sábado, 6 de novembro de 2010

A CRETINIZAÇÃO DA AMÉRICA

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JOSÉ INÁCIO WERNECK, Bristol – DIRETO DA REDAÇÃO

Bristol (EUA) – Outro dia usei o verbo pervadir na frase "…pervade nossa sociedade". Mas, ao ler a coluna, já publicada, temi que houvesse criado um neologismo e pedi ao editor que trocasse para "…impregna nossa sociedade".

Não achei "pervadir" no Aurélio, embore o achasse no Aulete, que me deu um ou dois exemplos que não me convenceram de todo. Se é neologismo, pervadir deveria ser adotado, pois, afinal, vem do latim "pervadere" e significa invadir e difundir-se pelo organismo invadido. Tem a mesma raiz de invadir, mas um sentido mais específico.

Hoje uso no título uma palavra que não é neologismo, é uma palavra forte mas, acho, bem adequada ao que acaba de ocorrer nas chamadas eleições de meio-termo nos Estados Unidos. Como se explica que, apenas dois anos depois de eleger Barack Obama, os americanos possam devolver o poder na Câmara dos Deputados aos mesmos republicanos que foram responsáveis por oito anos de desastrosa política econômica?

Mas não é tão difícil assim de entender, quando sabemos que Barack Obama falhou na missão de comunicar sua mensagem ao público e quando lemos nos jornais palavras como a de um eleitor que se declarou contra o programa governamental de combate ao aquecimento global, nos seguintes termos: "A Bíblia nada fala de aquecimento global e, portanto, ele não existe".

Bem, a Bíblia não fala em vírus, eletricidade, internet ou transmissões radiofônicas, para ficarmos nos ítens mais prosaicos, e entretanto eles existem. A avalanche de votos para os republicanos significa que eles criarão todos os obstáculos imagináveis para que os Estados Unidos enfrentem um problema que, afinal, foi criado em sua maior parte pelos americanos.

Significa também que os republicanos tentarão derrubar a reforma dos planos de saúde da administração Obama e procurarão impedir tentativas de recuperar a economia do país através de obras públicas, como vinha sendo feito.

Na agenda do partido, como tema mais importante, estará a prorrogação dos cortes de impostos para os 2% mas ricos das população (conseguidos no governo Bush), resultando num agravamento do deficit público na ordem de 700 bilhões de dólares na próxima década.

Como será possível conciliar tais perdas com o equilíbrio orçamentário pretensamente desejado pelos republicanos? Irão eles derrubar programas assistenciais como o Medicare, o Medicaid e o Social Security, que paga as aposentadorias?

Haveria, é claro, uma forma simplíssima de equilibrar o orçamento e ela seria a redução dos gastos militares. Mas só há um membro do chamado Tea Party que se atreveria a tanto, o ultra-radical Rand Paul.

A única coisa que se salvou na hecatombe eleitoral desta terça-feira foi a derrota de alguns candidatos apoiados por Sarah Palin, a ex-governadora do Alaska, como Christine O’Donnell, Sharron Angle e (quase certamente) Joe Miller. Rand Paul, por sua vez, é tão extremista que acabará criando problemas para a própria liderança republicana no Senado.

Mas é um consolo muito pequeno num país em que a disparidade entre ricos e pobres vai aumentar ainda mais depois dos resultados desta eleição.

* É jornalista e escritor com passagem em órgãos de comunicação no Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. Publicou "Com Esperança no Coração: Os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos", estudo sociológico, e "Sabor de Mar", novela. É intérprete judicial do Estado de Connecticut.
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