terça-feira, 31 de agosto de 2010

IDH 2009 – O muro não derrubado entre o norte e o sul


MARTINHO JÚNIOR

O Relatório sobre os Índices de Desenvolvimento Humano de 2009 do PNUD, tal como os relatórios dos anos interiores, estabelece o escalonamento de todos os países do globo, o que confere a noção dos avanços e recuos tendo como base a estatística possível que se debruça sobre o conjunto de fenómenos relativos à vida humana sobre a Terra, todavia não explica as causas profundas dum muro cada vez mais perceptível entre ricos e pobres, entre norte e sul, 20 anos depois da queda do muro de Berlim… (1)

Todos os anos o tema vai variando; este ano o tema foi a migração à escala global, “Superando barreiras - mobilidade e desenvolvimento humano”, em que se abordaram fenómenos correntes que interessam a todas as nações e povos do planeta, tendo em vista proporcionar uma contribuição para as superações que devem surgir no horizonte das possibilidades políticas e económicas de todos.

É um tema muito oportuno, pois não há barreiras para a “livre” (?) circulação do capital, mas há cada vez mais barreiras, senão mesmo muros, para a circulação de trabalhadores e de migrantes à procura de melhores oportunidades, dentro de cada país, dentro de cada região, entre o norte e o sul… o Mediterrâneo é disso testemunho…

Na classificação muito elevada de IDH, conforme a estatística do Relatório de 2009, não consta país algum da América Latina (Barbados, paraíso fiscal, para todos os efeitos não é representativo da América Latina), ou de África e da Ásia – Médio Oriente só constam “bolsas” como a Nova Zelândia, 20º, Singapura, 23º, Hong Kong, 24º, Coreia do Sul, 26º, Israel, 27º, Brunei Darussalan, 30º, Kuwait, 31º, Qatar, 33º e Emiratos Árabes Unidos, 35º.

Na classificação de baixo IDH em contraste, não existe nenhum país europeu e só 2 países da Europa entram no IDH médio: Moldova, 117º e Ucrânia, 85º.

O Relatório divide pela primeira vez as nações em quatro grupos de desenvolvimento humano distintos (no ano anterior apenas haviam três):

- O grupo de muito alto desenvolvimento, que integra 38 países (o único pertencente à CPLP é Portugal, o 34º da escala, (baixando 6 lugares).

- O grupo de alto desenvolvimento, com 45 países (o único da CPLP que está enquadrado neste grupo é o Brasil, 75º da escala, baixando também 6 lugares).

- O grupo de desenvolvimento humano médio, com 75 países (fazem parte deste grupo Cabo Verde, 121º, São Tomé e Príncipe, 131º e Angola, 143º).

- O grupo de baixo desenvolvimento humano, com 34 países, onde se encontram Timor Leste, 162º, Moçambique, 172º e Guiné Bissau, 173º.

Apesar dos esforços para cientificar as estatísticas, muitas delas correspondem a valores estimados que podem estar longe da verdade.

É impossível às Organizações Internacionais fazerem uma avaliação mais aferida à realidade quando numa grande parte dos países não existem sequer censos populacionais, como no caso corrente de Angola.

Por essa razão o Relatório deste ano nem sequer se refere à posição de 12 países em vários continentes da Terra, entre eles dois africanos, a Somália e o Zimbabwe.

Por outro lado, em muitos casos há uma inter-ligação dos acontecimentos políticos (e seus reflexos económicos) com a melhoria ou degradação das posições, “premiando” por vezes uns, enquanto se “sacrificam” outros.

Angola foi “premiada” ascendendo 18 lugares (do 161º para o 143º, uma das maiores recuperações à escala global), enquanto Timor Leste e a Guiné Bissau, cujos processos políticos e sócio-económicos reflectem a degradação política, ficaram respectivamente pela 162ª e 173ª posições num universo de 182 países considerados (Timor desceu 20 lugares, de 142º para 162º, o que reflecte os traumas vividos pelo país em data recente e a Guiné Bissau estagnou enquanto uma das mais fragilizadas nações da Terra).

Até que ponto isso não reflecte também os impactos neo liberais nas políticas e nos processos sócio-económicos de cada um deles, o que me parece evidente para o caso angolano?

