sexta-feira, 23 de julho de 2010

O BORDEL LUSÓFONO


DANIEL OLIVEIRA – Expresso

A CPLP nunca foi um clube de democracias. Mas a entrada da Guiné Equatorial ultrapassa todos os limites. Inventa-se uma língua oficial por decreto e recebe-se uma das piores ditaduras do Mundo. Assim já se pode tratar de negócios.

"A CPLP estimulará a cooperação entre os seus membros com o objectivo de promover as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos Direitos Humanos". É isto que podemos ler, sem nos rirmos, nos estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A mesma CPLP onde estão democracias consolidadas (Portugal, Brasil e Cabo Verde), países em processo de democratização (Moçambique, São Tomé e Timor-Leste), um país com um chefe de Estado não eleito (Angola) e um narco-estado (Guiné-Bissau).

Ainda assim, são tudo países com uma história e uma língua oficial comum. Os estatutos da CPLP podem, nestes casos, ser vistos como um incentivo. E, bem vistas as coisas, com excepção da Guiné-Bissau, que está muito próximo de receber o estatuto de Estado falhado, já todos tiveram mais longe de conseguir.

Uma coisa bem diferente disto é aceitar na CPLP uma ditadura, onde as prisões políticas, a tortura e a aplicação da pena de morte são frequentes. É verdade que passarão a ter o português como terceira língua oficial que ninguém fala (há um criolo - o Fá d'Ambô - semelhante ao de São Tomé na pequena ilha de Ano Bom, com cinco mil habitantes). Mas até nisso a entrada da Guiné Equatorial é um insulto à liberdade. Só uma ditadura poderia impor a um povo, por puro oportunismo, uma língua já não lhe diz nada.

Alguns dados sobre este país, dirigido com mão de ferro pelo Presidente Teodoro Obiang, um dos piores ditadores do Mundo, no poder desde 1979, depois de um sangrento golpe de Estado:

Sendo o terceiro país mais pequeno da África Ocidental, tem o rendimento médio per capita mais elevado de toda a África subsariana, comparável ao de Itália, muito graças ao petróleo. Excelente? Nem por isso. Apesar de tanto dinheiro, 70 por cento da população vive abaixo do limiar de pobreza. Segundo a Human Rights Watch, apesar da inundação de dinheiro do petróleo, os indicadores de educação e saúde pioraram. Ou seja, ao pé deste candidato à adesão à CPLP, Angola é uma sociedade igualitária.

A corrupção e o terror é o regime político escolhido por Obiang. Para se ficar com uma ideia, em 180 países analisados pela Transparency International , é o 12º mais corrupto (Angola é o 18º). A Freedom House punha-o entre os nove países com mais graves violações aos direitos humanos e à liberdade de expressão. Na sua companhia estão Myanmar, Eritreia, Líbia, Coreia do Norte, Somália, Sudão, Turquemenistão e Uzbequistão.

Volto aos estatutos da CPLP, mais uma vez sem me rir. Seria dado estatuto de observador "aos Estados que, embora não reunindo as condições necessárias para ser membros de pleno direito da CPLP, partilhem os respectivos princípios orientadores, designadamente no ue se refere à promoção das práticas democráticas, à boa governação e ao respeito dos direitos humanos, e prossigam através dos seus programas de governo objectivos idênticos aos da Organização". O regime do senhor Obiang cumpria, ao que parece, estes requisitos. Faltava-lhe o português para ser membro de pleno direito. Nada que não se resolva com um decreto.

A provável entrada da Guiné Equatorial tem uma motivação: o dinheiro. Nada como um país petrolífero bem corrupto, com lideranças que se estão nas tintas para o seu povo, para fazer bons negócios. E se para isso for preciso um ditadorzeco inventar uma língua oficial, cá estamos nós para ser cúmplices. Mas esta entrada também tem um efeito: Teodoro Obiang, acusado por todas as organizações de direitos humanos e desprezado por qualquer democrata, terá mais um momento de legitimação internacional. Vantagens de ter muito petróleo e conviver com democracias sem coluna vertebral.

Sim, a CPLP não é nem nunca foi um clube de democracias. Mas ao menos havia uma desculpa: aqueles são os países que falam português. Não, a CPLP nunca cumpriu o seu papel de intercâmbio social e politico. Tem agora uma função mais clara: ser uma casa de alterne onde senhores repseitáveis podem tratar dos seus negócios com criminosos. Sem ofensa para as casas de alterne.

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