sexta-feira, 20 de agosto de 2010

«Pode custar-me a vida, mas mortes de Nino e de outros serão esclarecidas»


NOTÍCIAS LUSÓFONAS

Quem o diz, mesmo sabendo que corre o risco de também ser assassinado, é o Presidente da Guiné-Bissau, Bacai Sanhá

O Presidente da Guiné-Bissau disse hoje que nem que tenha que custar a sua vida, os assassínios de dirigentes do país ocorridos em 2009, entre os quais o do seu antecessor, João Bernardo ‘Nino’ Vieira, serão esclarecidos, mas pediu paciência aos familiares. É uma afirmação corajosa e realista que, contudo, se espera não esteja correcta.

Malam Bacai Sanhá recebeu hoje um grupo de pessoas, familiares e amigos de dirigentes políticos e militares assassinados no país em 2009, entre os quais ‘Nino’ Vieira, o ex-chefe das Forças Armadas, Tagmé Na Waié e os ex-deputados Hélder Proença e Baciro Dabó.

Após ouvir a preocupação do grupo, que está a desenvolver iniciativas no sentido de pedir a realização da justiça, o Presidente guineense lembrou aos presentes na audiência que já na campanha eleitoral havia prometido esclarecer todos os assassínios políticos ocorridos no país antes da sua eleição para a chefia do Estado.

“Não o disse apenas em campanha eleitoral para que possa ter o voto do povo, não. Também não o disse para mostrar que sou famoso ou valente, disse-o com os meus sentimentos, como homem, como guineense e como companheiro de camaradas que foram vítimas dos assassinatos”, afirmou, em crioulo, Malam Bacai Sanhá.

“Disse-o e vou repetir: Pode custar-me a vida, a minha vida, mas este problema será esclarecido. Posso perder a vida por isso, mas tudo será esclarecido”, acrescentou o Presidente guineense.

Bacai Sanhá pediu, contudo, ao grupo que tenha paciência com alguma morosidade na condução dos inquéritos, sublinhando que o país enfrenta dificuldades, mas ele mesmo não descansará enquanto não forem esclarecidos os assassínios.

“Peço-vos apenas que tenham paciência um bocado. Há dificuldades, há problemas, mas pouco a pouco vamos resolvê-los. Há um ‘status quo’, mas vamos vencê-lo”, indicou o chefe de Estado guineense, sublinhando que o país não poderá ter paz se não houver justiça.

“Este problema tem que ser esclarecido, porque não podemos pensar na reconciliação, na paz, na democracia num país sem justiça, num país em que impera a impunidade. Isso não é possível”, observou Malam Bacai Sanhá.

Em nome dos familiares e amigos dos assassínios, falou Roberto Cacheu, antigo secretário de Estado da Cooperação Internacional, para dizer ao Presidente guineense que o grupo está “bastante preocupado”.

“Estamos bastante preocupados, por isso viemos pedir ao Presidente que use as suas influências para que haja justiça nestes casos”, destacou ainda o porta-voz do grupo.

O chefe das Forças Armadas guineenses, o general Tagmé Na Waié, e o presidente João Bernardo “Nino” Vieira, foram assassinados respetivamente nos dia 1 e 2 de março de 2009. Nenhuma pessoa foi acusada, desde então, por suspeita de envolvimento naqueles crimes.

No mesmo ano, em Junho, foram assassinados os deputados Hélder Proença e Baciro Dabó, que era também candidato à Presidência da República.

Elogios à conferência de paz

Entretanto, responsáveis políticos, religiosos e militares da Guiné-Bissau elogiaram hoje a iniciativa de promoção de uma conferência para a busca das causas de conflitos no país e prometeram contribuir para que a acção traga pistas e estratégias para acabar com a divisão no país.

O primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, o antigo Presidente de Transição, Henrique Rosa, o bispo de Bissau, D. José Camnaté Na Bissign, o representante dos imãs da Guiné-Bissau, Mamadu Cissé e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Antonio Indjai, foram unânimes em considerar “benéfica para o país” a iniciativa hoje lançada no Parlamento.

O primeiro-ministro, Gomes Júnior, pediu que as discussões que vão ter lugar no âmbito da conferência, sejam “frontais e sinceras” de forma a analisar friamente as causas de conflitos que, disse, têm conduzido o país para uma “situação de precariedade grave”.

O ex-presidente de transição, Henrique Rosa, notou, por seu lado, que a iniciativa é boa porque vai permitir que os guineenses se questionem os motivos pelos quais não se entendem e têm vindo a viver em sobressaltos desde a independência do país.

“A iniciativa é boa, cria expectativas. Esperamos que, de facto, todas as intenções se concretizem. A Guiné-Bissau desde a sua independência tem vivido em sobressaltos. Mas, como dizia o nosso Presidente, chegou a hora de nos entendermos”, afirmou Henrique Rosa.

Os líderes religiosos, D. Camnaté Na Bissgn, bispo de Bissau e Mamadu Cissé, representante dos imãs da Guiné-Bissau, consideram a iniciativa “uma oportunidade para aprofundamento da busca da verdade” no país. Tanto um como outro prometeram todos os apoios o sucesso da conferencia.

“É um trabalho de qualquer religioso”, indicou o imã Mamadu Cissé e bispo D. Camnaté destacou o papel da verdade na edificação da paz e desenvolvimento em qualquer sociedade.

Por seu lado, o general António Indjai, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, afirmou que os militares guineenses “já sentem vergonha” pela situação do país, pelo que “vão tomar parte activa nesta conferência”.

“Penso que esta conferência vai deixar um marco histórico no nosso país. Os militares estão dispostos a colaborar com o povo, com a justiça, com todos, para que o nosso país possa ir para o desenvolvimento”, afirmou o tenente-general António Indjai, que se fazia acompanhar dos chefes dos três ramos das Forças Armadas.

Sebastião Isata representa a União Africana

O angolano Sebastião Isata, antigo vice-ministro das Relações Exteriores de Angola, é o novo Representante Especial do Presidente da Comissão da União Africana (UA) para a Guiné-Bissau, nomeado em finais de Julho.

A informação foi hoje avançada pela agência de notícias angolana ANGOP, que teve acesso à nota enviada pelo presidente da Comissão da União Africana, Jean Ping, à embaixada de Angola na Etiópia sobre a nomeação.

Sebastião Isata substitui no cargo o também angolano João Miranda, recentemente nomeado para governar a província do Bengo.

Em declarações à Angop, Sebastião Isata disse que a sua escolha se deveu ao apoio que as autoridades angolanas, com o empenho do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, têm dado à Guiné-Bissau para ultrapassar a situação prevalecente naquele país.

“Nada vem do nada, devo dizer que para que esta nomeação se efectivasse houve a indicação do candidato pelo Presidente José Eduardo dos Santos”, disse Sebastião Isata.

O novo representante Especial do Presidente da Comissão da UA para a Guiné-Bissau disse saber que o seu trabalho não será fácil, por se tratar de um país “politicamente conturbado”.

Sebastião Isata é natural da província angolana do Uige, tem 58 anos e tem mestrado em Relações Internacionais, nos Estados Unidos da América, e até à data da sua nomeação era docente da cadeira de direito internacional em várias universidades de Angola. Possui ainda doutoramento em relações internacionais e mestrado em ciências políticas.

No governo angolano, ocupou o cargo de vice-ministro das Relações Exteriores para os assuntos internacionais, com destaque para os africanos.

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