RUI MARTINS – DIRETO DA REDAÇÃO
Estão querendo cassar, antes mesmo de ser empossado, o palhaço Tiririca, cuja única frase pronunciada no programa eleitoral, lhe granjeou tanta popularidade. Mas não querem cassar Tiririca por isso, nem por suspeita de analfabetismo. Querem cassa-lo por ter obtido um milhão e trezentos mil votos.
Ora, a pretendida questão do analfabetismo já tinha sido afastada em 19 de agosto, quando terminou o prazo para impugnação de sua candidatura. Se houve erro, foi do Tribunal Eleitoral, não do povo. Toda candidatura apresentada passa por um exame e existe um prazo para exames de vícios de procedimento ou razões impedindo sua validade. Passado esse prazo, o processo de registro transita em julgado e a candidatura é considerada válida, de maneira definitiva.
Se a justiça eleitoral reabrir o processo de registro de Tiririca estará desrespeitando suas próprias leis e infrigindo uma norma básica de Direito, segundo a qual depois de transitada em julgado, uma questão não poder ser reaberta. E mais que isso, se estará colocando em questão a própria essência da democracia ao se deixar de validar os votos do mais votado deputado federal.
Hoje será o Tiririca por um pretendido analfabetismo, amanhã um candidato sem curso primário e, mais além, um presidente por não ter feito universidade. As eleições têm regras, que devem ser respeitadas e não podem mais ser revistas depois de realizado o pleito. Isso é um princípio fundamental, quebrá-lo corresponde ao risco de se colocar em perigo a própria democracia.
Na verdade, uma ilegal impugnação da candidatura de Tiririca a posteriori irá significar que o Tribunal Eleitoral poderá começar a arguir sobre a conveniência ou não de se reconhecer a vitória de certos candidatos. Uns por suspeita de serem incultos ou analfabetos e outros poderão ser pós-impugnados por questões políticopartidária, porém em qualquer caso será o fim da democracia popular, colocando-se no seu lugar uma plutocracia.
Só poderão ser eleitos os bem vestidos, engravatos e com diplomas diversos, não os representantes de trabalhadores, de gente comum, os incultos que nunca lêem jornal, no máximo a Bíblia, ou seja, uma grande maioria da população brasileira, marginalizada culturalmente, há 500 anos, por essa mesma elite.
Por isso, tão logo soube da iniciativa de um promotor da justiça eleitoral de tentar impugnar a estrondosa eleição de Tiririca, decidi apoiar o palhaço, assinar abaixo-assinados em seu favor, e mesmo participar de manifestações públicas se for o caso. Não conheço, nunca vi Tiririca mas considero a pretendida rejeição dos seus votos uma ameaça à democracia.
É aviltante a intenção de se ignorar os votos de um milhão e trezentas mil pessoas. Uma democracia se faz com os votos livres do povo. O povo pode votar em quem bem entender, a partir do momento que lhe foi reconhecido o direito democrático de votar. Questionar votos já manifestados. Querer se assumir a tutela do voto popular é questionar a democracia e o caso Tiririca, poderá ser o perigoso precedente para se retirar novamente do povo o direito de escolher seus representantes.
É moeda corrente aquele velho ditado « cada povo tem o governo que merece », porém ruim ou bom, esse merecido governo emana do povo. A democracia é um longo aprendizado e nela não se exclui o voto de protesto. Tiririca é o voto de protesto contra tantos deputados corruptos, mas se inscreve dentro da democracia. Neste momento, ele é o deputado mais representativo de todos eleitos no 3 de outubro. Fantasiado ou não, com ou sem nariz de cera vermelho, com suas irônicas e cortantes frases, transformando em piada e humorismo a corrupção, a desconfiança e a desorientação de tantos brasileiros, ele se tornou, com a caução dos votos, no mais autêntico de nossos deputados. Só sua presença, em Brasília, servirá para ridicularizar e desmascarar muitos farsantes, sem precisar leitura de discursos ou grande projetos.Quando o povo vota em Cacarecos, macacos Simão ou no palhaço Tiririca está enviando uma mensagem aos políticos, demonstrando seu descontentamento, é para se levar a sério, não para se rejeitar com arrogância de sabidões que menosprezam a incultura popular.
