deus”. É quase isso. Amontoámos as notícias e opiniões num só, a seu tempo poderá clicar naquilo que lhe trará rapidamente tudo que estiver relacionado com Timor Leste, mesmo agora, no Página Global, já dispões de uma ligação ao que está relacionado com Timor. Para oferecer melhor facilidade deixamos em baixo as ligações mais recentes. Esperamos o seu apoio.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

FOMOS INVADIDOS E INOVADOS PELA GLOBALIZAÇÃO




PASSÁMOS DE MUITOS BLOGUES PARA UM

Por razões de gestão de tempo e de organização, o coletivo da Fábrica dos Blogues decidiu passar progressivamente a publicar somente numa página da blogosfera, em Página Global. Aqui encontrará todos os temas que temos vindo a publicar sobre artes e cultura na Fábrica dos Blogues, sobre notícias e opiniões generalistas e globais no Página Um, sobre Timor Leste no Timor Lorosae Nação - diário e semanário.

Contamos que esta centralização do nosso trabalho vá de encontro aos seus interesses e comodidades. Afinal, a partir de agora, progressivamente, passará a poder desfrutar da nossa publicação sobre tudo que anteriormente vinhamos editando em muitos mais blogues.

Contamos com a sua visita e fidelidade demonstrada anteriormente na "imensidão" das páginas por nós mencionadas. A seu tempo serão páginas da blogosfera que iremos extingir.

Fomos invadidos pela globalização. Acreditamos que de modo positivo. Esperamos pela sua opinião.

A JUVENTUDE NÃO É RASCA, NÃO A ENRASQUEM!



ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA

- Artigo censurado por um jornal de Angola

O texto que se segue foi-me solicitado por um jornal de Angola. Foi remetido a tempo e horas. Algumas alterações (que não constam deste artigo) foram acordadas. O trabalho não foi publicado. Explicações? Nenhuma.

Nem todos os jovens concordam que o dia 14 de Abril, que consagra o dia da juventude do MPLA, em memória de Hoji Ya Henda, o patrono da JMPLA, seja igualmente considerado o Dia da Juventude angolana.

Será, com certeza, difícil ou até mesmo inexequível encontar uma data que gere unanimidade. Em democracia o melhor que se consegue, quando se consegue, é um consenso. Encontrar, ou até mesmo criar de raiz, um dia que esteja equidistante das datas assinaladas pelos diferentes partidos seria, creio, a melhor solução para homenagear os jovens angolanos que, de facto, merecem ter um dia que assinale o seu contributo em prol do país.

Desde a independênncia que Angola tem comemorado - com um certo abuso de poder e unicidade só aceitável nos países de partido único - o 14 de Abril como o Dia da Juventude Angolana. Com a abertura ao multipartidarismo, urge que se pense e actue com a abertura de espírito necessária para solidificar um sistema político que alberga, ou deve albergar, a diversidade de opiniões como uma mais-valia de incalculável valor patriótico.

Não é sério, muito menos legítimo e democrático, que se continue a subjugar toda a juventude angolana a uma data que, embora partidariamente relevante, só representa uma parte dos jovens com ligações partidárias e, inclusive, esquece todos aqueles – e não são tão poucos quanto isso – que não se revêem nas estruturas juvenis dessas organizações políticas.

De facto, a comemoração com toda a pompa e mordomias inerentes do 14 de Abril era (e poderá continuar a ser) aceitável como marco interno do MPLA e não como algo que possa representar toda a juventude de um país que, também nesta matéria, pretende respeitar e enquadrar-se nas regras de um Estado de Direito internacional, passada que é (embora muitos ainda não tenham reprado nisso) a fase em que Angola era o MPLA e o MPLA era Angola.

Naquela altura, o MPLA era dono e senhor do país e, por isso, o país sujeitava-se às datas que lhe eram impostas, não tendo sequer hipótese de as discutir. E se a JMPLA era, oficialmente, a única estrutura juvenil do país, fazia sentido que os jovens comemorassem essa data.

Mas, embora nem todos tenham consciência disso, o país é hoje outro, amanhã será ainda um outro, pelo que não pode haver receitas unilaterais feitas à medida, e por medida, de um regime monopoartidário que já não existe.

Enterrado que foi o tempo do partido único, importa que o regime compreenda que em democracia, e em teoria, quem mais ordena é o Povo. E esse Povo não pode estar sujeito a regras, a leis, a datas que mais não foram (algumas ainda são) do que uma forma de perpetuar o culto a valores hoje ultrapassados na esmagadora maioria dos países.

Os angolanos estão, pelo menos uma grande parte deles, pretensamente representados no Parlamento, lugar onde é suposto, em democracia, discutir, analisar, debater tudo e mais alguma coisa que diga respeito à vida dos cidadãos.

Por isso, sobretudo os jovens apartidário mas não apolíticos, perguntam (nem sempre de forma clara e incisiva porque temem ofender os membros do partido que sustenta o Governo): “Acaso a instituição do 14 de Abril como Dia da Juventude Angolana foi, depois dos Acordos de Bicesse, alguma vez discutida no Parlamento?”

Assim sendo, esses jovens apartidário mas não apolíticos, sugerem que se faça um referendo (instrumento que só privilegia e solidifica os valores democráticos) para saber se os jovens das organizações partidárias, das organizações da sociedade civil, ou até mesmo dos não enquadráveis nestas variantes, espalhadas pelo País se revêem no 14 de Abril.

De facto, o governo angolano, no poder deste 1975, não tem tido vontade, embora tenha os meios, para resolver problemas como os de água, luz, lixo, saúde e educação da população em geral. No que tange à juventude, esta não tem casa, não tem educação, emprego e não tem futuro.

Por tudo isto, e não só, a juventude quer mais do que nunca ser ouvida e ter, para além de uma voz gritante e activa, possibilidade de dizer de sua justiça, de participar na vida do seu país. O regime ao obrigá-la a aceitar como seu um dia que lhe diz pouco, ou nada, está a atirar a juventude para as margens da sociedade. E, muitas vezes, demasiadas vezes, quando se está na margem escorrega-se para a marginalidade.

Recordo-me de que o membro (entre outras coisas) do Comité Central do MPLA, Kundi Paihama realçar, em Luanda, o contributo da juventude angolana na vida política nacional por ter permitido que hoje o país se possa orgulhar dos seus filhos, pelas grandes vitórias alcançadas ao longo da sua história.

Não fora a modéstia de Kundi Paihama, um angolano de primeira, e ele bem poderia dizer que esteve, e esteve mesmo, nas principais vitórias que fizerem com que o MPLA esteja no poder deste 1975.

Em declarações à Angop, à margem do VI Congresso do JMPLA que decorreu em Outubro de 2009, sob o lema “JMPLA – a certeza de um futuro melhor”, Kundi Paihama frisou que é de louvar a vontade dos jovens virada para o progresso e desenvolvimento do país.

Kundi Paihama destacou o desempenho dos jovens pela causa da nação, abrindo caminho para uma renovação maciça nos vários domínios da vida humana, principalmente no desenvolvimento intelectual, académico e científico, que são mais valias para o progresso de uma pátria.

“Estamos cientes do bom e grande trabalho da direcção do secretariado nacional da JMPLA, que futuramente vai cessar funções, e acreditamos que os futuros dirigentes farão o seu melhor, não só porque as condições serão outras, mas pelo compromisso assumido com o povo”, sublinhou Kundi Paihama.

Kundi Paihama asseverou igualmente que graças ao contributo dos jovens do partido, e não só, Angola conseguiu alcançar vários patamares nos círculos internacionais, nomeadamente político, económico, desportivo e cultural.

Embora seja tudo verdade, a juventude de hoje já consegue (em muitos casos de forma brilhante) pensar pela sua própria cabeça. Não admira, por isso, que muitos jovens ao ouvir estas plavras se recordem igualmente que foi o próprio Kundi Paihama que disse que em Angola existem dois tipos de pessoas, os angolanos e os kwachas, tal como aconselhou estes a comer farelo porque “os porcos também comem e não morrem”.

E tal como Kundi Paihama, também Eduardo dos Santos continua a dizer a todos, mas sobretudo à juventude, que é preciso “honrar e declarar o nosso amor por Angola”.

É verdade. Mas isso não basta. E se os mais velhos fazem do silêncio a sua melhor arma, os jovens falam cada vez mais e, um pouco por todo o pais, vão dizendo que as crianças que mendigam e morrem à fome nas ruas de Luanda também amam Angola. Amam-na e declararam esse amor.

Rui Mingas dizia que, “nos antigamente”, os angolanos apenas tinham “peixe podre, fuba podre, 30 angolares e porrada se refilares”. E hoje, depois da independência e com nove anos de paz absoluta, o que dizem os jovens?

Esses, que serão os líderes naturais de Angola, independentemente do 14 de Abril, continuam a dizer que levam porrada, mesmo sem refilar, e nem peixe ou fuba podre têm.

É, por isso, urgente que o regime olhe a sério para a juventude no seu todo, não apenas para a JMPLA, mesmo para aquela que está fora do país, procurando potenciar os seus conhecimentos e corresponder aos seus anseios.

Importa igualmente que o regime leve em conta que nas mais recentes convulsões sociais, como foram os casos a Tunísia, Egipto e Líbia, a juventude foi quem liderou um processo de mudança. Processo esse que, em qualquer parte do mundo, é irreversível.

Veja-se igualmente o que se passou recentemente em Portugal quando milhares e milhares de jovens, a tal geração à rasca, saíu à rua para – por enquanto pacificamente – dizer que não é fácil respeitar a democracia quando se está de barriga vazia.

Aliás, também em Portugal, como se já não bastasse uma geração à rasca, o governo dteima em que por uma questão de equidade todas as gerações têm de ficar também à rasca. A única excepção é a da geração socialista dos gestores, administradores, directores, assessores e amigos que aceitam ser tapetes do poder.

Todos sabemos que o Presidente Eduardo dos Santos disse no dia 6 de Outubro de 2008, que o Governo ia aplicar mais de cinco mil milhões de dólares num programa de habitação que inclui a construção de um milhão de casas, muitas delas para os jovens.

A construção de um milhão de casas para as classes menos favorecidas de Angola e jovens foi, aliás, uma das promessas da então campanha eleitoral mais enfatizadas pelo Presidente da República de Angola e do MPLA.

José Eduardo dos Santos admitia que "não seria um exercício fácil", tendo em conta que o preço médio destas casas, então calculado em cerca de 50 mil dólares.

O Presidente considerou que o executivo de Luanda estava em "sintonia" com as preocupações e a "visão" da organização das Nações Unidas, quando coloca como questão central, como necessidade básica do ser humano, fundamental para a construção de cidades e sociedades justas e democráticas, a questão da habitação.

Eduardo dos Santos frisou ainda que as "linhas de força" traçadas pelo Governo estão orientadas para uma "cooperação activa" entre a administração central e local do Estado, entre o sector público e o privado, com vista à execução de uma nova política que contribua para "a geração de empregos, para o desenvolvimento harmonioso dos centros urbanos, para a eliminação da pobreza e da insegurança, e para a eliminação também das zonas degradadas e suburbanas".

O Presidente anunciou igualmente na altura (2008) que será "cada vez mais acentuada" a preocupação com a urbanização das cidades angolanas e que serão "incentivadas políticas que diminuam a circulação automóvel nos centros dos grandes aglomerados urbanos.

Ao contrário do que eventualmente podem pensar os dirigentes angolanos, a juventude está atenta a tudo isto e é sobretudo isto que a preocupa. A questão do Dia Nacional da Juventude é apenas simbólico embora, na verdade, possa significar (o que não aconteceu até agora) uma forma de congregar e respeitar a diversidade dos jovens angolanos.

E essa forma não pode passar por dizer que toda a juventude se revê no dia 14 de Abril. Longe disso.

*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

INGOVERNABILIDADE E REPRESSÃO



Pilar Rodríguez - Correspondente em Tegucigalpa (Honduras) - Brasil de Fato

HONDURAS - Em crise, governo responde com violência aos protestos da população em resistência

Era noite de domingo, 27 de março. O atual presidente de Honduras, Porfírio Lobo Sosa, interrompeu a programação de horário nobre de todas as cadeias de rádio e televisão para declarar ilegal a greve do setor magisterial. Dizia que, a partir de então, aqueles docentes que não fossem dar aulas seriam suspensos por um período de dois meses a um ano, sem salário. Apesar da ameaça, no dia seguinte, centenas de professores, estudantes e demais setores que integram a resistência hondurenha, foram novamente às ruas, dando início a uma semana intensa de protestos que culminou num dia de Paralisação Cívica Nacional, em 30 de março.