O “prémio” nessas condições pode-se tornar ou não num verdadeiro “castigo”?!

Há bastas hipóteses de se confundir crescimento com desenvolvimento sustentável nas condições de ausência de estatísticas fiáveis.

Por outro lado, verifica-se que os países insulares na sua maioria, particularmente os mais pequenos, estão a ver a sua posição a degradar-se, o que em muitos casos reflecte a corrente situação das alterações climáticas e ambientais aceleradas, combinadas com as sequelas resultantes da crise.

Cabo Verde, (um país que em África é apontado como exemplar), no ano anterior foi 106º e este ano ficou pela 121ª posição, baixando 15 lugares, sendo esse fenómeno uma resultante directa da crise, tendo em conta que a grande aposta do país está nas remessas financeiras provenientes da migração, como do turismo vocacionado para atender a União Europeia.

Essa situação é tanto mais notável quanto Cabo Verde é um país cooperante para os ricos: não foi por acaso que a NATO realizou a primeira grande manobra em África, preparando-se para o Afeganistão, nem é por acaso que os migrantes clandestinos que infestam os mares, quando se aproximam de Cabo Verde na intenção de chegar à Europa (via Canárias), são interceptados, detidos e devolvidos às procedências…

Timor baixou em função da combinação de sua insularidade relativamente precária por ser um país de periferia sem grandes recursos, com os factores externos em resultado da crise global e com os factores internos negativos de carácter sócio-político.

Oxalá o desastre ambiental que ocorre no Mar de Timor, não tragam estragos adicionais a um Timor tão fragilizado tanto quanto comprova a evolução recente do seu IDH!...

No âmbito da SADC, não existe país algum inserido nas categorias muito elevado e elevado, existindo 8 com IDH médio, 4 com IDH baixo e 1 sem possibilidades de estatística (Zimbabwe).

A África do Sul em função da recessão, o ano passado foi 121º e este ano 129º, perdendo a liderança para o Botswana que é 125º este ano e a Namíbia que é 128º.

Na SADC os países com IDH mais baixos são o Malawi, 160º, a Zâmbia, 165º, Moçambique, 172º e a RDC, 176º.

Moçambique, tal como a Guiné Bissau, continua a ser uma das mais fragilizadas nações da Terra, baixando 4 lugares dum ano para o outro e isso apesar do “elogio” que tem sido feito em relação aos governos da FRELIMO.

Duma forma geral em África, os países interiores (sem acesso ao mar) de maior extensão da SADC estão a pagar um tributo mais elevado dessas conjunturas geográficas e, no caso da RDC, o mais decisivo para África, houve deterioração da posição com uma baixa de 9 lugares.

Este ano vou introduzir os termos de comparação em relação aos 9 países da ALBA, que na tabela estão assim qualificados: (2)

- No grupo de países com Índice de Desenvolvimento Humano alto, estão Antígua e Barbuda, 47º, Cuba, 51º, Venezuela, 58º, Dominica, 73º e Equador, 80º.

- No grupo com IDH médio estão San Vicente y las Granadinas, 91º, Honduras, 112º, Bolívia, 113º e Nicarágua, 124º.

O grande motor da ALBA, a Venezuela, deu um salto positivo de 14 lugares, o que é significativo em relação à SADC cujo motor, a África do Sul, está em recessão, baixando 8 lugares na escala.

A comparação com os países CPLP dá-nos uma ideia das relativas aproximações entre os africanos e Timor Leste, em relação aos 4 países que compõem neste momento o último escalão da ALBA.

Cabo Verde, o país africano da CPLP que possui uma situação mais desafogada em termos de IDH, encontra-se à frente da Nicarágua, o último da escala da ALBA e é o único africano do CPLP que chega a suplantar um dos membros da ALBA, o que dá ideia de quanto as condições e conjunturas mais difíceis que a humanidade enfrenta estão invariavelmente em África.

Cuba desceu 1 lugar na escala, reflectindo o prejuízo causado pelos fenómenos naturais na ilha e sobretudo a manutenção do bloqueio.

Há 4 países da ALBA com IDH melhores que os do Brasil, que desceu de 69º para 75º, entre eles Cuba.

