terça-feira, 17 de agosto de 2010

O HOMEM QUE QUERIA SALVAR O MUNDO


A INVENÇÃO DA SOLIDÃO

Existem livros bons e ruins. Dentre os bons, existem aqueles ainda que são capazes de abrir a cabeça e apresentar um novo mundo, pessoa, história ou movimento para o leitor. O último livro que li, O homem que queria salvar o mundo, da jornalista Samantha Power, pertence a essa categoria. Nele Samantha conta toda a história de Sergio Vieira de Mello, célebre diplomatada brasileiro da ONU, famoso por ter mediado vários conflitos internacionais como Timor Leste, Ruanda, Bósnia e Iraque, onde faleceu em 2003 após atentado contra a embaixada da ONU.

Vieira de Mello tinha todas as qualidades de um bom diplomata: bom de conversa, culto, pragmático e dinâmico. Gostava de atuar diretamente nos campos de ações, na maioria das vezes conflitos em países estáveis ou campos de refugiados. Tinha horror à vida de burocrata que fica a maioria do tempo dentro de um escritório lendo e escrevendo cartas ou e-mails. Outro fato que o ajudou a se formar ótimo profissional da ONU foi a vivência de sua infância e juventude em diversos países, por causa de seu pai que era funcionário do Itamaraty. Tendo morado na Itália, Beirute e Suíça, Sergio aprendeu a falar com perfeição vários idiomas.

Sua carreira na Organização das Nações Unidas começou muito cedo, quando o brasileiro estava recém-formado. Nos primeiros anos, Sergio se dedicou no braço desta organização responsável pela repatriação de milhares de refugiados que, por diferentes motivos, tiveram que abandonar seus países. Foi o caso de sua missão em Ruanda, onde incontáveis ruandeses se refugiaram no Zaire - que se tornaria posteriormente a República Democrática do Congo - e Uganda.

Tanto esta quanto as futuras missões de Sergio foram marcadas por extrema dificuldade, falta de recursos e complexas relações políticas entre povos e nações. Ainda no caso de Ruanda, o retorno dos ruandeses foram dificultados pelas várias minas terrestres alastradas pelo páis. Para que a repatriação de fato ocorrese, Vieira de Mello precisou conversar com o Kmehr Vermelho, grupo militar e rebelde responsável pela expulsão dos ruandeses de etnia diferente. Esta se tornaria uma das mais marcantes caracteristicas do diplomata: o pragmatismo (ante à burocracia da organização em que trabalhava) e a habilidade de dialogar com todos os lados e não fazer inimigos.

Porém, esta mesma habilidade de sempre prezar o diálogo e manter o caráter independente da ONU na época o fez cometer alguns erros. Um deles foi a falta de reação e conivência com a brutalidade que a Sérvia pressionava e destruia a Bósnia, outro conflito que teve Sergio mediador. Sergio sempre acreditava nas mudanças prometidas pelo governo sérvio, enquanto milhares de bósnios foram cruelmente assassinados e tiveram suas casas destruídas. A ONU só tomaria uma drástica providência no caso do Kosovo, quando a mesma Sérvia, por não cumprir as exigências da ONU de cessar fogo contra os kosovares, foi bombardeada pelas tropas da OTAN. Foi a primeira vez em que a ONU se utilizou da violência para a resolução de um conflito, neste caso pelo aparelhamento das forças militares da OTAN. Foi esta ocasição também que marcou a estréia do exército da OTAN.

Esta missão de paz marcou a história da ONU. Foi quando a organização deixou sua característica imparcial de lado e, forçada pela ocasião deplorável, tomou partido com o intuito de estabilizar a região dos Balcãs. E funcionou. Funcionou também na separação do Timor Leste, que, quando ainda parte da Indonésia, estava sendo atacada por insurgentes militares contra a separação. Neste caso, não havia melhor desiginação que Sergio Vieira de Mello para a missão, devido à sua já acumulada experiência em missões críticas e pelo fato de ser brasileiro, visto que no Timor Leste, antiga colônia de Portugal, também se falava português.

A separação e processo de independência do Timor Leste foi um caso de sucesso. O país estava à beira de ser exterminado pelos indonésios muçulmanos, maioria no país. Após muito luta e intervenção da ONU, a parte oriental da ilha se tornou independente e realizou sua primeira eleição livre. Os novos dirigentes do Timor Leste, eleitos democraticamente, eram os antigos militantes da vertente que apoiavam a independência do Timor Leste. Suas amizades com Vieira de Mello durou muito tempo mais após a partida do brasileiro, que era visto como ídolo pelos timorenses.

Quando a guerra do Iraque eclodiu, Sergio estava em uma nova fase de sua vida. Estava, pela primeira vez, dedicando parte de seu tempo com a vida privada. Estava fazendo planos particulares com sua recém-namorada, uma Argentina que também trabalhava na ONU. Sergio estava cansado de morar sempre em um lugar diferente, muitas vezes com nenhum luxo ou até mesmo em grande perigo. Ele foi, desde o começo, totalmente contra a guerra do Iraque. Porém, quando a ONU decidiu que iria manter uma tropa de paz neste país, Vieira de Mello era o candidato imbatível. Apesar de não estar animado de, mais uma vez, abandonar seus planos priavados e embarcar em uma missão do outro lado do mundo, Sergio era vaidoso. E, provavelmente, foi sua vaidade que o fez mudar de ideia. Em suas palavras, ele não podia negar um favor para o secretário-geral da ONU, na época Koffi Annan.

O diplomata brasileiro acabou embarcando na missão do Iraque. Sua tarefa no país árabe rico em petróleo, foi, de um lado, dialogar com o responsável pela força militar americana no país e, de outro, conversar e barganhar com a ONU com o intuito de direcionar a população do Iraque para um futuro promissor. O Iraque foi invadido e desestabilizado em pouco tempo. Os EUA achavam que já estava com a missão completa, poucos meses seriam necessário para colocar o Iraque de volta em funcionamento. Porém, como se mostrou, os maiores problemas começaram logo após a derrubado do ditador Saddam Husein. Insurgentes começaram a promover atentados contra a ocupação americana. Poucas pessoas estavam felizes com a novo país sitiado.

Sergio e seus colegas da missão do Iraque sabiam que a situação estava perigosíssima. Além da ocupação americana, a ONU começara a ser vista como uma presença indesejável. Rumores de atentados contra a organização começaram a se tornar mais comuns cada dia que passava. Até que o imaginado aconteceu: um caminhão carregado de bombas e explosivos rumou contra a sede da ONU no país e causou uma grande explosão. Muitas pessoas pagaram com suas vidas neste atentado, inclusive Sergi Vieira de Mello. O caminhão colidiu muito perto de ser escritório e o brasileiro, que não morreu instantaneamente, ficou soterrado e não resistiu.

Após o trágico atentado que tirou a vida de um dos melhores diplomatas do Brasil, muito se foi discutido se a ONU deveria ou não permanecer no Iraque. Muito colocaram a culpa na negligência da alta cúpula da organização, inclusive em Koffi Annan, que permitiu que seus trabalhadores ficassem em um local sem grande proteção. Os possíveis motivos do ataque foram exaustivamente investigados. O mais provável é que a ONU, principalmente Segio Vieira de Mello, devido à sua atuação no Timor Leste, era mal visto pelos iraquianos. A bandeira da ONU acabou se deixando confundir com a dos Estados Unidos. O fato é que o homem que queria salvar o mundo acabou morrendo tentando ajudar os locais de uma guerra que ele não havia começou, que era estritamente contra.

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