Impugnar Tiririca valerá como menosprezo ao povo que, já no dia 3, foi tratado de palhaço com a confusão criada em torno do título de eleitor. Essa mudança de regra, invalidando o próprio título de eleitor, deveria ter sido aplicada apenas nas outras próximas eleições, porém o objetivo era o de se impedir a eleição da candidata do também « ignorantão » presidente, sem diplomas e títulos universitários.
O objetivo foi alcançado – em alguns Estados nordestinos, reduto de Dilma, chegou-se a quase 24% de abstenções e assim se impediram os mais três milhões de votos necessários a uma vitória no primeiro turno. Há algo de podre entre os responsáveis pelas regras eleitorais. Sente-se no ar o cheiro das flatuências dos que engordam com a rapina e tramam contra o povo.
As leis só se aplicam contra o povo, enquanto os graúdos de sempre escapam protegidos por recursos e postulados do STF. Pune-se por suspeita de analfabetismo mas não por corrupção. O processo contra Maluf está parado e os bancos suíços irão devolver-lhe o dinheiro bloqueado, se não houver nos próximos três anos uma condenação final do STF.
Uma decisão de um ministro da Justiça, hoje governador eleito do Rio Grande do Sul, foi recusada por um ministro do STF num desafio ao Executivo e até hoje Cesare Battisti está preso, enquanto tantos bandidos nacionais se beneficiam em algumas horas de habeas-corpus milagrosos.
Qual será o próximo golpe que a « justiça » prepara para o dia 31? Tirar o direito de voto aos eleitores semialfabetizados ou que ganhem menos do salário mínimo ? Impugnar os votos dos beneficiados com bolsa família ? Criar um novo sistema eleitoral, inspirado nos EUA, em que, para valer, o voto do povo tem de ser ratificado pela elite? Retomar a experiência do apartheid sulafricano e deixar votar só quem pertence à elite ? Impedir votar em quem tem ficha no Dops ou lutou contra a ditadura militar? Pelo jeito vale tudo e novas surpresas teremos até o 31 de outubro.
Participe do abaixo-assinado - Cassar Tiririca é desrespeitar a democria - Clique aqui
PS. criem listas, abaixo-assinados, protestem, porque falta pouco para nós todos virarmos palhaços Tiririca.
* Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.
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Estão querendo cassar, antes mesmo de ser empossado, o palhaço Tiririca, cuja única frase pronunciada no programa eleitoral, lhe granjeou tanta popularidade. Mas não querem cassar Tiririca por isso, nem por suspeita de analfabetismo. Querem cassa-lo por ter obtido um milhão e trezentos mil votos.
Ora, a pretendida questão do analfabetismo já tinha sido afastada em 19 de agosto, quando terminou o prazo para impugnação de sua candidatura. Se houve erro, foi do Tribunal Eleitoral, não do povo. Toda candidatura apresentada passa por um exame e existe um prazo para exames de vícios de procedimento ou razões impedindo sua validade. Passado esse prazo, o processo de registro transita em julgado e a candidatura é considerada válida, de maneira definitiva.
Se a justiça eleitoral reabrir o processo de registro de Tiririca estará desrespeitando suas próprias leis e infrigindo uma norma básica de Direito, segundo a qual depois de transitada em julgado, uma questão não poder ser reaberta. E mais que isso, se estará colocando em questão a própria essência da democracia ao se deixar de validar os votos do mais votado deputado federal.
Hoje será o Tiririca por um pretendido analfabetismo, amanhã um candidato sem curso primário e, mais além, um presidente por não ter feito universidade. As eleições têm regras, que devem ser respeitadas e não podem mais ser revistas depois de realizado o pleito. Isso é um princípio fundamental, quebrá-lo corresponde ao risco de se colocar em perigo a própria democracia.
Na verdade, uma ilegal impugnação da candidatura de Tiririca a posteriori irá significar que o Tribunal Eleitoral poderá começar a arguir sobre a conveniência ou não de se reconhecer a vitória de certos candidatos. Uns por suspeita de serem incultos ou analfabetos e outros poderão ser pós-impugnados por questões políticopartidária, porém em qualquer caso será o fim da democracia popular, colocando-se no seu lugar uma plutocracia.
Só poderão ser eleitos os bem vestidos, engravatos e com diplomas diversos, não os representantes de trabalhadores, de gente comum, os incultos que nunca lêem jornal, no máximo a Bíblia, ou seja, uma grande maioria da população brasileira, marginalizada culturalmente, há 500 anos, por essa mesma elite.