“O processo de privatização da educação tem avançado em toda a América Latina. Aqui em Honduras não vamos permitir, mesmo que nos ameacem e nos reprimam. Estamos sendo despedidos, mas não podem nos tirar o amor pelo povo e pela carreira de educadores”, afirmou Edgardo Casaña, dirigente magisterial, durante uma manifestação em Tegucigalpa.

A aparente estabilidade do governo, que chegou ao poder através de eleições fraudulentas após um golpe de Estado, foi estremecida pela mobilização dos professores. Eles estiveram em greve durante mais de um mês contra as políticas neoliberais na educação e sofreram repressão jurídica, financeira, e principalmente física. O saldo da política das forças de segurança do Estado conta com duas mortes, centenas de feridos, principalmente pelas bombas de gás que são lançadas diretamente ao corpo das pessoas, e com centenas de manifestantes que passaram pelo menos uma noite na prisão.

No dia 4 de abril, uma assembleia extraordinária do setor magisterial decidiu por um “recuo tático” da greve. Casaña deixou claro que não se trata de abandonar a luta. “Temos que nos fortalecer para voltar às ruas e continuar lutando pela educação pública e pelos direitos dos docentes”, declarou o dirigente.

Privatização da educação

Ignorando os protestos e as mortes, o governo aprovou, em 1 de abril, a Lei de Fortalecimento à Educação Pública e à Participação Comunitária, que prevê a descentralização da responsabilidade sobre a educação através da criação de conselhos municipais, nos quais participariam os pais das crianças e jovens em idade escolar. Durante as manifestações, os professores alertaram para o risco de privatização a partir dessa lei. “Os municípios não têm dinheiro nem para pagar os salários dos professores, quanto mais para ficar responsáveis pela educação. Vai ser um fracasso e uma desculpa para privatizar as escolas”, explicou a docente Dirian Pereira.

O professor de economia Marcelino Borjas, um dos fundadores do Colégio Profissional Superação Magisterial Hondurenho (Colprosumah, na sigla em espanhol), explica que a mobilização dos professores de Honduras está ligada à crise do sistema educacional na América Latina. “Essa crise se agudiza mais com o golpe civil-militar, que aprofunda o modelo neoliberal em Honduras, diminuindo a participação do Estado na gestão de recursos financeiros sociais e estabelecendo a desarticulação de sujeitos coletivos”, afirmou.

Segundo Borjas, o magistério é o setor com maior desenvolvimento organizacional deste país. São cerca de 65.200 docentes organizados em 6 sindicatos ou colégios magisteriais. “São 48 anos de história vinculada à luta política e anti-imperialista”, ressaltou. Este mesmo setor esteve mobilizado em agosto do ano passado e, apesar da repressão, conseguiu estabelecer acordos com o governo como, por exemplo, o pagamento dos salários atrasados e a realização de uma auditoria para investigar a corrupção que assola o Inprema (Instituto de Previdência Magisterial). Nenhum acordo foi cumprido.

Desgoverno

Os docentes também denunciam que o atual governo roubou 7 milhões de lempiras (equivalente a 370.000 dólares), de um patrimônio de 20 milhões, do Inprema. “Aí entra um elemento importante que é a crise financeira. O regime golpista, como não é reconhecido internacionalmente, pela OEA, por exemplo, não tem acesso a recurso financeiro. Se tem, é em pequena quantidade, que não resolve o problema. Por isso, pegou dinheiro do Inprema. Exigimos o pagamento dessa dívida”, afirmou Borjas. Segundo informações da imprensa local, 6 mil professores estão com salários atrasados e 9 mil não podem se aposentar por falta de recursos do Inprema.

Para Bertha Oliva, defensora de direitos humanos e coordenadora do Cofadeh (Comitê de Familiares de Presos e Desaparecidos de Honduras), a alta do preço do combustível e o consequente aumento do preço dos alimentos no mundo contribuem para a ingovernabilidade do mandato de Porfírio Lobo Sosa. “É evidente que o regime está em crise. Cada vez se acrescenta a ingovernabilidade. Não nos estão asfixiando só com gases, mas também com a falta de comida”, afirmou.

Greve Nacional é reprimida à base de gás

Foi também para lutar contra o alto custo de vida em Honduras que a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) - que agrega várias organizações de esquerda deste país - convocou um dia de Greve Cívica Nacional, sob o lema “Desculpe o incômodo, estamos lutando para construir a Nova Pátria”. Ocupação de estradas, ruas e universidades aconteceram em diversas regiões da nação centro-americana. Em todos os pontos houve repressão e, em Tegucigalpa, a sede de um dos principais sindicatos organizados do país, o Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Bebida e Similares (Stibys), foi bombardeada com gases lacrimogêneos.

São tantas as bombas de gás lacrimogêneo lançadas sobre os manifestantes que criou-se um pequeno comércio de artefatos que minimizam os efeitos dos gases. Um pano molhado com vinagre custa 50 lempiras (equivalente a R$ 4,50) e um par de óculos de natação custam 40 (R$3,50). Além disso, a imprensa anda equipada com máscara anti-gas e capacete, já que os jornalistas também são agredidos durante as manifestações. Um cinegrafista do canal local Cholusat teve o nariz quebrado após ser atingido por uma bomba. Muriel Rodriguez, do canal Globo, levou tiros de bala de borracha no pé. “Por sorte não me machuquei muito, mas isso é uma falta de respeito, um atentado à livre expressão” desabafou o jornalista.

Mesma sorte não teve a estudante Lisa Aguilar que foi atacada com bombas de gás dentro do edifício do Copemh (Colégio de Professores de Educação Média de Honduras). A estudante explica que a polícia perseguiu os manifestantes após os protestos, gaseificando o prédio onde eles se refugiaram: “começaram a bombardear o edifício. Havia cerce de 200 pessoas e criou-se automaticamente uma câmara de gás lá dentro. Não tínhamos oxigênio suficiente para respirar. Quando deixaram de atirar as bombas, saímos ao pátio para respirar melhor. Nem se quer tinham saído umas 30 pessoas, começaram a bombardear de novo. Dessa vez, as bombas eram atiradas diretamente no corpo das pessoas. No meu caso, me acertaram duas bombas, uma na perna outra no braço. Ao inalar o conteúdo tive uma crise de asma e desmaiei. Quando acordei estava no hospital”, relatou Aguilar, que exibia duas marcas roxas onde foi atingida pelas bombas.

Carlos Leyes, da ONG de direitos humanos Comissão de Verdade, denuncia que a polícia está usando as bombas em quantidades absurdas. “Só em uma ocasião, na mobilização de estudantes na Universidade Autônoma de Honduras, a força repressiva usou mais de 200 bombas de gás lacrimogêneo. Os danos de imediato e a longo prazo podem ser terríveis para as pessoas que receberam os gases, inclusive para a polícia e o exército”, alertou Carlos Leyes.

Repressão “baixo perfil”

No período que antecedeu os conflitos a partir da greve dos professores o clima era de aparente calmaria. Berta Oliva explica que a repressão teve várias etapas, desde o golpe e que, preocupado com a legitimidade internacional, Pepe Lobo procurou intimidar a resistência “por baixo dos panos”.

No início do golpe, relata Oliva, “todo mundo viu que a repressão era massiva. Porque o plano era que o povo se cansasse, como havia acontecido nos golpes anteriores, em décadas passadas”. Depois, completou, “começaram com as ações sistemáticas e seletivas, que eram silenciadas”. Nesse período, que compreende o primeiro ano do governo de Porfírio Lobo, de janeiro a dezembro de 2010, a Cofadeh contabilizou 463 mortos. Entre eles estão 10 jornalistas, 32 da comunidade LGTB, cerca de 30 campesinos e 30 professores.

Outra tática utilizada pelo regime é a aplicação de ações ditas legais contra organizações. Berta Oliva dá o exemplo do próprio Cofadeh que sofreu uma ordem de sequestro de documentos. Segundo a defensora de direitos humanos, também nesse período foram inúmeros os registros de denúncias de ameaças de morte por telefone a membros da resistência hondurenha.



quinta-feira, 21 de abril de 2011

IGNACIO RAMONET DESCREVE EXPLOSÃO DO JORNALISMO




Surgiu novo sinal de que a comunicação compartilhada tem futuro e enorme potência transformador. O jornalista francês Ignacio Ramonet – um dos estudiosos mais profundos, refinados e críticos da mídia convencional – acaba de lançar A Explosão do Jornalismo (disponível por enquanto, apenas em francês). A grande novidade na obra é a esperança militante que o autor deposita na blogosfera, nas redes sociais e num novo jornalismo que se associe a elas.

Ao longo dos últimos quinze anos, Ramonet foi, talvez, o analista mais destacado da mercantilização e pasteurização da imprensa. Diretor (entre 1990 e 2008) da edição francesa do Le Monde Diplomatique, ele abriu as páginas do jornal a textos agudos sobre a involução por que passaram os jornais, o rádio e a TV, no período. Apontou, sempre com muita riqueza de dados. a associação crescente entre imprensa e grande empresa. Associou este processo ao papel domesticador que a mídia passou a desempenhar no período – totalmente oposto à conceito de “contra-poder”, reivindicado pelos defensores de uma democracia de alta intensidade. Cunhou, num editorial escrito em janeiro de 1995, o termo “pensamento único”, para denunciar o apagamento da diversidade. Lembrou que, nas novas condições, a imprensa passava a desempenhar, para as sociedades capitalistas, papel similar ao que o “partido único” exercera nos países alinhados à extinta União Soviética.

Tal combate deu-lhe relevância e prestígio: político, teórico e acadêmico. Mas nos últimos anos – precisamente quando amplos setores sociais reagiram ao pensamento único apropriando-se da internet e criando um novo jornalismo horizontal e cidadão – Ramonet parecia descrente. Seus textos continuaram apontando, ácidos, a degenerescência da imprensa-empresa. Mas ele mostrava-se pouco sensível à grande novidade. Numa entrevista concedida em São Paulo em 2008, durante o I Encontro do Jornalista Escritor, enxergou uma internet prestes a ser colonizada pelas grandes corporações da indústria da comunicação.

A Explosão do Jornalismo reverte este ceticismo. E Ramonet redefine sua posição aportando densidade teórica e imaginativa à luta para construir a nova mídia. No novo livro, ele busca, por exemplo, caminhos para associar a blogosfera a publicações que funcionem como nós na rede – pontos de convergência, debate e colaboração permanente entre blogueiros e outros comunicadores. Também especula sobre as maneiras de oferecer, aos novos meios e seus “neojornalistas”, condições de sustentabilidade material em bases pós-mercantis.

No final da semana passada, Ramonet concedeu, ao jornal francês L’Humanité, ampla entrevista sobre seu novo livro. É um prazer traduzi-la e oferecê-la aos leitores de Outras Palavras (A.M.)

Entrevista a Frédéric Durand, no L’Humanité - Tradução: Antonio Martins

Você afirma, em seu livro, que “o jornalismo tradicional desintegra-se completamente”

Ignacio Ramonet: Sim, inclusive porque ele está sendo atacado de todos os lados. Primeiro, há o impacto da internet. Parece claro que, ao criar um continente mediático inédito, ela produz um jornalismo novo (blogs,redes sociais, leaks), em concorrência direta com o jornalismo tradicional. Além disso, há o que poderíamos chamar de “crise habitual” do jornalismo. Ela é anterior à situação atual. Desdobra-se em perda de credibilidade, diretamente ligada à consanguinidade entre muitos jornalistas e o poder econômico e político, que suscita uma desconfiança geral do público. Por fim, há a crise econômica, que provoca uma queda muito forte da publicidade, principal fonte de financiamento das mídias privadas e desencadeia pesadas dificuldades de funcionamento para as redações.

A que se deve a perda de credibilidade?

