quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cabinda: GUERRA FRIA NO INTERIOR DA GUERRILHA


RUI NEUMAN - JORNAL DIGITAL

Lisboa – Aos 83 anos, Nzita Tiago, líder histórico da resistência cabindesa, ora é aclamado e exaltado, ora é exonerado e desmistificado. Uns querem o presidente vivo e outros em mármore. As duas alas que emergiram na FLEC defendem objectivos comuns, estratégias semelhantes, mas declaram reciprocamente uma Guerra Fria.

A Frente de Libertação do Estado (ex Enclave) de Cabinda (FLEC) esta mergulhada numa bicefalia ímpar onde Estanislau Miguel Boma e Gabriel Nhemba «Pirilampo» reivindicam a legitimidade do posto de Chefe de Estado Maior e ambos defendem a figura de Henriques Nzita Tiago, como Presidente honorário e o segundo como legitimo Presidente em funções.

A bicefalia atinge também os objectivos do movimento atingido pela cisão de facto. O último comunicado de Estanislau Boma e Alexandre Tati, ex vice Presidente, lança fugazmente a designação de «FLEC interior» que os distancia de uma «FLEC exterior» composta pelos representantes do movimento no «estrangeiro», especialmente na Europa, exonerados em bloco pelas chefias militares.

O futuro político do líder histórico da FLEC, Nzita Tiago, é outro ponto de simultânea concórdia e discórdia. Ambos os campos evitam excluir definitivamente a figura do patriarca da resistência. Tati e Boma decidiram reformar o Presidente e conceder-lhe poderes virtuais. Os fiéis de Nzita, entre os quais o recém-nomeado CEMG, «Pirilampo», consideram que a exoneração do Presidente é ilegal à luz dos estatutos do movimento e o «Velho permanece o chefe».

Todavia ambos os campos defendem visões comuns e estratégias semelhantes: A crise interna na FLEC não pode ser considerada como um «golpe de estado» ou cisão; uma reforma no organigrama da FLEC é necessária, a qual permitiria de dar um novo folgo a uma diplomacia moribunda sem resultados práticos; manutenção do cessar-fogo unilateral anunciado por Estanislau Boma pouco dias após o ataque à delegação da equipa de futebol togolesa a 08 de Janeiro; disponibilidade para negociações com Angola financiadas por Luanda.

Apesar dos pontos comuns as duas alas divergem nos métodos. Os fiéis de Nzita defendem que qualquer alteração nas estruturas da FLEC deverá ser efectuada após concertação do Nkoto Likanda (Conselho do Povo de Cabinda criado em 2004 na Holanda), maioritariamente defendendo a manutenção dos combates no enclave, mas considerando que o actual cessar-fogo é necessário. Nzita Tiago insiste na realização de uma reunião inter-cabindesa onde deveriam ser definidas as bases das propostas a apresentar em futuras negociações com Angola assim como o Estatuto Político de Cabinda. A mesma corrente recusa que o seu interlocutor angolano seja o «ex camarada de armas», e ex líder da resistência, António Bento Bembe, receando serem integrados e associados à iniciativa do Memorando de 2006 que tanto condenaram.

Na tentativa de evitar a cisão da ala militar da FLEC, coluna vertebral da resistência, Nzita, por um lado exonera os históricos Alexandre Tati, Estanislau Boma, José Veras e Carlos Moisés «Rótula» e por outro promove os veteranos João Baptista Ngimbi «Sem Família» e Silvestre Luemba quando estes permanecem solidários com as posições de Tati e Boma e não reconhecem autoridade do Presidente.

Com o objectivo de oficializar as mudanças estruturais no movimento e preparar uma «contra-ofensiva», foi convocada para 20 de Agosto na capital francesa, Paris, uma reunião extraordinária do Nkoto Likanda.

O círculo de Alexandre Tati defende que o fiasco da acção diplomática dos representantes na Europa e a situação de colapso financeiro da FLEC não permitem ao movimento prosseguir os combates sendo assim necessário prolongar «sine die» o cessar-fogo unilateral. As negociações, já em curso, são assim necessárias independentemente do interlocutor que Angola impor, seja António Bento Bembe, Vieira Dias «Kopelipa» ou José Maria. Não consideram também um «tabu» que as reuniões preliminares, preparatórias das negociações, decorram em Luanda e que estas sejam financiadas por Angola. Contudo, simbolicamente, a assinatura de um acordo deverá decorrer num país terceiro, preferencialmente africano e nunca assinar a paz da «província do extremo norte angolano na província do extremo sul de Angola», Namibe, como aconteceu com a equipa de Bento Bembe.

Para Angola as convulsões na FLEC e eventuais negociações são problemas secundários e menores. Prefere lançar oficialmente Bento Bembe para o foco das atenções, como se tratasse de «um negócio entre cabindas», mantendo-se oficiosamente nos bastidores controlando todas as etapas e movimentações. Em caso de fiasco a responsabilidade será atribuída exclusivamente a Bento Bento que assumirá as consequências. O sucesso será interpretado como o prolongamento do Memorando de Entendimento de 2006, consequente da pacificação política de Cabinda exigida pelas ONG internacionais, e uma vitória do presidente angolano, José Eduardo dos Santos.

Para António Bento Bembe a perspectiva de futuras negociações com a ala militar da FLEC são encaradas como o sucesso da sua contestada iniciativa de 2006. No entanto são reveladoras do fiasco das negociações e declarações de Bento Bembe que até Janeiro de 2010 não reconhecia actividade da guerrilha em Cabinda, proclamara o fim da FLEC, insistira que representava todas as tendências cabindesas e qualificara como grupos isolados de «bandidos» os actuais negociadores da resistência. Bento Bembe sabe também que durante o processo negocial terá de partilhar com os guerrilheiros recém-chegados cargos nas empresas públicas, postos diplomáticos, patentes militares, reformas e regalias em detrimento daqueles por ele beneficiados em 2006, intensificando assim as querelas já existentes no seu círculo de fiéis.

Enquanto rodopiam os interlocutores nas danças das preliminares, os principais ideólogos das estratégias para o diálogo e busca de uma solução pacífica para Cabinda estão detidos. Raul Tati, Belchior Lanzo Tati, Francisco Luemba entre outros, foram condenados por «actos contra a segurança do Estado», e transformaram-se numa segunda versão de Artur Tchibassa que continua a cumprir uma pena de 24 anos e seis meses, numa prisão de alta segurança norte-americana, por uma acção onde é responsabilizado directamente António Bento Bembe, suposta pedra basilar das negociações em curso.
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