Caso Freeport - De corrupção a extorsão em seis anos
AUGUSTO FREITAS DE SOUSA - i Informação
Charles Smith e Manuel Pedro são acusados de tentar extorquir 2,4 milhões de euros aos ingleses
Das sete pessoas que tinham sido constituídas arguidas ao longo da investigação do processo Freeport, que começou em Outubro de 2004, só duas foram ontem objecto de acusação pelo Ministério Público. Charles Smith e Manuel Pedro deverão receber ainda hoje o despacho de acusação por tentativa de extorsão. Ao contrário do que chegou a ser noticiado, os dois sócios da empresa Smith & Pedro, que fazia consultoria à Freeport ILC, não foram acusados de corrupção, branqueamento de capitais e financiamento ilegal de partidos políticos. Nem sequer de tráfico de influências.
Os arguidos e os respectivos advogados ainda não tinham sido notificados ontem, à hora do fecho desta edição. Mas uma longa nota da Procuradoria-Geral da República, que confirma as acusações que caíram, determinava que o processo só será tornado público após a sua notificação.
A nota, que fazia uma síntese do inquérito levado a cabo pela Polícia Judiciária de Setúbal, não esclarecia qual era o crime de que Charles Smith e Manuel Pedro iriam ser acusados. O i soube, porém, que o único crime que consta da (muito) extensa acusação é o crime de extorsão na forma tentada. Os crimes de fraude fiscal passam a estar num processo autónomo.
A tese da acusação assinada por Paes de Faria e Vítor Magalhães assenta numa reunião tida em Lisboa, no escritório de advogados de que era sócio José Francisco Gandarez, então genro do ministro da Economia, Mário Cristina de Sousa. Nessa reunião, da qual existe nos autos uma acta informal, terá sido decidido pedir ao Freeport um pagamento de 10 milhões de libras para que o projecto do outlet de Alcochete fosse aprovado num período de 90 dias.
A reunião relatada no processo teve lugar no escritório de advogados de Alberico Antunes e de José Gandarez e dela terá saído o pedido inicial de 2 milhões de contos (cerca de 10 milhões de euros), para a aprovação do projecto Freeport. Todavia, o i apurou que os mesmos advogados se recusaram a ser portadores da proposta, deixando a Manuel Pedro e a Charles Smith a tarefa de comunicarem a proposta aos ingleses do Freeport. É por isso que ambos são, agora, acusados de tentativa de extorsão, ainda que de apenas 2,4 milhões de euros.
Início atribulado
Foi a própria Maria Alice Fernandes, directora da Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal, que explicou que o inspector José Torrão – ao serviço desta directoria –, deu notícia de que os ingleses do Freeport estariam na posse de documentos que atestavam corrupção e participação económica em actos ilícitos. Foi a mesma directora que sugeriu que os denunciantes fizessem chegar uma carta anónima à PJ para que se pudesse abrir uma averiguação preventiva – a que foi atribuído o n.o 73/2004 e que viria a dar origem ao processo.
Segundo a defesa de Charles Smith, em carta enviada à Procuradoria-Geral da República, o inspector Torrão teria recebido orientações de um conjunto de pessoas – conhecido como grupo da Aroeira – onde estavam o ex-chefe de gabinete de Santana Lopes, Miguel Almeida, o empresário Armando Jorge Carneiro, entre outros empresários e alguns jornalistas. Ainda segundo a responsável de Setúbal, foi José Torrão que criou a convicção, designadamente na inspectora responsável pelo inquérito, Carla Gomes, da urgência de avançar com o processo. Maria Alice Fernandes disse que aquele inspector lhe confessou ter feito chegar ao semanário “Independente” o “auto de busca 2” que envolvia a mãe de Sócrates e o próprio primeiro-ministro, quando era titular da pasta do Ambiente.
A carta anónima que chegou às mãos da PJ e que está no processo, refere que “nas vésperas das eleições autárquicas de 2001, o projecto do Freeport foi chumbado pelo Ministério do Ambiente, na altura liderado por José Sócrates”. Na carta pode ler-se que, “ao que consta, houve entrega de dinheiro ao ministro e apoio à campanha eleitoral autárquica do Partido Socialista”.
A Averiguação Preventiva n.o 73/2004 conclui que “este processo conheceu uma celeridade inusitada e nada comum nos procedimentos de avaliação de impacto ambiental”. Na conclusão considerava-se “existirem fortes suspeitas da prática do crime de corrupção e participação económica em negócio”. Envolvia os nomes do líder da Câmara de Alcochete, José Inocêncio, do ex-vice-presidente do Instituto da Conservação da Natureza, José Marques, da vereadora Honorina Silvestre e do empresário Manuel Pedro. A conclusão foi assinada por Carla Gomes, a investigadora que levou o caso até ao fim.
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