Ignacio Ramonet: Ela acentuou-se nas duas últimas décadas, essencialmente como consequência do desenvolvimento do negócio midiático. A imprensa nunca foi perfeita, fazer bom jornalismo foi sempre um combate. Mas a partir da metade dos anos 1980, vivemos duas substituições. Primeiro, a informação contínua na TV, mais rápida, tomou o lugar da informação oferecida pela impressa escrita. Isso conduziu a uma concorrência mais viva entre mídias uma corrida de velocidade em que resta cada vez menos tempo para verificar as informações. Em seguida, a partir da metade dos anos 1990, com o desenvolvimento da internet. Particularmente há alguns anos, com a emergência dos “neojornalistas”, estas testemunhas-observadoras dos acontecimentos (sejam sociais, políticos, culturais, meteorológicos ou amenidades). Eles tornaram-se uma fonte de informações extremamente solicitada pelas próprias mídias tradicionais.

O público parece justificar sua desconfiança em relação à imprensa pela promiscuidade entre o poder e os jornalistas

Ignacio Ramonet: Para a maioria dos cidadãos, o jornalismo resume-se a alguns jornalistas: estes que se vê em toda parte. Duas dezenas de personalidades conhecidas, que vivem um pouco “fora da terra”, que passam muito tempo “integrados” com os políticos, e que, em toda o mundo, conciliam bastante com eles. Constitui-se assim uma espécie de nobreza política, líderes políticos e jornalistas célebres que vivem (e às vezes se casam) entre si mesmos, uma nova aristocracia. Mas esta não é a realidade do jornalismo. A característica principal desta profissão é, hoje, a precarização. A maior parte dos jovens jornalistas é explorada, muito mal paga. Trabalham por tarefa, muitas vezes em condições pré-industriais. Mais de 80% dos jornalistas recebem baixos salários. Toda a profissão vive sob ameaça constante de desemprego. Portanto, as duas dezenas de jornalistas célebres não são nem um pouco representativas, e mascaram a miséria social do jornalismo – na França e em mutos outros países. Isso não mudou com a internet – talvez, tenha se agravado. Nos sites de informação em tempo real criados pela maior parte da velha mídia, as condições de trabalho são ainda piores. Surgem novos tipos de jornalistas explorados e superexplorados. O que pode consolá-los é saber que, talvez, seu futuro lhes pertença.

Nestas condições, o jornalismo pode ainda assumir o título de “quarto poder”, que age como um contra-poder?

Ignacio Ramonet: Vivemos uma concentração extraordinária das mídias. Quem examina a estrutura de propriedade da imprensa francesa, por exemplo, constata que ela está em mãos de um número reduzidíssimo de grupos. Um punhado de oligarcas – Lagardère, Pinault, Arnault, Dassault – tornou-se proprietário dos grandes meios. Estes expressam uma pluralidade cada vez menor e se supõem que defendam os interesses dos grandes grupos financeiros e industriais a que pertencem. Isso provoca a crise do “quarto poder”. Sua missão histórica, que consiste em criar uma opinião pública com senso crítico e capaz de participar ativamente do debate democrático, já não pode ser garantido. A mídia procura, ao contrário, domesticar a sociedade e evitar qualquer questionamento ao sistema dominante. Os grandes meios criaram um consenso em torno de certas idéias (a globalização e o livre-comércio, por exemplo), consideradas “boas para todos” e incontestáveis. Quem as renega deixa aquilo que Alain Minc chamou de “círculo da razão”. Entra, portanto, em desrazão…

Você refere-se às vezes à necessidade de um “quinto poder”

Ignacio Ramonet: Sim. Se constatamos que o “quarto poder” não funciona, isso representa um grave problema para a democracia. Não se pode conceber uma democracia sem o autêntico contra-poder da opinião pública. Uma das especificidades dos sistemas democráticos está, aliás, nesta tensão permanente entre poder e no respectivo contra-poder. É o que faz a versatilidade e capacidade de adaptação deste sistema. O governo tem, como contrapeso a seu poder, uma oposição, os patrões, os sindicatos. Mas a mídia não tem – e não quer ter! – um contra-poder.

Ora, há uma demanda social forte e crescente de informações sobre a informação. Diversas associações tem se constituído (na França, a Acrimed) para aferir a veracidade e o funcionamento da mídia. Para que a sociedade possa defender-se melhor. É assim que as sociedades constroem, pouco a pouco, um “quinto poder”. Sendo que o mais difícil é fazer com que a mídia dominante aceite este “quinto poder” e lhe dê a palavra…

Em seu livro, você afirma que o futuro dos jornais escritos é tornar-se imprensa de opinião. Por que?

Ignacio Ramonet: Os jornais mais ameaçados são, em minha opinião, os que reproduzem todas as informações gerais e cuja linha editorial dilui-se totalmente. Embora seja importante, para os cidadãos, que todas as opiniões se exprimam, isso não quer dizer que cada mídia deva reproduzir, em si mesma, todas estas opiniões. Neste sentido, a imprensa de opinião é necessária. Não se trata de uma imprensa ideológica, ligada ou identificada com uma organização política – mas de um jornalismo capaz de defender uma linha editorial definida por sua redação.

Na medida em que, para tentar enfrentar a crise da imprensa, os jornais decidiram abrir espaço, em suas colunas, a todas as teses políticas, da extrema esquerda à extrema direita, sob pretexto de que vale tudo, muitos leitores deixaram de comprar estas publicações. Porque uma das funções de um jornal, além de fornecer informações, é conferir uma “identidade política” a seu leitor. Porém, agora, o jornal não expressa mais o que são seus leitores. Estes, ao contrário, confundem as identidades dos jornais e se desconcertam. Eles compram, digamos, Libération, e leêm uma entrevista com Marine Le Pen. Aliás, por que não? Mas os leitores podem descobrir, por exemplo, que têm talvez algumas ideias em comum com o Front National. E ninguém lhes dá referências a respeito, o que provoca inquietação. Tal desarranjo confunde muitos leitores. Hoje, o fluxo de informações que transita na internet permite que cada um forme sua própria opinião. Em plena crise dos jornais, o sucesso do semanário alemão Die Ziet é significativo. Ele escolheu contestar as ideias e informações dominantes, com artigos de fundo – longos e às vezes árduos. As vendas crescem. No momento em que toda a imprensa faz o mesmo – artigos cada vez mais curtos, com um vocabulário de 200 palavras, Die Ziet escolheu uma linha editorial clara e distinta. Além disso, seus textos permitem lembrar de que o jornalismo é um gênero literário…

Ao mencionar a superabundância de informações, na internet e em suas redes sociais, você refere-se a sabedoria coletiva e a embrutecimento coletivo. Por que?

Ignacio Ramonet: Nunca na histórias das mídias os cidadãos contribuíram tanto à informação. Hoje, quando um jornalista publica um texto online, ele pode ser contestado, completado, debatido por um enxame de internautas que serão, sobre muitos temas, tão ou mais qualificados que o autor. Assistimos, portanto, a um enriquecimento da informação graças aos “neojornalistas”, que eu chamo de “amadores-profissionais”. Lembremos que estamos numa sociedade em que formação superior tornou-se acessível como nunca antes. O jornalismo dirige-se, portanto, a um público muito bem formado – ainda que esta formação seja segmentada.

Além disso, as ditaduras que procuram controlar a informação não conseguem fazê-lo mais, como vimos na Tunísia, Egito e em outras partes. Lembremos que a aparição da imprensa, em 1440, não transformou apenas a história do livro. Ela sacudiu a história e o funcionamento das sociedades. Da mesma forma, o desenvolvimento da internet não é apenas uma ruptura no campo midiático. Ele modifica as relações sociais. Cria um novo ecossistema, que produz paralelamente a extinção maciça de certas mídias, em particular a imprensa escrita paga. Nos Estados Unidos, cerca de 120 jornais já desapareceram.

Significa que a imprensa escrita desaparecerá? A resposta é não. A história mostra que as mídias se reentrelaçam e reorganizam, ao invés de desaparecer. No entanto, poucos jornais vão sobreviver. Sobreviverão aqueles que tiverem uma linha clara, proponham análises amparadas em pesquisa, sérias, originais, bem escritas.

Mas o contexto da hiper-abundância de informações também desorienta o cidadão. Ele não chega a distinguir o que é importante e o que não é. Que informações são verdadeiras? Quais são falsas? Ele vive num sentimento permanente de insegurança informativa. Cada vez mais, as pessoas irão se propor a pesquisar informações de referência.

Como assegurar um futuro à informação e aos que a fazem, agora que ele é acessível gratuitamente?

Ignacio Ramonet: Embora seja incontestável que a imprensa online é a que dominará a informação nos anos futuros, é evidentemente necessário encontrar um modelo econômico viável. No momento, a cultura dominante na internet é a da gratuidade. Mas estamos, precisamente agora, entre dois modelos, e nenhum deles funciona. A informação tradicional (rádio, TV, imprensa escrita) é cada vez menos rentável. E o modelo de informação online não o é ainda, com raríssimas exceções.

Os novos espaços midiáticos podem modificar as relações de dominação que prevalecem hoje no seio da própria sociedade?

Ignacio Ramonet: Dediquei um capítulo inteiro de meu livro ao WikiLeaks. É o terreno da transparência. Em nossas sociedades contemporâneas, democráticas e abertas será cada vez mais difícil, para o poder, manter dupla política: uma para fora e outra, mais opaca e secreta, para uso interno, onde há o direito e risco de transgredir as leis.

O Wikileaks demonstrou que as mídias tradicionais já não funcionavam nem assumiam seu papel. Foi no nicho destas carências que o Wikileaks pôde introduzir-se e se desenvolver. O site também revelou que a maior parte dos Estados tinham uma lado obscuro, oculto. Mas o grande escândalo é que, depois das revelações do Wikileaks, nada ocorreu! Por exemplo: revelou-se que, na época da guerra do Iraque, um certo grupo de dirigentes do Partido Socialista francês dirigiu-se à embaixada dos Estados Unidos para explicar que, se estivessem no poder, teriam envolvida a França na guerra. E este fato – próximo da alta traição – não provocou reações.

Esta evolução para mais transparência pode provocar efeitos concretos?

Ignacio Ramonet: Ela vai necessariamente atingir os privilégios das elites e as relações de dominação. Se as mídias podem, até agora, dissecar o poder político, é porque a política perdeu muito de seu poder, abocanhado pelas esferas financeiras. Sem dúvidas, é à sombra das finanças, dos traders, dos fundos de pensão, que se localiza hoje o verdadeiro poder.

Tal poder permanece preservado porque é opaco. É significativo que a próxima revelação anunciada pelo Wikileaks diga respeito, precisamente, ao sigilo bancário. Graças aos novos sistemas midiáticos, tornou-se possível atacar estes espaços ocultos. Este poder é como o dos vampiros: a luz os dissolve, os reduz a poeira. Podemos esperar, que graças aos novos meios digitais, breve chegará a hora de desvendar o poder econômico e financeiro.

UMA SOCIEDADE DOENTE PRODUZ ASSASSINOS EM SÉRIE




SERGIO NOGUEIRA LOPES - CORREIO DO BRASIL - 21 abril 2011

O desserviço que a mídia conservadora vem realizando no caso do massacre de 12 crianças em uma escola municipal de Realengo, subúrbio do Rio, por pouco não chega a ser tão aterrador quanto o ato pensado, repensado e premeditado de um assassino. Esculpido ao longo de décadas pela intolerância social, o imaginário das tramas televisivas, o abandono, a solidão e a doença silenciosa, aquele subproduto deste sistema político e econômico avassalador jazia, para os olhos incrédulos de milhões de espectadores, sobre os degraus da escada que subiria para fazer mais vítimas, não fosse a ação corajosa de um policial militar. Por corredores e salas de aulas do pacato colégio carioca, as marcas da insanidade coletiva, concentradas naquele indivíduo alucinado, restam imersas no sangue dos inocentes.

O espetáculo de horror promovido de pronto pelas TVs e rádios e estampado, horas depois, nas capas dos jornalões, assemelha-se à roleta russa que a sociedade joga consigo mesma. Na ânsia de explicar, o quanto antes e da forma mais rasa possível, o ato que, em questão de minutos, atingiu o coração da sociedade brasileira, chegaram a ligar aquele indivíduo ao Islã, produzindo nova onda de repúdio a uma das maiores fontes da fé humana, já desgastada no Ocidente por séculos de cruzadas e guerras santas, atentados e mortes em nome deste ou daquele Deus. Sem responsabilidade alguma, alguém que já não se sabe mais quem, abre a boca para acusar os seguidores do profeta de inspirar ato tão infame. Ninguém, até agora, se retratou.