Por isso, tão logo soube da iniciativa de um promotor da justiça eleitoral de tentar impugnar a estrondosa eleição de Tiririca, decidi apoiar o palhaço, assinar abaixo-assinados em seu favor, e mesmo participar de manifestações públicas se for o caso. Não conheço, nunca vi Tiririca mas considero a pretendida rejeição dos seus votos uma ameaça à democracia.
É aviltante a intenção de se ignorar os votos de um milhão e trezentas mil pessoas. Uma democracia se faz com os votos livres do povo. O povo pode votar em quem bem entender, a partir do momento que lhe foi reconhecido o direito democrático de votar. Questionar votos já manifestados. Querer se assumir a tutela do voto popular é questionar a democracia e o caso Tiririca, poderá ser o perigoso precedente para se retirar novamente do povo o direito de escolher seus representantes.
É moeda corrente aquele velho ditado « cada povo tem o governo que merece », porém ruim ou bom, esse merecido governo emana do povo. A democracia é um longo aprendizado e nela não se exclui o voto de protesto. Tiririca é o voto de protesto contra tantos deputados corruptos, mas se inscreve dentro da democracia. Neste momento, ele é o deputado mais representativo de todos eleitos no 3 de outubro. Fantasiado ou não, com ou sem nariz de cera vermelho, com suas irônicas e cortantes frases, transformando em piada e humorismo a corrupção, a desconfiança e a desorientação de tantos brasileiros, ele se tornou, com a caução dos votos, no mais autêntico de nossos deputados. Só sua presença, em Brasília, servirá para ridicularizar e desmascarar muitos farsantes, sem precisar leitura de discursos ou grande projetos.Quando o povo vota em Cacarecos, macacos Simão ou no palhaço Tiririca está enviando uma mensagem aos políticos, demonstrando seu descontentamento, é para se levar a sério, não para se rejeitar com arrogância de sabidões que menosprezam a incultura popular.
Impugnar Tiririca valerá como menosprezo ao povo que, já no dia 3, foi tratado de palhaço com a confusão criada em torno do título de eleitor. Essa mudança de regra, invalidando o próprio título de eleitor, deveria ter sido aplicada apenas nas outras próximas eleições, porém o objetivo era o de se impedir a eleição da candidata do também « ignorantão » presidente, sem diplomas e títulos universitários.
O objetivo foi alcançado – em alguns Estados nordestinos, reduto de Dilma, chegou-se a quase 24% de abstenções e assim se impediram os mais três milhões de votos necessários a uma vitória no primeiro turno. Há algo de podre entre os responsáveis pelas regras eleitorais. Sente-se no ar o cheiro das flatuências dos que engordam com a rapina e tramam contra o povo.
As leis só se aplicam contra o povo, enquanto os graúdos de sempre escapam protegidos por recursos e postulados do STF. Pune-se por suspeita de analfabetismo mas não por corrupção. O processo contra Maluf está parado e os bancos suíços irão devolver-lhe o dinheiro bloqueado, se não houver nos próximos três anos uma condenação final do STF.
Uma decisão de um ministro da Justiça, hoje governador eleito do Rio Grande do Sul, foi recusada por um ministro do STF num desafio ao Executivo e até hoje Cesare Battisti está preso, enquanto tantos bandidos nacionais se beneficiam em algumas horas de habeas-corpus milagrosos.
Qual será o próximo golpe que a « justiça » prepara para o dia 31? Tirar o direito de voto aos eleitores semialfabetizados ou que ganhem menos do salário mínimo ? Impugnar os votos dos beneficiados com bolsa família ? Criar um novo sistema eleitoral, inspirado nos EUA, em que, para valer, o voto do povo tem de ser ratificado pela elite? Retomar a experiência do apartheid sulafricano e deixar votar só quem pertence à elite ? Impedir votar em quem tem ficha no Dops ou lutou contra a ditadura militar? Pelo jeito vale tudo e novas surpresas teremos até o 31 de outubro.
Participe do abaixo-assinado - Cassar Tiririca é desrespeitar a democria - Clique aqui
PS. criem listas, abaixo-assinados, protestem, porque falta pouco para nós todos virarmos palhaços Tiririca.
* Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, ex-membro eleito no primeiro conselho de emigrantes junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreve para o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.
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