MARTINHO JÚNIOR
A batalha de Quifangondo foi um das mais decisivas para a derrota da “operação de trespasse” de Angola, da bandeira de Portugal, para uma bandeira representativa das ingerências neo coloniais em África.
A partir da Conferência de Alvor, a 15 de Janeiro de 1975, a abdicação de Portugal abrindo espaço à “arquitectura” de Henry Kissinger, tinha de contar com um tempo curto, uma espécie de “contra relógio”, visando impedir a independência angolana e colocar em Luanda um regime dócil e de suas próprias conveniências, o que seria vital tanto para a sobrevivência do regime de Mobutu, quanto para a sobrevivência do regime do “apartheid” na África do Sul. (1)
De facto era imperioso para a “arquitectura” de Henry Kissinger evitar que com o MPLA se tornasse possível surgir em Angola alguém que assumisse que “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul estivesse a continuação da nossa luta”, a continuação da luta contra o colonialismo português, num processo que correspondesse à descolonização total do continente africano. (2)
A força tarefa da CIA, sob o comando de John Stockwell tinha limitações de tempo que condicionaram em muito as decisões “no terreno” (é preciso não se esquecer que o objectivo era chegar a todo o custo a Luanda, a fim de que seus interesses assumissem o poder a 11 de Novembro de 1975).
Haviam, para além das limitações de tempo, limitações na resposta norte americana imediatamente após a derrota no Vietname, bem como insuficiências gritantes de ordem humana, de logística, de meios, de equipamentos e de informação, o que o John Stockwell espelha no seu livro. (3)
Tudo isso contribuiu para que no lado dos interesses norte americanos que progrediam a partir do Zaire vigorasse um certo improviso “de mau agoiro”, pois a manobra rápida, com gente que desconhecia na sua maior parte o terreno, enquanto outra não oferecia capacidade de combate suficiente, impedia por um lado a consolidação das linhas e por outro não criava outra alternativa para o seu esforço na ponta final, ficando condicionada a ofensiva ao “funil” de Quifangondo, “em cima da hora” do 11 de Novembro.
Do lado angolano – cubano ficou tudo relativamente previsível e a construção de linhas de defesa ao redor da capital teve comparativamente a seu favor o factor tempo, o que facilitou as operações de logística humana, de meios e equipamentos, acabando por ganhar também a iniciativa da informação táctica e estratégica.
Quifangondo obedeceu aos seguintes dispositivos por parte das forças angolano - cubanas:
- Manutenção de efectivos irregulares entre o vale do Bengo e do Dange, de forma a travar escaramuças com os reconhecimentos e forças irregulares inimigas a fim de recolher o máximo de informação sobre as suas iniciativas em direcção a Luanda.
- Manutenção duma linha dominante nos Dembos, impedindo que por essa via o inimigo pudesse atravessar o Bengo – Zenza e chegar a Luanda a partir dum ponto de apoio na estrada de Catete.
- Fortalecimento da elevação de Quifangondo, de forma a poder desferir o contra golpe quando, condicionado ao “funil”, o dispositivo inimigo tentasse forçar o passo do Bengo na Funda e na direcção de Luanda.
Durante muitas semanas as posições conhecidas por “morro da cal” e Barra do Dande foram trocadas várias vezes de mão na “terra de ninguém” entre Caxito e Quifangondo.
O que o MPLA perdia ao fim de semana (muitos “irregulares” ao fim de semana iam a Luanda restabelecer-se em suas próprias casas), recuperava durante a semana.
Nos Dembos, apesar de terem perdido Úcua, “Mobil” e Quibaxe, as forças angolanas impediram o acesso a Pango Alúquem, a Cazuangongo e à ponte sobre o Zenza junto ao forte João de Almeida.
A defesa dos Dembos por parte das forças do MPLA, sob o comando primeiro do Comandante Augusto César Kiluange, depois do Comandante Margoso, que foi decisiva para a preparação do “funil” de Quifangondo, teve efectivos angolanos e alguns efectivos portugueses aliados, mas não a presença de efectivos cubanos.