Em seguida, nos mesmos canais que desinformam a população desde sempre, ao bel-prazer, culpa-se a falta de segurança nas escolas. E o guardinha, assim, passa a ser o culpado por desvario jamais imaginado, até agora, por qualquer brasileiro. Sim, até agora porque, ante a estridência da fama tosca e oblíqua que o episódio mais lamentável da nossa história moderna ganha no noticiário popular, somente um milagre livrará a população brasileira de uma nova tragédia, nos moldes desta ocorrida no Rio. Trata-se da ameaça, agora latente, que sequer existia até o dia 7 de abril de 2011. Outros desvairados, atiçados por um ato de extrema insanidade, seguem nas sombras, prontos a destroçar vidas, famílias, sonhos, esperanças.

O mais grave, ainda, é perceber que a hipocrisia apenas trata de arranjar soluções míopes, com base em explicações ordinárias, para um drama que acompanha a humanidade desde sempre. As crianças que apresentam quaisquer “defeitos de fabricação”, para ser tão simplista quanto os desatinados que assim qualificam os bebês, meninos e meninas portadores de síndromes, deficiências e neuropatias, estas são deixadas muitas vezes ao próprio destino ou, aquelas com mais sorte, conseguem lugar em uma instituição especializada, tão raras quanto o apoio que estas escolas especiais recebem do poder público ou da iniciativa privada.

A realidade perversa, no entanto, é exposta no preconceito silente que reside na maioria da população. Impronunciável, por tamanha sordidez, é tangível o sentimento de repulsa a quem é diferente ou incapaz de se alinhar aos padrões exigidos pela sociedade construída na competição desmesurada e distante da solidariedade. Ou, mais ainda, ele faz parte das brincadeiras das crianças no recreio, no bullyng, nos meninos e meninas desprezados na flor da idade, no desamor, no rígido código social que atinge a todas as camadas da população. São os mesmos padrões que recheiam as novelas das 7h, das 8h, das 9h, os filmes de Hollywood, as revistas destinadas aos pré-adolescentes, adolescentes, jovens adultos e daí em diante.

Para se produzir um ser desumanizado como este, que preferiu matar meninas mais do que meninos, é preciso um esforço muito grande. Não é do dia para a noite que surge um bicho raivoso assim, pronto a levar com ele quantas almas puder. E o mais triste é constatar que os mesmos artífices deste assassino em série são os mesmos que se esforçam ao ponto de fazer do Brasil um dos países com os piores níveis educacionais do mundo. São eles mesmos que infundem a necessidade artificial de se adquirir bugigangas em lugar de livros, celulares da moda em vez de salários dignos aos professores, transgênicos e hambúrgueres ianques em lugar de uma alimentação nacional e saudável. A escola onde ocorreu a tragédia, por exemplo, sofre em seu microcosmo de todas as mazelas vividas pela Educação no país: poucos e mal remunerados mestres, condições pífias de trabalho, formação indigna, futuro incerto.

Diante deste quadro, somente poderia restar uma forma de governo que pratica a eugenia disfarçada e, em toda sua desfaçatez, sufoca aquelas poucas instituições que, heróicas, insistem em tratar os estranhos seres humanos que vieram ao mundo com um gene defeituoso, membros de menos, sensibilidade demais ou uma aparência distante do padrão bonitinho que a mídia elege como representante da estrutura social vigente. Na contramão do discurso fácil, o poder constituído penaliza ao invés de ajudar a uma das mais antigas e renomadas instituições de apoio às crianças portadoras de deficiências físicas e mentais, justamente aquela que cuida dos indivíduos desajustados que, no futuro, candidatam-se ao posto deixado por aquele demente, em Realengo.

A Sociedade Pestalozzi do Brasil, em sua última década de atividades, realizou mais de 1,2 milhão de consultas às crianças que o sistema rejeita e, por isso, ao invés de pedreiros, areia e tijolos, a municipalidade envia fiscais truculentos que, em tom ameaçador, prometem fechar a instituição se, em um prazo mínimo, não for construído um banheiro a mais para atender aos pacientes. Promovem verdadeiras devassas fiscais na administração, capazes de deixar boquiaberto o mais renitente burocrata norte-coreano. Sequer pedem desculpas, depois dos danos causados, por constatar que a administração é séria e competente ao ponto de manter viva uma iniciativa que, fosse gerida na mesma visão mercantilista que dirige os atos públicos, teria encerrado suas atividades há tempos.

A morte das crianças e do matador que, meticulosamente, atirou no tórax e na cabeça de suas vítimas, é um sinal de alerta para o respeito àqueles que dedicam suas vidas a cuidar dos desvalidos. A permanecer o atual quadro de desapreço a estes profissionais e estabelecimentos sérios, que ainda insistem em existir no Brasil, cenas de puro terror, como essas que a mídia usa para atrair cada vez mais audiência, tendem a se tornar apenas nota de rodapé no cotidiano de uma sociedade doente. Para resumir, fica a citação do antropólogo Roberto Albergaria, da Universidade de Paris VII: “O homem é um animal incerto”.

**Sergio Nogueira Lopes é embaixador da Sociedade Pestalozzi do Brasil, sociólogo e escritor.

Brasil: BC sobe juro de novo, recebe críticas mas surpreende mercadistas



ANDRÉ BARROCAL – CARTA MAIOR

Pela terceira vez no governo Dilma, Banco Central aumenta taxa de juros para frear inflação. Para CUT, decisão "sangra o país" e "atrapalha desenvolvimento". Indústria vê "graves danos à atividade produtiva". Sistema financeiro perde aposta e leva juro menor do que esperava.

BRASÍLIA – A diretoria do Banco Central (BC) estava espremida dos dois lados, quando se sentou nesta quarta-feira (20/04) para decidir pela terceira vez, no governo Dilma Rousseff, se o rumo da inflação exigiria mudar a taxa básica de juros da economia. O mercado previa (queria?) alta de ao menos meio ponto percentual, enquanto o mundo real da economia – trabalhadores e empresários – torcia para que a taxa ficasse igual. Pois o BC tomou uma decisão intermediária. Subiu o juro, sim, e recebeu críticas do “mundo real”. Mas surpreendeu o "mercado" e aumentou menos do que o setor defendia e menos do que o próprio BC já havia feito duas vezes desde janeiro.

Na noite de quarta-feira (20/04), o banco anunciou que o maior juro do planeta ficaria 0,25 ponto percentual superior. Por cinco votos a dois, a chamada Selic foi de 11,75% para 12% - os dois diretores derrotados votaram por aumento de meio ponto. Na nota que sempre divulga para explicar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC disse que ainda não é possível ter certeza sobre o “ritmo da moderação” da economia brasileira e que o cenário internacional é “complexo”. 

O mundo real reagiu atirando. “A elevação das já mais altas taxas de juros do mundo - o triplo da segunda colocada, a Austrália -, sangra o país e inviabiliza o Orçamento público, criando graves obstáculos ao desenvolvimento nacional e comprometendo seriamente o emprego, a renda e os investimentos sociais”, afimou o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, em nota pública.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse, também em nota, que a alta do juro não foi “adequada” e trará “graves danos à atividade produtiva”.

Para o economista Francisco Lopreato, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o BC tinha à mão, até a véspera da reunião, dados que já sugeriam arrefecimento da economia. Queda da criação de emprego com carteira assinada em março e no primeiro trimestre, empresários mais desconfiados com o futuro, famílias menos dispostas a gastar em 2011. A própria trajetória da inflação oficial era declinante de janeiro a a março. Por isso, Lopreato defendia que o BC não mexesse no juro agora e esperasse até o próximo encontro do Copom, em junho.

Desconforto político

Na manhã do dia da reunião de quarta-feira, no entanto, uma parcial da inflação de abril, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrava um índice muito próximo do resultado de março – 0,77% e 0,79%, respectivamente. Do ponto de vista político, tinha ficado mais difícil para o Copom do governo Dilma eventualmente justificar a manutenção do juro, perante um “mercado” que o BC sente que o está desafiando e que o Palácio do Planalto tem certeza de que não gosta da atual diretoria do banco.

Segundo uma fonte do governo que acompanha a formulação e a execução da política de juros, o BC está convencido de que a inflação cairá a partir de maio e de que a economia já desacelerou até mais do que o governo acredita – tanto que o BC trabalha com previsão de o Brasil crescer 4% em 2011, menos que o Ministério da Fazenda. Além disso, afirmou a fonte, o banco identifica não só que há um clima inflacionário mundial, como o fenômeno não está sendo combatido à base de juro em outros países.

O problema é que o “mercado” no Brasil, de acordo com a fonte, “está testando” o BC. Primeiro, porque sempre quer aumento de juros, pois assim ganha mais dinheiro, e não sabe ainda quanto pode arrancar do governo Dilma. Segundo: a atual diretoria do BC é dominada por funcionários de carreira, a começar pelo presidente da instituição, Alexandre Tombini, e não por egressos do sistema financeiro, como em outros tempos. Terceiro: o mercado estava acomodado à vida fácil de traçar cenários para clientes e fazer negócios usando só a variável “juros”, algo que mudou depois que o governo, desde dezembro, passou a dar mais ênfase ao uso de instrumentos alternativos de combate da inflação, chamados de macroprudenciais.

Mas, apesar do reconhecimento de que está sendo testado, o BC sabe também que o mercado tem o poder de influenciar o mundo real com suas expectativas. Por exemplo: toda a semana, o banco faz uma pesquisa com algo entre 90 e 100 instituições, sendo dois terços ligadas ao sistema financeiro, sobre inflação e juros. A pesquisa divulgada dois dias antes do Copom mostrava que o mercado acreditava que a inflação está a um passo de estourar a meta do governo para 2011. Quem olha esse tipo de estimativa - empresário que fixa preço de mercadoria, trabalhador que negocia salário –, acaba levando-a em conta. Daí que a profecia se autorealiza.

Na mesma pesquisa, conhecida como Focus, o “mercado” apostava em aumento de 0,5 ponto do juro. O levantamento tem o formato atual desde 2001. De lá para cá, o Copom já tinha se reunido 74 vezes, e o “mercado” acertara na mosca três de cada quatro palpites. Nas duas primeiras decisões sobre juros no governo Dilma, chutes certeiros: alta de meio ponto no juro. Agora, o “mercado” acertou o gol, mas a bola bateu na trave. 

O BC sentará de novo para analisar a inflação e decidir sobre juros no dia 8 de junho.

IR ALÉM DOS MANUAIS



MAIR PENA NETO – DIRETO DA REDAÇÃO

Escrevo este texto enquanto o Comitê de Política Monetária (Copom) está reunido para decidir e, quase certamente, aumentar mais uma vez a taxa básica de juros em nome do combate à inflação. A campanha do mercado foi ostensiva, com os seus arautos defendendo diuturnamente a elevação como a única solução cabível.

A nova palavra de ordem dos financistas, reverberada em colunas e editoriais, é seguir os manuais de economia. No momento em que em todo o mundo, inclusive as empresas capitalistas, estimulam-se a criatividade, a inovação, o não convencional, que o meio empresarial gosta de chamar de thinking out of the box, o mercado sugere medidas macroeconômicas ortodoxas, que não vão além do que recomendam os manuais.

No Brasil, houve uma tentativa de ridicularização do que o Banco Central chamou de medidas macroprudenciais. Ou seja, ao invés do tiro de canhão da alta dos juros, outras iniciativas para conter o crédito e a demanda sem perder o crescimento econômico. O impacto destas medidas ainda não se fez sentir completamente, mas o crédito já começou a desacelerar, assim como a intenção de consumo das famílias, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio.

As pressões inflacionárias não são privilégio brasileiro. Elas estão em todo o mundo por conta de fatores internacionais, como a alta no preço das commodities e do petróleo, entre outros. Muitos países já estouraram suas metas de inflação e o curioso é que ninguém segue o manual e sobe os juros como no Brasil, que já tem a taxa mais alta do mundo.

Os Estados Unidos, que tem o privilégio de poder inundar o mundo com a sua moeda, que é reserva padrão internacional, mantém sua taxa lá embaixo e talvez tenha que pensar em elevá-la agora com o rebaixamento dos seus títulos por conta de um déficit de US$ 1,5 trilhão. A China, por sua vez, tem preferido o aumento do compulsório bancário, que já subiu quatro vezes este ano.

O aumento dos juros é um cobertor curto, pois atrai cada vez mais os capitais especulativos, que sobrevalorizam o real e prejudicam a competitividade das exportações. Câmbio e juros andam juntos, como ensinam os manuais que o mercado tanto defende.