A longa batalha para se alcançar os Objectivos do Milénio está longe de ser ganha e apesar de êxitos pontuais (em alguns casos, como Angola, mais em função do crescimento que do desenvolvimento sustentável), está fora de hipóteses alcançá-los até 2015, sobretudo em África.

A Venezuela está a ter uma melhoria que reflecte mais um equilíbrio entre crescimento e sustentabilidade, um IDH que se não for afectado pela desestabilização que vem incentivada de fora, pode vir a significar um processo consolidado sob o ponto de vista sócio-económico, com um
menor índice de desigualdade, o que é contrário ao que prevalece em Angola, onde o foço das desigualdades não pára de crescer.

A pressão do imperialismo sobre os países da ALBA poderá conduzir a uma relativa estagnação, ou mesmo dificuldades, sendo bastante difícil a partir da acção continuada da Venezuela enquanto motor, superar a actual escala.

Essa situação de estagnação forçada não pode deixar de ser um dos propósitos da acção imperialista, aliada às oligarquias latino americanas.

A luta na América Latina é um processo contínuo que já vem de longe e a plataforma de paz que a ALBA conseguiu à custa de enormes sacrifícios (a paz dos povos e não a “paz” à feição das oligarquias e dos interesses imperiais coligados), é um obstáculo para o exercício da hegemonia, estando-se no entanto longe de haver a possibilidade de fazer um balanço optimista (daí a importância do caso das Honduras).

Angola em princípio não irá conseguir alcançar todas as metas dos Objectivos do Milénio em muitos itens, mas o fim da guerra e o crescimento do país, farão melhorar as condições de vida, com um aumento nunca visto do foço das desigualdades, próprio duma neo colónia.

Há aspectos que poderão ser realizáveis, mas os problemas infra estruturais e estruturais que ainda subsistem, assim como o desequilibrado peso das políticas neoliberais e a fraqueza das organizações sociais, condicionarão ainda em muito a vida no país, que tende a ocupar um lugar na escala média dos IDH até 2015, podendo melhorar a posição paulatinamente até lá.

Enquanto na ALBA é a Venezuela, o motor da organização, que galga lugares, quer no CPLP, quer na SADC, é Angola, que apesar de ser um “pequeno emergente”, não pode ser considerado de motor face ao Brasil, ou à África do Sul.

Nenhum país africano alcançará na totalidade as metas que foram protagonizadas com relativo optimismo no ano de 2000, o que quer dizer que o muro global entre ricos e pobres ficará por derrubar em 2015!

Muito há ainda a fazer para que África possa deixar de ser considerado aquele “continente inerte onde cada abutre vem depenicar o seu pedaço” e a situação da RDC, enquanto não for superada, continua a ser duma decisiva influência negativa, como uma poderosa âncora que prende o barco do continente ao crónico subdesenvolvimento.

África, o “continente berço da humanidade”, é o centro da fome da humanidade, o centro da morte prematura e injusta da humanidade e essa conjuntura dá sinais de agravamento e não de recuperação! (3)

Martinho Júnior

8 de Novembro de 2009

Notas:
- (1) – Objectivos do Milénio – IPAD –
http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=221&Itemid=253 ; Relatório sobre os Índices de Desenvolvimento Humano de 2009 – PNUD – http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2009_PT_Complete.pdf ; O 2015 é já aí – Página Um – http://pagina-um.blogspot.com/2009/06/africa-o-2015-e-ja-ai.html
- (2) – MercoSur Notícias – ALBA-TCP, CINCO AÑOS DESPUÉS, UN BLOQUE REGIONAL EMERGENTE –
http://www.mercosurnoticias.com/index.php?option=com_content&task=view&id=31391&Itemid=251 ; Declaración de la VII cumbre del ALBA – TCP – Cochabamba, Bolívia – 17 de Octubre de 2009 – Kaos en la Red – http://www.kaosenlared.net/noticia/declaracion-vii-cumbre-alba-tcp
- (3) – FAO – 1.020 milhões de pessoas com fome –
http://www.fao.org/news/story/en/item/20568/icode/ ; A imparável avalanche da fome – Página Um

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