sexta-feira, 17 de setembro de 2010

RUANDA ESTARIA PREPARADO PARA UM NOVO PRESIDENTE?

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AMANDA REZENDE – MUNDORAMA

O dia 9 de agosto foi marcado pela maciça participação da sociedade ruandesa no pleito para a escolha de seu presidente pela segunda vez após o genocídio ocorrido em 1994. O resultado das urnas – que não apresentou surpresas – foi favorável à reeleição do atual Presidente Paul Kagame do partido Frente Patriótica Ruandesa (RPF na sigla em inglês), assumindo, assim, seu terceiro mandato e o aval para governar por mais sete anos. É de suma importância relembrar o papel desempenhado por Kagame na história de Ruanda, onde atuou como protagonista do grupo que interrompeu o genocídio nesse pequeno e densamente povoado Estado africano há dezesseis anos.

Para acompanhar o processo eleitoral, foram acreditados 1.400 observadores, incluindo representantes da Commonwealth, da Comunidade da África Oriental e da União Africana. As eleições em Ruanda foram bem organizadas e pacíficas, de acordo com o Dr. Salim Ahmed Salim, chefe do grupo de observadores da Commonwealth. Este observador afirmou também que os aspectos técnicos das eleições foram atendidos de modo satisfatório. Entretanto, foi apontada a ausência de vozes críticas nesse processo, uma vez que a disputa presidencial foi composta por outros três candidatos – Alvera Mukabaramba (Party for Progressive Concord – PPC), Dr. Jean Damascene Ntawukuliryayo (Social Democratic Party – PSD) e Prosper Higiro (Liberal Party – LP) –, de partidos ligados à RPF.

Paul Kagame recebeu 93% dos votos válidos, enquanto seu concorrente mais direto, Ntawukuliryayo, atingiu a marca de apenas 5%. De acordo com autoridades locais, dois dias após a votação, ocorreu no centro de Kigali um ataque atribuído a dissidentes contrários ao governo, com a utilização de granadas, que deixou sete pessoas seriamente feridas. Contudo, ainda é cedo para apontar os culpados, considerando o fato de as investigações estarem em curso.

As eleições receberam a atenção internacional, desde o início deste ano, por uma série de eventos denunciados por organizações não-governamentais e meios de comunicação de massa internacionais. Conforme matéria da revista The Economist de 5 agosto, as eleições foram marcadas por assassinatos, censura e insuficiência de oposição. Antes do pleito, foram fechados dois jornais no país, ocorreu a expulsão de um pesquisador em direitos humanos, dois partidos de oposição foram proibidos de participar das eleições e jornalistas foram presos.

Entre os meses de fevereiro e maio, uma série de ataques com granadas ocorreu em Ruanda em contexto de crescimento das tensões políticas ocasionadas pelas eleições presidenciais. Enquanto os primeiros atentados tiveram como alvos sobreviventes e memoriais do genocídio, os últimos sucederam em áreas comerciais na capital Kigali. Kagame atribuiu a responsabilidade pelos ataques a dois oficiais do exército que, após as acusações, se retiraram do país.

Em junho, o General Faustin Kayumba Nyamwasa, antigo chefe do exército ruandês, foi baleado na África do Sul, mas sobreviveu e acusou o Presidente Kagame de ter ordenado o atentado. Alguns dias depois, o jornalista, Jean Leonard Rugambage, que investigava esse incidente foi assassinado em Ruanda. O editor de Rugambage atribuiu ao governo a autoria do crime. No mês passado, o político de oposição Andre Kagwa Rwisereka (Democratic Green Party) foi encontrado morto nos arredores de Butare. Todavia, o governo negou qualquer envolvimento nesses episódios.

Por um lado, organizações como Human Rights Watch e Anistia Internacional caracterizaram o período que antecedeu o pleito como repressivo e desfavorável à liberdade de expressão. Por outro lado, a missão de observadores da União Africana, em seu documento “Statement of the African Union Observer Mission to the Presidential Election in Rwanda 9th August 2010”, de 10 de agosto de 2010, concluiu que: “Rwanda proved that it is fully capable of holding free, transparent and fair elections in accordance with generally recognized AU and international democratic norms” e “it is clear that the manner in which the presidential election was conducted shows that democracy is in the process of consolidation”.

Diante das divergências de opinião entre esses atores, algumas considerações precisam ser feitas para que a situação de Ruanda seja melhor entendida. Desse modo, o primeiro esforço de reflexão diz respeito ao significado que a democracia ocidental tem para Ruanda e, de forma mais abrangente, para a maioria dos Estados do continente africano. Pode-se notar que os padrões ocidentais relativos aos procedimentos democráticos foram, em boa parte, cumpridos nas eleições presidenciais. Entretanto, o nível de alcance de alguns desses elementos não atingiu os patamares desejáveis.

É certo que os ruandeses deram mais um passo importante em sua caminhada rumo à democracia e à continuidade dos avanços sociais e econômicos que o país vem experimentando na gestão de Paul Kagame. Alguns desses avanços merecem destaque: o país nunca havia experimentado em toda a sua história o índice de 100% de segurança alimentar, com o provimento de comida para toda a população; as mulheres alcançaram um dos maiores níveis de participação do mundo no governo, além de incentivos para atuarem no mercado de trabalho e frequentarem a escola; a organização Transparência Internacional credita a Ruanda o posto de país com menor corrupção do Leste Africano; o PIB nacional dobrou desde 2005; a maioria da população possui plano de saúde; e as políticas externa e comercial têm trazido bons resultados, em especial no que diz respeito às relações com a República Democrática do Congo.

No que corresponde ao ponto específico do fechamento de jornais e da prisão de jornalistas – tendo em vista que os outros eventos não tiveram suas investigações concluídas –, há que se ressaltar o papel desempenhado pelos meios de comunicação em massa ruandeses antes e durante o genocídio, incitando a violência e mobilizando a população caracterizada como hutu para perpetrar os crimes. Nesse contexto, adiciona-se o difícil processo de reconciliação enfrentado por Ruanda e denominado por Philip Gourevitch de coexistência. Há, ainda, a necessidade de uma constante atenção para evitar que qualquer ideal divisionista se prolifere e ganhe adeptos.

Ao tentar responder a pergunta que encabeça este artigo, pela conjuntura histórica de Ruanda, talvez a única opção disponível no momento seja Paul Kagame. Cabe agora o acompanhamento de seu último mandato – se a Constituição for respeitada, Kagame não poderá concorrer ao próximo pleito – para avaliação do alto percentual atingido pelo presidente. Seu governo fornecerá os elementos para que as perguntas a seguir possam ser respondidas. O percentual de 93% de votos reflete a aprovação de seu governo ou a repressão denunciada por organizações não-governamentais internacionais?

* Amanda Rezende é Mestranda em Relações Internacionais e especialista em Ciência Política pela Universidade de Brasília (amandarezende@yahoo.com.br).
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