A inflação está no Brasil, como no mundo, e pode chegar este ano perto do teto da meta. Mas ano que vem, e o próprio mercado reconhece, ela deve retroceder. O país precisa preservar o crescimento, que melhorou as condições de vida de parcelas generosas da população, e combater a inflação com medidas que não o prejudiquem. Controle de capitais é uma delas. A alta dos juros freia o crescimento, eleva o endividamento do setor público, remunera o capital especulativo e afeta a vida de cada brasileiro.

*Mair Pena Neto - Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia
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quarta-feira, 20 de abril de 2011

PROMOTORA ENVOLVIDA EM MENSALÃO DO DEM É PRESA EM BRASÍLIA



LUCIANA COBUCCI, Brasilia – TERRA – 20 abril 2011 – Foto HE

A promotora de Justiça do Distrito Federal Deborah Guerner foi presa nesta quarta-feira em sua casa, em Brasília, a mando do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ela e seu marido, Jorge Guerner, foram detidos, segundo informações da Polícia Federal. A promotora é suspeita de participar de um suposto esquema de corrupção investigado no governo de José Roberto Arruda pela Operação Caixa de Pandora, da PF, em 2009, conhecido como "mensalão do DEM".

O psiquiatra de Deborah também teria sido preso pela Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo. O médico e a paciente estariam num vídeo onde ele a orienta a fingir ataques de nervos e enganar a junta médica do Ministério Público do Trabalho no DF sobre sua incapacidade para o trabalho. A PF não confirma essa prisão.

Deborah foi acusada por Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do Distrito Federal e delator do esquema de corrupção. Deborah teria recebido propina do ex-governador em troca de dados privilegiados do Ministério Público. Ela também é suspeita de receber propina para fazer "vista grossa" em contratos fraudulentos feitos pelo governo do DF e também pelo vazamento de informações da Operação Megabyte, que apurou desvios de R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos em contratos sem licitação entre empresas de informática e o governo distrital.

A prisão foi decretada pelo Tribunal Regional Federal (TRF), mas o motivo ainda não foi divulgado. Por ser promotora de Justiça, Deborah deve ficar presa em uma cela especial na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Seu marido deve ser transferido ainda hoje para a Penitenciária da Papuda, também na capital federal, por não possuir curso superior. Até o fim da manhã, ele seguia na superintendência, junto com a mulher.

Descontrole

Deborah Guerner, que responde a processo disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), se descontrolou durante uma audiência no local no último dia 6. O Conselho define o seu futuro profissional e o do ex-procurador-geral de Justiça do Distrito Federal Leonardo Bandarra. Eles são suspeitos de envolvimento no desvio de recursos públicos que envolvia empresas de tecnologia para o pagamento de propina a deputados da base aliada do DF, episódio conhecido como mensalão do DEM.

Durante a leitura do voto do relator do caso no CNMP, Deborah saiu do plenário se dizendo descontrolada emocionalmente. Os gritos dela com os advogados foram ouvidos de dentro do plenário e pela imprensa. O desequilíbrio emocional é um dos argumentos que Guerner apresenta na defesa ao Conselho. O conselheiro Achiles Siquara pediu vista do processo e o pedido para suspender o julgamento do caso, que seria retomado na sessão de 17 de maio.

SOBRE A IMPUNIDADE NÃO SE PODE CONSTRUIR UMA DEMOCRACIA



Giorgio Trucchi – Resistência Honduras

Entrevista exclusiva com Adolfo Pérez Esquivel

A necessidade de esclarecer as violações aos direitos humanos durante o golpe e de romper o círculo de impunidade em Honduras, bem como a ameaça que representa essa ruptura constitucional para a América Latina e o papel que tem desempenhado os Estados Unidos nesse contexto são alguns dos temas abordados pelo Prêmio Nobel da Paz e representante da Comissão da Verdade (CdV), Adolfo Pérez Esquivel, em entrevista oferecida a Sirel durante sua estadia em Honduras.

Por que decidiu aceitar a proposta de integrar a Comissão da Verdade que está investigando os crimes cometidos durante o golpe?

- Sou um sobrevivente da ditadura e sei que um golpe de Estado sempre traz como consequência a violação aos direitos humanos. Aceitei integrar essa Comissão porque é uma instância impulsionada por organismos de direitos humanos e pela sociedade. Já não podemos aceitar nenhum golpe de estado na América Latina e necessitamos trabalhar para o fortalecimento da democracia e pela vigência dos direitos humanos como valor indivisível.

O que pensou ao saber do golpe em Honduras?

-Que o mecanismo de dominação continua e que esse novo atropelo contra a democracia afetaria todo o continente latino-americano. As mudanças nos países devem ser eleitas pelos próprios povos e não pelas forças do poder com o consentimento dos Estados Unidos.

Que opinião tens acerca da participação dos Estados unidos no golpe em Honduras?

- A história demonstra que os Estados Unidos sempre propiciaram golpes de Estado para controlar aos países e defender seus interesses. Golpes não podem ser dados na América Latina sem o consentimento do governo estadunidense.

Vejamos o que aconteceu com as tentativas de golpe na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Perguntemo-nos por que Estados unidos estão instalando bases militares em toda a América Latina. Por que continuam tentando impor ditaduras, quando necessitamos de recursos para o desenvolvimento dos povos e não projetos de morte e de submissão?

Que percepção há da situação de Honduras no resto do continente?

- Tenho mais de 40 anos de estar trabalhando em toda a América Latina e o que acontece hoje em Honduras afeta a todos nós; pois coloca em situação de instabilidade a vida e os direitos dos povos. Não é nada novo. Já vivemos coisas semelhantes em todo o continente e o resultado é sempre repressão, dor, falta de liberdade, morte e os recursos dos povos submetidos aos grandes poderes. Já não podemos permitir que isso continue acontecendo!

Rel-UITA - Tradução: ADITAL

UMA ADVERTÊNCIA AO MUNDO



AMY GOODMAN – CARTA MAIOR

A era nuclear iniciou não muito longe de Fukushima, quando os EUA se converteram na primeira nação na história da humanidade a lançar bombas atômicas sobre outro país, duas bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, matando centenas de milhares de civis.

O jornalista Wilfred Burchett foi o primeiro a descrever a “praga atômica” como a chamou: “nestes hospitais encontro gente que, quando as bombas caíram não sofreram nenhuma lesão, mas que agora estão morrendo por causa das sequelas”. Mais de 65 anos depois de Burchett escrever sua advertência ao mundo, o que aprendemos de fato? O artigo é de Amy Goodman.

Ao descrever a devastação em uma cidade do Japão, um jornalista escreveu: “É como se uma patrola gigante tivesse passado por cima e arrasado tudo o que existia. Escrevo sobre estes fatos como uma advertência ao mundo”. O jornalista era Wilfred Burchett, que escrevia desde Hiroshima, Japão, em 5 de setembro de 1945. Burchet foi o primeiro jornalista do Ocidente a chegar a Hiroshima após o lançamento da bomba atômica. Informou sobre uma estranha enfermidade que seguia matando as pessoas, inclusive um mês depois desse primeiro e letal uso de armas nucleares contra seres humanos. Suas palavras podiam perfeitamente descrever as cenas de aniquilação que acabam de se verificar no noroeste do Japão. Devido ao agravamento da catástrofe na central nuclear de Fukushima, sua grave advertência ao mundo segue mais do que vigente.

O desastre se aprofunda no complexo nuclear de Fukushima após o maior terremoto da história do Japão e o tsunami que o sucedeu, deixando milhares de mortos. As explosões nos reatores número 1 e número 3 liberaram radiação em um tal nível que ela foi detectada por um navio da Marinha dos EUA a uma distância de 160 quilômetros, obrigando-o a afastar-se da costa. Uma terceira explosão ocorreu no reator número 2, fazendo com que muitos especulassem que um compartimento primário, onde fica o urânio submetido à fissão nuclear, teria sido danificado. Pouco depois o reator número 4 foi atingido por um incêndio, apesar dele não estar funcionando quando o terremoto atingiu o país. Cada reator utilizou o combustível nuclear armazenado em seu interior e esse combustível pode provocar grandes incêndios, liberando mais radiação no ar. Todos os sistemas de resfriamento falharam, assim como os sistemas de segurança adicionais. Uma pequena equipe de valentes trabalhadores permanece no lugar, apesar da radiação perigosa, que pode ser letal, tratando de bombear água do mar às estruturas danificadas para esfriar o combustível radioativo.

O presidente Barack Obama assumiu a iniciativa de liderar um “renascimento nuclear” e propôs novas garantias de empréstimos federais de 36 bilhões de dólares para promover o interesse das empresas de energia na construção de novas plantas nucleares (o que se soma aos 18,5 bilhões de dólares aprovados durante o governo de George W. Bush). A primeira empresa de energia que esperava receber esta dádiva pública foi a Southern Company, por dois reatores anunciados para a Georgia. A última vez que se autorizou e se concretizou a construção de uma nova planta de energia nuclear nos Estados Unidos foi em 1973, quando Obama estava no sétimo ano na Escola Punahou, em Honolulu. O desastre de Three Mile Islan, em 1979, e o de Chernobyl, em 1986, efetivamente fecharam a possibilidade de avançar em novos projetos de energia nuclear com objetivos comerciais nos Estados Unidos. No entanto, este país segue sendo o maior produtor de energia nuclear comercial no mundo. As 104 plantas nucleares são velhas e se aproximam do fim de sua vida útil originalmente projetada. Os proprietários das plantas estão solicitando ao governo federal a prorrogação de suas licenças para operar.

A Comissão Reguladora Nuclear (NRC, na sigla em inglês) está encarregada de outorgar e controlar estas licenças. No dia 10 de março, a NRC emitiu um comunicado de imprensa “sobre a renovação da licença de operação da usina nuclear Vermont Yankee, próxima de Brattleboro, Vermont, por mais vinte anos”. Está previsto que o pessoal da NRC conceda logo a renovação da licença”, dizia o comunicado de imprensa. Harvey Wasserman, da NukeFree.org, me disse: “O reator número 1 de Fukushima é idêntico ao da planta de Vermont Yankee, que agora aguarda a renovação da sua licença que o povo de Vermont pretende encerrar. É importante levar em conta que esse tipo de acidente, esse tipo de desastre, poderia ter ocorrido em quatro reatores na Califórnia, caso o terremoto de 9 graus na escala Richter tivesse atingido o Cânion do Diabo em San Luis Obispo ou San Onofre, entre Los Angeles e San Diego. Poderíamos perfeitamente estar testemunhando agora a evacuação de Los Angeles ou San Diego se esse tipo de coisa tivesse ocorrido na Califórnia. E Vermont tem o mesmo problema. Há 23 reatores nos Estados Unidos que são idênticos ou quase idênticos ao reator n° 1 de Fukushima. A maioria dos habitantes de Vermont, entre eles o governador do Estado, Peter Shumlin, apoia o fechamento do reator Vermont Yankee, desenhado e construído pela General Eletric.

A crise nuclear no Japão repercute mundialmente. Houve manifestações em toda a Europa. Eva Joly, membro do parlamento europeu, disse em uma manifestação: “A ideia de que esta energia é perigosa, mas que podemos manejá-la, foi rechaçada hoje. E sabemos como eliminar as plantas nucleares: necessitamos de energia renovável, energia eólica, energia geotérmica e energia solar. A Suíça deteve seus planos de renovar as licenças de seus reatores e 10 mil manifestantes em Stuttgart pediram à chanceler alemã Angela Merkel o fechamento imediato das sete plantas nucleares alemãs construídas antes da década de 80. Nos Estados Unidos, o deputado democrata de Massachussetts, Ed Markey, disse: “o que está acontecendo no Japão neste momento dá indícios de que também nos Estados Unidos poderia ocorrer um grave acidente em uma usina nuclear”.

A era nuclear iniciou não muito longe de Fukushima, quando os Estados Unidos se converteram na primeira nação na história da humanidade a lançar bombas atômicas sobre outro país, buas bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, matando centenas de milhares de civis. O jornalista Wilfred Burchett foi o primeiro a descrever a “praga atômica” como a chamou: “nestes hospitais encontro gente que, quando as bombas caíram não sofreram nenhuma lesão, mas que agora estão morrendo por causa das sequelas. Sua saúde começou a se deteriorar sem motivo aparente”. Mais de 65 anos depois de Nurchett sentar-se em meios aos escombros com sua castigada máquina de escrever Hermes e escrever sua advertência ao mundo, o que aprendemos de fato?

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna

Tradução: Katarina Peixoto

Portugal - NADA DE NOVO NO HORIZONTE



BAPTISTA BASTOS – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

As listas de deputados são conhecidas. Aquele sobressalto emocional que caracterizou os primeiros tempos da democracia deixou de existir. Normalizámo-nos. As regras do jogo são claras e simples: seguir, obedientemente, o jogo e as regras. Ora, o desinteresse bocejante com que o público as acompanha conquistou conotações depreciativas. O caso Fernando Nobre, pelas situações que o rodearam, agitou um pouco as águas palustres. Aqui e além, este ou aquele foram contestados. Nada de grave. O sistema dos hábitos, próprio do domínio que as direcções partidárias exercem, manteve-se inabalável.

Assegurada a continuidade, aceite com benevolente dependência a distribuição de lugares, de postos e de ascensões ou despromoções, toda a previsibilidade não será alterada. Regressam os mesmos que aprovaram leis iníquas, que obedeceram sem recalcitrar aos malabarismos dos compromissos e às traições ideológicas. As "caras" novas são a mascarada com que se mantém o fenómeno "democrático", afinal caracterizado pela irracionalidade da burocracia.

Longe vão os tempos em que as escolhas para deputados eram quase uma festa. Basta recordar quem eram aqueles outros e comparar com estes de agora. As convicções foram substituídas pelos interesses pessoais. O desencantamento, associado à regularidade monótona e funesta da rotina, tem muito a ver com a crença na "legalidade" da tradição, eternamente válida. Ou, pelo menos sem refutação.

Quem selecciona os deputados não somos nós. Aliás, nem sequer sabemos quem são e para aonde vamos. Não lemos os programas dos partidos, e acedemos ao domínio "carismático" dos secretários-gerais ou dos presidentes, submetidos às evidências do poder, numerosas vezes criadas pela comunicação social.

A manipulação declarada ou latente a que somos sujeitos explica e justifica o abandono pessoal ou a fé resoluta com que seguimos o cherne (para lembrar a grande metáfora de O'Neill) e a cegueira política com que votamos naqueles que nos maltratam.

Reconhecemos, mesmo, como condição irreparável, a existência de um "arco de poder", constituído por dois (ou três) partidos, no qual os outros, embora representando dois ou três milhões de portugueses, não são admitidos. No absurdo desta situação, rigorosamente antidemocrática, assentam os pilares da democracia. Em Portugal e lá fora. Nisso, não somos nada originais.

Somos nós e a nossa circunstância, como ensinou Ortega, ou as circunstâncias podem ser modificadas por nós, como queria Marx? Penso que a renovação ou a alteração da nossa existência social passa pela substituição radical do sistema económico. Este pertence não apenas a estruturas astutamente edificadas, com guardiães ferozes e centuriões espalhados por todos os confins, como às "doenças da crença", o mal maior das nossas servidões.

PORTUGUESES CULPAM SÓCRATES E CAVACO PELO ESTADO DO PAÍS



Público – 20 abril 2011

Para a maioria dos 803 inquiridos por um estudo da Marktest para a TSF, Diário de Notícias e Diário Económico, o executivo liderado por José Sócrates não soube reagir atempadamente à pressão dos mercados e Cavaco Silva devia ter assumido um papel mais activo na actual crise financeira e política.

O estudo, realizado três dias após o congresso socialista em Matosinhos, revela ainda que os inquiridos acham que o recurso ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira não é só culpa do primeiro-ministro. Sócrates partilha culpa com o líder do PSD Pedro Passos Coelho, visto como culpado dessa intervenção para 24 por cento das pessoas.

São 36 por cento os que acreditam ainda que a falta de apoio da União Europeia empurrou o país para a ajuda externa, questão que divide, uma vez que 45 por cento dizem o contrário.

Mais de 90 por cento mostram-se preocupados com um eventual aumento de impostos e entre 83 a 87 por cento mostram também apreensão por possíveis cortes nos salários, pensões ou 13º mês.

A maioria, 80 por cento, quer um governo maioritário rumo à estabilidade e 44 por cento só antevê uma saída desta situação daqui a cinco anos.

Este estudo foi feito entre os dias 11 e 13 de Abril a indivíduos de ambos os sexos com idade superior a mais de 18 anos, residentes em Portugal continental.

O DECLÍNIO DO CAPITALISMO



Jorge Beinstein [*]

Fim do crescimento global, ilusões imperiais e periféricas, alternativas

A "recuperação" foi apenas, um alívio passageiro obtida por uma sobredose de "estímulos" que preparou o caminho para uma recaída que se anuncia terrível.

As fanfarronices dos longínquos anos 1990 sobre o milénio capitalista neoliberal passaram a ser curiosidades históricas; talvez suas últimas manifestações (e já defensivas) foram as campanhas mediáticas, que nos assinalavam o rápido fim das "turbulência financeiras” e o imediato retorno da marcha triunfante da globalização.

Agora, ao iniciar o último trimestre de 2010, as expectativas optimistas do alto comando do planeta (chefes de estado, presidentes de bancos centrais, gurus da moda e outras estrelas dos “media”) estão dando lugar a um pessimismo avassalador. Falam da trajectórias das economias centrais em forma de W, como se após o esvaziamento iniciado em 2007-2008 tivesse ocorrido uma recuperação real, hoje seguido por uma segunda queda, e em cujo término chegaríamos a uma expansão duradoura do sistema, algo como uma segunda penitência que permitiria às elites purgar seus pecados (financeiros) e retomar o caminho ascendente.

A "recuperação" foi apenas um alívio passageiro obtido por uma sobredose de "estímulos" que preparou o caminho para uma recaída que se anuncia terrível. Como o paciente não tem cura, a sua doença não é o resultado de um acidente, de uma mau comportamento ou de um ataque de um vírus (que a super ciência da civilização mais sofisticada da história, mais cedo ou mais tarde, possa controlar), mas sim o passar inexorável do tempo, o envelhecimento irreversível que chegou à etapa senil.

A modernidade capitalista já quase não tem horizontes de referência, o seu futuro visível se retrai a uma velocidade inesperada, a sua possível sobrevivência parece apenas ser possível em forma de um cenários monstruosos, marcados por genocídios, militarizações e destruições ambientais, cuja magnitude não tem precedentes na história humana.

O capitalismo tornou-se finalmente mundial, no sentido mais estrito do termo, logrando chegar até os recantos mais escondidos. Nesse sentido, pode dizer-se que a civilização burguesa de raiz ocidental é agora a única civilização no planeta (incluindo adaptações culturais muito diversas). Mas a vitória da globalização chega ao mesmo tempo em que começa o seu declínio; em outras palavras, se olharmos para este novo século a partir da perspectiva do domínio global de longo prazo do capitalismo, aparece-nos como a primeira etapa de seu declínio e, em consequência, a condição necessária, mas não suficiente, está instalada para a emergência do post capitalismo.

Estamos entrando numa nova era caracterizada pela esfriamento do capitalismo global e pelos fracassos das tentativas para relançar as economias imperialistas, o que coincide com o atolamento na guerra colonial da Eurásia. Nesta área, os Estados Unidos e seus aliados estão a sofrer um desastre geopolítico o qual apresenta, numa primeira aproximação, a imagem de um império cercado. Mas por trás dessa imagem se desenvolve um processo surdo de relançamento imperialista, de nova ofensiva apoiada por seu aparato militar e uma ampla gama de dispositivos de comunicação e ideológicos que a acompanham. Os Estados Unidos vão configurando na sua marcha uma renovada estratégia global e uma política de estado cujos primeiros passos foram dados já no fim da presidência de George W. Bush e que tomou forma com a chegada de Obama à Casa Branca. O império decadente, como outros impérios decadentes do passado, tenta superar o seu declínio económico utilizando ao máximo aquilo que considera a sua vantagem comparativa: o aparato militar. Sua agressividade aumenta o ritmo do seu declínio industrial, comercial e financeiro, suas ilusões militaristas são a compensação psicológica para suas dificuldades diplomáticas e económicas e incentiva o desenvolvimento de aventuras perigosas, de massacres nas áreas periféricas e de atitudes neofascistas.

A nova estratégia inclui o lançamento de uma combinação de acções militares, comunicacionais e diplomáticas, destinadas a fustigar os inimigos e concorrentes, provocar disputas e desestabilizações, criando conflitos e situações mais ou menos caóticas capazes de debilitar as potências medias e grandes e a partir daí restaurar posições de força actualmente em declínio. Como exemplo, podemos citar a extensão da agressão contra o Afeganistão-Paquistão, as ameaças (e preparativos) de guerra contra o Irão e contra a Coreia do Norte, a provocação de contradições entre o Japão e a China, etc..

Além disso, desde o fim da era Bush, se desenvolvem grandes ofensivas sobre a África e especialmente sobre a América Latina, o tradicional quintal do fundo, hoje atravessado por governos esquerdizantes, mais ou menos progressistas que acabaram por configurar um espaço relativamente independente do amo colonial. Aí, a ofensiva dos EUA, aparece como um conjunto de acções concertadas com uma forte dose de pragmatismo, destinadas a recontrolar a região. Sua essência fica revelada quando se detecta o seu objectivo; não se trata agora principalmente de ocupar mercados, de dominar indústrias, de extrair benefícios financeiros, pois já não estamos no século XX. A mirada imperial aponta em direcção a recursos naturais estratégicos (petróleo, grandes territórios agrícolas produtores de biocombustíveis, água, lítio, etc). Em muitos casos as populações locais com suas instituições, sindicatos e o conjunto das suas redes sociais constituem obstáculos a seus projectos, barreiras a eliminar ou a reduzir ao estado vegetativo (nesse sentido, o que ocorreu no Iraque pode ser considerado um caso exemplar).

É necessário tomar consciência de que o poder imperial colocou em marcha uma estratégia de conquista de longo prazo no estilo daquela que implementou na Eurásia; trata-se de uma tentativa depredadora-genocida cujo único precedente na região foi o que ocorreu há quinhentos anos com a conquista colonial.

O fenómeno é tão profundo e imenso que se torna quase invisível aos olhares progressistas, maravilhados com os êxitos fáceis obtidos durante a década passada. Os “progressistas” buscam vias de negociação, equilíbrios “civilizados”, oscilando de fracasso em fracasso porque o interlocutor racional para suas propostas só existe na sua imaginação. Hoje, o sistema de poder do império se apoia numa “razão de estado” baseada no desespero, produzida por um cérebro senil, em última instância, uma razão delirante que vê os acordos, as negociações diplomáticas ou as manobras políticas de seus próprios aliados-lacaios como portas abertas para os seus planos agressivos. A única coisa que realmente lhe interessa é recuperar os territórios perdidos, desestabilizar os espaços não controlados, golpear e golpear para voltar a golpear. A sua lógica se constrói sobre uma sonhada vaga de reconquista cuja magnitude por vezes ultrapassa os próprios estrategas imperiais (e obviamente, a um amplo leque de dirigentes políticos norteamericanos).
Mas o império está doente, é gigantesco mas está cheio de pontos fracos, o tempo corre contra ele, traz novos males económicos, novas degradações sociais e amplifica as áreas de autonomia e rebelião.

O esgotamento dos estímulos

No final de 2010 assistiu-se ao esgotamento dos incentivos financeiros injectados nas potências centrais, processo iniciado a partir do aprofundamento da crise global em 2007-2008.

O caso norte-americano foi descrito de maneira contundente por Bud Comrad, economista chefe da Casey Research: "Em 2009, o governo federal teve um défice fiscal de cerca de 1,5 milhões de milhões de dólares; por seu turno, a Reserva Federal gastou cerca de 1,5 milhões de milhões de dólares para comprar dívidas de hipotecas e, assim, evitar o colapso deste mercado. Isso significa que o governo gastou US$ 3 milhões de milhões para uma pequena recuperação avaliada em 3% do PIB, cerca de 400 mil milhões de dólares em crescimento económico. Pois bem, gastar 3 milhões de milhões de dólares para obter 400 mil milhões é um péssimo negócio… " [1] .

Com as políticas de "estímulo" (uma espécie de neokeynesianismo-neoliberal) não chegou a recuperação durável das grandes potências; o que realmente chegou foi uma avalanche de dívidas públicas: entre 2007 (último ano antes da crise) e 2010, a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto passará de 64% a 84% na Alemanha, de 64% a 94% na França, de 63% a 100% nos Estados Unidos e de 44% a 90% na Inglaterra [2] .

Logo a seguir aconteceu o que inevitavelmente teria que acontecer: iniciou-se a segunda etapa da crise a partir da explosão da dívida pública grega que antecipava outras na União Europeia, afectando não só os países devedores mais vulneráveis mas também aos seus principais credores, diante dos quais se levantava a ameaça de uma sobreacumulação de activos de crédito-lixo: em fins de 2009, as dívidas dos chamados “PIIGS” (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, ou seja, os países europeus expostos pelo sistema mediático como os mais vulneráveis) em relação a França, Inglaterra e Alemanha somavam uns 2 milhões de milhões de dólares, soma equivalente ao 70% do Produto Interno Bruto da França ou a 75% do da Inglaterra.

Se a primeira fase da crise foi marcada por incentivos do governo para o sector privado e a expansão da dívida pública, a segunda fase começa com o início do fim da generosidade do Estado (além de algumas possíveis futuras tentativas de reactivação): a chegada dos cortes de gastos, reduções salariais, aumentos nas taxas de juros, em síntese, a porta de entrada para uma época de contracção ou estagnação económica que se irá mantendo no tempo e se estendendo no espaço.

Estamos nos movendo para o arrefecimento do motor da economia global; os países do G7 sentem-se esmagados pela dívida na sequência de uma reactivação débil e efémera graças às políticas de subsídios. Suas dívidas públicas e privadas vieram crescendo até aproximarem-se agora do seu ponto de saturação; em 1990 as dívidas totais do G7 (públicas + privadas) representavam cerca de 160% da soma dos seus Produtos Internos Brutos; no ano 2000 tinham subido a 180% e em 2010 superavam 380% (110% para as dívidas pública e 270% para as dívidas privadas) [3] .
A escolha a enfrentar agora é simples: tentar acumular mais dívidas, o que lhes permitiria adiar a recessão por um tempo curto (com alta probabilidade de descontrole e elevada turbulência no sistema global), ou entrar em breve num período de recessão (com esperança de controle) que se anuncia muito prolongada; na realidade não se trata de duas alternativas antagónicas, mas sim de um único horizonte negro ao qual se pode chegar por distintos caminhos e a várias velocidades.

Hipertrofia financeira

A chuva de estímulos, transferências massivas de renda para as elites dominantes (com rendimentos aceleradamente decrescentes) aparece como o capítulo mais recente de um amplo ciclo de hipertrofia financeira originada nos anos 1970 (e talvez um pouco antes) quando o mundo capitalista, imerso em uma gigantesca crise de sobreprodução, teve que utilizar, a partir do seu centro imperial, os Estados Unidos, as suas duas muletas históricas: o militarismo e o capital financeiro. Por trás de ambos fenómenos se encontrava um velho conhecido: o Estado, aumentando os seus gastos bélicos, flexibilizando os seus controlos sobre os negócios financeiros, introduzindo reformas no mercado laboral que abaixavam os salários em relação aos aumentos da produtividade.

O processo foi encabeçado pela superpotência hegemónica mas integrando os dois espaços sub-imperialistas associados (Europa Ocidental e Japão). É necessário esclarecer que a unipolaridade no mundo capitalista, com as suas consequências económicas, políticas, culturais e militares, se iniciou em 1945 e não em 1991, embora a partir desta última data (com o derrube da URSS) se tenha tornado planetária.

Tratou-se de uma mudança de época, de uma transformação que permitiu controlar a crise embora degradando o sistema de forma irreversível. As grandes burguesias centrais se deslocaram na sua maior parte para as cúpulas dos negócios especulativos, fundindo interesses financeiros e produtivos, convertendo a produção e o comércio em complexas redes de operações governadas cada vez mais por comportamentos de curto prazo. A hegemonia parasitária, rasgo distintivo da era senil do capitalismo tomou conta dos grandes negócios globais e engendrou uma subcultura, na realidade uma degeneração cultural desintegradora, baseada no individualismo consumista que foi desestruturando os fundamentos ideológicos e institucionais da ordem burguesa. Daí derivaram os fenómenos de crise de legitimidade dos sistemas políticos e dos aparelhos institucionais em geral servindo de caldo de cultura para as deformações mafiosas das burguesias centrais e periféricas (complexo leque de lumpem-burguesias globais).

Tecto energético e “destruição criadora”

Do ponto de vista das relações entre o sistema económico e a sua base material, a depredação (como comportamento central do sistema) começou a tomar o lugar da reprodução. Na realidade, o núcleo cultural depredador existiu desde o grande avanço histórico do capitalismo industrial (em fins do século XVIII, principalmente na Inglaterra) e ainda antes durante o longo período pré-capitalista ocidental. Marcou para sempre os sistemas tecnológicos e o desenvolvimento científico, começando pelo seu pilar energético (carvão mineral e depois o petróleo) e seguindo por uma ampla variedade de explorações mineiras de recursos naturais não renováveis (essa exacerbação depredadora é um dos rasgos distintivos da civilização burguesa comparada com as civilizações anteriores); no entanto, durante as etapas de juventude e maturidade do sistema a depredação estava subordinada à reprodução ampliada do sistema.

A mutação parasitária dos anos 1970-1980-1990 não permitiu superar a crise de sobreprodução mas sim torná-la crónica, embora controlada, amortecida, exacerbando a pilhagem dos recursos naturais não renováveis e introduzindo grandes escalas técnicas que possibilitaram a sobre-exploração de recursos renováveis, violentando, destruindo os seus ciclos de reprodução (é o caso da agricultura baseada em transgénicos e herbicidas de alto poder destrutivo, como o glifosato). Isso ocorria quando vários desses recursos (por exemplo, hidrocarbonetos), se aproximavam do seu nível máximo de extração.

A avalanche do “curto-prazismo” (da financeirização cultural do capitalismo) liquidou toda possibilidade de planificação a longo prazo de uma possível reconversão energética, o que coloca o tema da viabilidade histórico-civilizacional das vias de reconversão (economia de energia, recursos energéticos renováveis, etc). Viabilidade no contexto das relações de poder existentes, das suas estruturas industriais e agrícolas, em síntese, do capitalismo concreto, inseparável da obtenção de “lucros-aqui-e agora”. Não nos referimos já à probabilidade da sobrevivência das gerações futuras.

O sistema tecnológico do capitalismo não estava preparado para uma reconversão energética, a questão não era uma preocupação prioritária para as elites dominantes (o que não lhes impedia de “preocupar-se” com o problema). Não é a primeira vez na história do declínio das civilizações que os interesses imediatos das classes superiores entram em antagonismo com a sobrevivência a longo prazo.

O tecto energético que encontrou a reprodução do capitalismo converge com outros tectos de recursos não renováveis que afectarão rapidamente um amplo espectro de actividades mineiras. A isto se soma a exploração selvagem dos recursos naturais renováveis. Apresenta-se assim um cenário de esgotamento geral de recursos naturais a partir do sistema tecnológico disponível, mais concretamente, do sistema social e seus paradigmas, quer dizer, do capitalismo como estilo de vida (consumista, individualista, autoritário-centralizador-depredador).

Da crise crônica de sobreprodução para a crise geral de subprodução. O longo ciclo do capitalismo industrial.

Por outro lado, a crise de recursos naturais, indissociável do desastre ambiental, converge com a crise da hegemonia parasitária. Nas primeiras décadas da crise crónica, o processo de financeirização impulsionou a expansão consumista (sobretudo nos países ricos), a concretização de importantes projectos industriais e de subsídios públicos para a procura interna, de grandes aventuras militares imperialistas; mas ao fim do caminho as euforias se dissiparam para deixar a descoberto imensas montanhas de dívidas públicas e privadas. A festa financeira (que teve durante o seu trajecto numerosos acidentes) se converte em tecto financeiro que bloqueia o crescimento.

As turbulências de 2007-2008 podem ser consideradas como o ponto de partida para o crepúsculo do sistema; a multiplicidade de crises que explodiram nesse período (financeira, produtiva, alimentaria, energética) convergiram com outras como a ambiental ou a do Complexo Industrial Militar do Império, atolado nas suas guerras asiáticas. Esse somatório de crises não resolvidas travam, impedem, a reprodução ampliada do sistema.

Vista a partir do longo prazo, a sucessão de crises de sobreprodução no capitalismo ocidental durante o século XIX não marcou um simples encadeamento de quedas e recuperações a níveis cada vez mais altos de desenvolvimento das forças produtivas; o que acontecia é que a cada depressão o sistema se recompunha mas acumulando no seu trajecto massas crescentes de parasitismo.

O cancro financeiro irrompeu de forma triunfal, dominante entre fins do século XIX e começos do século XX, obtendo o controlo absoluto do sistema sete ou oito décadas depois; mas o seu desenvolvimento havia começado muito tempo antes, financiando estruturas industriais e comerciais cada vez mais concentradas e os estados imperialistas de onde se expandiam as burocracias civis e militares. A hegemonia da ideologia do progresso e do discurso produtivista serviu para ocultar o fenómeno, instalou a ideia de que o capitalismo, ao invés das civilizações anteriores, não acumulava parasitismo mas somente forças produtivas que, ao expandir-se, criavam problemas de inadaptação, superáveis no interior do sistema mundial, resolvidos através de processos de “destruição criadora”. O parasitismo capitalista em grande escala, quando se tornava evidente, era considerado como uma forma de “atraso” ou uma “degeneração” passageira na marcha ascendente da modernidade.

Essa maré ideológica influenciou também boa parte do pensamento anticapitalista (em última instância “progressista”) dos séculos XIX e XX, convencido de que a corrente imparável do desenvolvimento das forças produtivas terminaria por afrontar as relações capitalistas de produção, saltando por cima delas, esmagando-as com uma avalanche revolucionária de operários industriais dos países mais “avançados” aos quais se seguiriam os dos chamados “países atrasados”. A ilusão do progresso indefinido ocultou a perspectiva da decadência e dessa maneira deixou a meio caminho o pensamento crítico, lhe retirou radicalidade, com consequências culturais negativas para os movimentos de emancipação dos oprimidos do centro e da periferia.

Por seu lado, o militarismo moderno tem as suas raízes mais recentes no século XIX, desde as guerras napoleónicas, chegando à guerra franco-prussiana, até irromper, na primeira guerra mundial, como “Complexo Militar Industrial” (embora seja possível encontrar antecedentes importantes no Ocidente nas primeiras indústrias de armamento de tipo moderno, aproximadamente a partir do século XVI). No seu começo, ele foi apercebido como um instrumento privilegiado das estratégias imperialistas e como reactivador económico do capitalismo, mas este é apenas um aspecto do fenómeno que ocultava ou subestimava a sua profunda natureza parasitária, o facto de que por trás do monstro militar ao serviço da reprodução do sistema se ocultava um monstro muito mais poderoso a longo prazo: o do consumo improdutivo, causador de défices públicos que, no fim do seu percurso, não incentivam mais a expansão mas sim a estagnação ou a contracção da economia.

Actualmente, o Complexo Militar Industrial norte-americano (em torno do qual se reproduzem os seus sócios da NATO) gasta em termos reais mais de um bilião (um milhão de milhões) de dólares, contribui de maneira crescente para o défice fiscal e, por conseguinte, para o endividamento do Império (e a prosperidade dos negócios financeiros beneficiários do dito défice). A sua eficácia militar é declinante mas a sua burocracia é cada vez maior, a corrupção penetrou em todas as suas actividades e já não é o grande gerador de empregos, como em outras épocas, pois o desenvolvimento da tecnologia industrial-militar reduziu significativamente esta função (a época do keynesianismo militar como eficaz estratégia anti-crise pertence ao passado). Ao mesmo tempo, é possível constatar que nos Estados Unidos se produziu uma integração de negócios entre a esfera industrial-militar, as redes financeiras, as grande empresas energéticas, os grupos mafiosos, as “empresas” de segurança e outras actividades muito dinâmicas, conformando assim o espaço dominante do sistema de poder imperial.

Nem a crise energética em torno da chegada do “Peak Oil” (a faixa de máxima produção petrolífera mundial, a partir da qual se desenvolve o seu declínio) deveria ser restringida à história das últimas décadas; é necessário entendê-la como a fase declinante do amplo ciclo da exploração moderna dos recursos naturais não renováveis, desde o começo do capitalismo industrial que pôde realizar o seu arranque e posterior expansão graças a esses combustíveis energéticos abundantes, baratos e facilmente transportáveis, desenvolvendo em primeiro lugar o ciclo do carvão, sob hegemonia inglesa no século XIX, e logo o ciclo do petróleo, sob hegemonia norte-americana no século XX. Este ciclo energético condicionou todo o desenvolvimento tecnológico do sistema e foi a vanguarda da dinâmica depredadora do capitalismo estendida ao conjunto dos recursos naturais e do ecossistema em geral.

Em síntese, o desenvolvimento da civilização burguesa durante os dois últimos séculos (com raízes num passado ocidental muito mais antigo) terminou por engendrar um processo irreversível de decadência; a depredação ambiental e a expansão parasitária, estreitamente interrelacionadas, estão na base do fenómeno. A dinâmica do desenvolvimento económico do capitalismo, marcada por uma sucessão de crises de sobreprodução, constitui o motor do processo depredador-parasitário que conduz inevitavelmente a uma crise prolongada de subprodução (o capitalismo obrigado a crescer e a depredar indefinidamente para não perecer, termina por destruir a sua base material). Existe uma interrelação dialéctica perversa entre a expansão da massa global de lucros, sua velocidade crescente, a multiplicação das estruturas burocráticas civis e militares de controlo social, a concentração mundial de rendimentos, a subida da maré parasitária e a depredação do ecossistema.

Isso significa que a superação necessária do capitalismo não aparece como o passo indispensável para prosseguir “a marcha do progresso”, mas, em primeiro lugar, como tentativa de sobrevivência humana e do seu contexto ambiental.

A decadência é a última etapa de um amplo super ciclo histórico, sua fase declinante, seu envelhecimento irreversível (sua senilidade). Extremando os reducionismos, tão praticados pelas “ciências sociais”, poderíamos falar de “ciclos” de distinta duração: energético, alimentar, militar, financeiro, produtivo, estatal, etc., e assim descrever em cada caso percursos que se iniciam no Ocidente, entre fins do século XVIII e começos do século XIX, com raízes anteriores e envolvendo espaços geográficos crescentes até assumir finalmente uma dimensão planetária, para, em seguida, cada um deles entrar em declínio. A coincidência histórica de todos esses declínios e a fácil detecção de densas interrelações entre todos esses ciclos nos sugerem a existência de um único super ciclo que os inclui a todos. Trata-se do ciclo da civilização burguesa que se expressa através de uma multiplicidade de “aspectos” (produtivo, moral, político, militar, ambiental, etc.).

Declínio do Império, relançamento militarista, ilusões periféricas e insurreição global

Toda a história do capitalismo gira, desde fins do século XVIII, em torno do domínio, primeiro inglês e em seguida estadunidense. Capitalismo mundial, imperialismo e predomínio anglo-norteamericano constituem um só fenómeno (agora decadente).

A articulação sistémica do capitalismo aparece historicamente indissociável do articulador imperial, mas num futuro previsível não aparece nenhum novo imperialismo global ascendente; em consequência, o planeta burguês vai perdendo uma peça decisiva do seu processo de reprodução. A União Europeia e o Japão são tão decadentes como os Estados Unidos. A China baseou a sua espectacular expansão numa grande ofensiva exportadora para os mercados, agora em declínio, dessas três potências centrais.

O capitalismo vai ficando à deriva a menos que prognostiquemos o surgimento próximo de um tipo de mão invisível universal (e burguesa) capaz de impor a ordem (monetária, comercial, político-militar,etc.). Neste caso estaríamos extrapolando ao nível da humanidade futura a referência à mão invisível (realmente inexistente) do mercado capitalista afirmada pela teoria económica liberal.

O declínio da maior civilização jamais conhecida na história humana apresenta vários cenários para o futuro: alternativas de auto-destruição e de regeneração, de genocídio e de solidariedade, de desastre ecológico e de reconciliação do homem com seu meio ambiente. Estamos retomando um velho debate sobre alternativas interrompido pela euforia neoliberal; a crise rompe o bloqueio e nos permite pensar o futuro.

Voltemos à reflexão inicial deste texto: o início do século XXI assinala um paradoxo crucial: o capitalismo assumiu claramente uma dimensão global, mas iniciou igualmente o seu declínio.

Por outro lado, cem anos de revoluções e contra revoluções periféricas produziram grandes mudanças culturais: agora na periferia (completamente modernizada, isto é, completamente subdesenvolvida) existe um enorme potencial de autonomia nas classes baixas. Ali se apresenta o que de maneira talvez demasiado simplista poderíamos definir como património histórico democrático forjado ao longo do século XX. Os povos periféricos submergidos construíram sindicatos, organizações camponesas, participaram em votações de todo o tipo, fizeram revoluções (muitas delas com bandeiras socialistas), reformas democratizantes; na maior parte das vezes fracassaram. Tudo isto forma parte da sua memória, não desapareceu; pelo contrário, é experiência acumulada, processada em geral de maneira subterrânea, invisível para os observadores superficiais. Isto foi reforçado pela própria modernização que, por exemplo, lhes fornece instrumentos comunicacionais que lhes permite interactuar, intercambiar informações, socializar reflexões. Finalmente, a decadência geral do sistema, o possível começo do fim da sua hegemonia cultural, abre um gigantesco espaço para a criatividade dos oprimidos.

A guerra euro-asiática engendrou um imenso pântano geopolítico do qual os ocidentais não sabem como sair, consolidou e estendeu espaços de rebelião e autonomia cuja contenção é cada dia mais difícil, situação perante a qual o Império redobra as suas ameaças e agressões. A Coreia do Norte não pôde ser dobrada, nem tão pouco o Irão, a resistência palestina segue de pé e Israel, pela primeira vez na sua história, sofreu uma derrota militar no sul do Líbano; a guerra do Iraque não pôde ser ganha pelos Estados Unidos o que os coloca ali numa situação na qual todos os caminhos conduzem à perda do poder nesse país.

No outro extremo da periferia, América Latina, o despertar popular transcende os governos progressistas e deteriora estrategicamente as poucas oligarquias direitistas que ainda controlam o poder político. O projecto estadunidense de restauração de “governos amigos” tropeça num escolho fundamental: a profunda degradação das elites aliadas, sua incapacidade para governar em vários dos países candidatos à viragem para a direita, sendo que o Império não pode (não está em condições) de deter ou desacelerar a sua ofensiva, à espera de melhores contextos políticos. O ritmo da sua crise sobredetermina a sua estratégia regional; em última instância, isto não é completamente diferente da situação na Ásia onde a dinâmica imperial combina a sofisticação e a variedade de técnicas e estruturas operativas disponíveis com um comportamento absolutamente rude.

Se observarmos o conjunto da periferia actual a partir do longo prazo histórico, vemos um poder imperial desorientado enfrentando uma onda gigantesca e plural de povos submergidos desde o Afeganistão até a Bolívia, desde a Colômbia até as Filipinas, expressão da crise da modernidade subdesenvolvida. É o começo de um despertar popular muito superior ao do século XX.

Em meio a estas tensões aparece um leque colorido de ilusões periféricas fundadas na possibilidade de gerar uma desconexão encabeçada pelas nações chamadas emergentes; o que é no fundo uma fantasia que não toma em consideração o facto decisivo de que todas as “emergências” (as da Rússia, China, Brasil, Índia, etc) se apoiam na sua inserção nos mercados dos países ricos. Se esses estados que vêm praticando neokeynesianismos mais ou menos audazes, compensando o esfriamento global, quisessem aprofundar esses impulsos de mercado interno e/ou interperiféricos, se encontariam, cedo ou tarde, com as barreiras sociais dos seus próprios sistemas económicos, ou, para descrevê-lo de outra maneira, com os seus próprios capitalismos realmente existentes, em especial, os interesses das suas burguesias financeirizadas e transnacionalizadas.

À medida que a crise se aprofunde, que as debilidades do capitalismo periférico se tornem mais visíveis, que as bases sociais internas das burguesias imperialistas se deteriorem e que o desespero imperial se agudize, a vaga popular global já em marcha não terá outro caminho senão o da sua radicalização, sua transformação em insurreição revolucionária. Complexa, possuindo distintas velocidades e com construções (contra)culturais diversas, avançando a partir de distintas identidades, até à superação do inferno. É somente a partir dessa perspectiva que é possível pensar o postcapitalismo, o renascimento (a reconfiguração) da utopia comunista, já não como resultado da “ciência” social elitista, a partir da superação pelo interior da civilização burguesa através de um tipo de “abolição suave” mas sim da sua negação integral em tanto que expansão ilimitada da pluralidade, recuperando as velhas culturas igualitárias, solidárias, elevando-as até um colectivismo renovado.

Os movimentos insurgentes da periferia actual costumam ser apresentados pelos meios globais de comunicação como causa perdidas, como resistências primitivas à modernização ou como o resultado da actividade de misteriosos grupos de terroristas. A resistência no Afeganistão e na Palestina ou a insurreição colombiana aparecem nessa propaganda protagonizando guerras que nunca poderiam ganhar frente a aparelhos super poderosos; não faltam os pacificadores profissionais que aconselham os combatentes a pôr de lado a sua intransigência e negociar alguma forma de rendição vantajosa “antes que seja tarde demais”. O século XX deveria ser uma boa escola para aqueles que se impressionam com o gigantismo e a eficácia dos aparelhos militares (e dos aparelhos burocráticos em geral) porque este século viu o nascimento vitorioso dos grandes aparelhos modernos, como é hoje o Complexo Militar Industrial dos Estados Unidos, e também foi testemunha da sua ruína, da sua derrota diante de povos em armas, diante da criatividade e da insubmissão dos de baixo.

Nos anos 1990, os neoliberais nos explicavam que a globalização constituía um fenómeno irreversível, que o capitalismo havia adquirido uma dimensão planetária que arrasava com todos os obstáculos nacionais ou locais. Não se davam conta de que essa irreversibilidade, transformada pouco depois em decadência global do sistema, abria as portas a um sujeito inesperado: a insurreição global do século XXI; o tempo (a marcha da crise) joga a seu favor. O império e seus aliados directos e indirectos quiseram fazê-la abortar, começando por tentar apagar a sua dimensão universal, tratando mediaticamente de transformá-la (fragmentá-la) em uma modesta colecção de resíduos locais sem futuro, mas essas supostas resistências residuais possuem uma vitalidade surpreendente, se reproduzem, sobrevivem a todas as tentativas de extermínio e quando visionamos o percurso futuro do declínio civilizacional em curso, a profunda degradação do mundo burguês, o seu caminhar para a barbárie antecipando crimes ainda maiores, então a globalização da insurreição popular aparece como o caminho mais seguro para a emancipação das maiorias submergidas, o que é também a sua única possibilidade de sobrevivência digna.

NOTAS:

(1) Bud Comrad, 'Beyond the Point of No Return', GooldSeek, 12 de Maio de 2010.
(2) 'La explosion de la deuda pública. Previsiones de la OCDE para 2010', AFP,25-11-2009.
(3) Fonte: FMI, OCDE, McKinsey Global Institute.

Textos do autor em resistir.info:

• No princípio de uma longa viagem , 28/Dez/09
• A crise na era senil do capitalismo , 16/Mar/09
• Rumo à desintegração do sistema global , 04/Mar/09
• A junção depressiva global (radicalização da crise) , 18/Fev/09
• Rostos da crise: Reflexões sobre o colapso da civilização burguesa , 12/Nov/08
• Inflação, agronegócios e crise de governabilidade , 21/Jul/08
• O naufrágio do centro do mundo: Os EUA entre a recessão e o colapso , 08/Mai/08
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[*] Doutorado em economia e professor catedrático das universidades de Buenos Aires e Córdoba, na Argentina, e de Havana, em Cuba. É autor de 'Capitalismo senil: a grande crise da economia global', publicado no Brasil pela editora Record (2001). Dirige o Instituto de Pesquisa Científica da Universidade da Bacia do Prata e publica regularmente em Le Monde Diplomatique (em castelhano). Este texto é uma comunicação ao Primeiro Encontro Internacional sobre "O direito dos povos à revolta", Caracas 7-8-9 Outubro de 2010, o dia do guerrilheiro heróico.

*A tradução em português foi publicada originalmente em http://www.ocomuneiro.com/nr12_2_jorgebeinstein.html

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