Entre os portugueses que participaram em acções de combate tanto em Quifangondo quanto nos Dembos e do lado do MPLA, estava o companheiro Eduardo Cruzeiro, que na altura usava o pseudónimo de “Alex”, um anti fascista português que tinha estado em Argel e cuja contribuição foi muito valiosa.
A sua actividade ao longo dos primeiros anos de Angola independente foi inestimável, muitas vezes com risco de sua própria vida, a praticamente custo zero…
Haviam riscos elevados que as forças coligadas da FNLA forçassem essa passagem:
- Santos e Castro, oficial dos Comandos portugueses, conhecia muito bem a área, onde aliás havia sido Governador distrital. (4)
- Esse conhecimento poderia ser explorado pelo comando inimigo, sendo muito mais difícil defender Luanda com um ataque proveniente do leste, que em Quifangondo, tendo em conta as características comparativas do terreno.
- Essa manobra poderia ser mais facilmente conjugada com os dispositivos das “SADF” provenientes do sul, se esses por seu turno forçassem o Dondo.
No caso da coligação angolana – cubana perder Luanda, os Dembos seriam uma imediata alternativa para a guerrilha.
O facto do comando inimigo se decidir pela “estratégia” dos generais zairenses, pressupondo que a tomada de Luanda fosse assim a modos que um desfile, facilitou integralmente a preparação do teatro final de Quifangondo por parte da coligação angolana – cubana, explorando o êxito do impedimento de passagem pelos Dembos.
Decididas finalmente pela via de Quifangondo a fim de alcançar Luanda, a força da FNLA que teve como pontos de apoio de retaguarda o Caxito e o Ambriz (onde foram concentrados equipamentos armamentos e munições), facilitou o contra golpe a partir do momento que deu oportunidade ao desmantelamento do seu poder de ataque.
Fontes portuguesas, em relação aos dispositivos da FNLA, revelam que a retirada dos artilheiros sul africanos das SADF que operavam com os G-5, imposta pelos norte americanos, diminuiu o poder de ataque e foi determinante na derrota. (5)
No momento certo, a artilharia angolana – cubana integrada nos dispositivos sob as ordens do Comandante David Moisés N’Dozi, “à vista desarmada” destruiu unidades de infantaria e de blindados que se moviam na direcção de Luanda, o que impediu também uma eventual reorganização.
O destroço da coluna inimiga foi de tal ordem que a FNLA não mais se conseguiu recompor, tal como aliás os sul africanos e seus aliados a sul.
Sob o troar dos canhões, o Presidente Agostinho Neto proclamou a independência da República Popular de Angola e pela força das armas Henry Kissinger foi derrotado, à custa de imensos sacrifícios impostos ao povo angolano e a alguns dos melhores filhos do que era efectivamente a sua vanguarda. (6)
Derrotado o colonialismo, a primeira grande arremetida do império e de seus aliados pela via das armas, passou a saber que Angola era de facto uma trincheira firme e o movimento de libertação não estava só.
O Brasil exemplarmente foi o primeiro país a reconhecer a RPA!
Martinho Júnior - 13 de Novembro de 2009
Notas:
- (1) – Acordo de Alvor – Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_de_Alvor ; Acordo de Alvor – Amigos da África – http://www.amigosdaafrica.org/africa/arquivo.php?cod=38&res=4 ; Acordo de Alvor foi apenas um pedaço de papel, afirma Almeida Santos – Notícias Lusófonas – http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=8729&catogory=Entrevista
- (2) – Deputado considera Neto maior impulsionador da consciência – ANGOP – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2009/8/38/Deputado-considera-Neto-maior-impulsionador-consciencia,849fd38c-69b1-4320-a650-317fdb20b707.html ; PR vai à tomada de posse de Zuma – Angonotícias – http://www.angonoticias.com/full_headlines.php?id=23547 ; Angolanos comemoram o Dia do Herói Nacional – Embaixada de Angola em Itália – http://www.ambasciatangolana.com/pt/news.php?id_art=178 .
- (3) – In search of ennemies – John Stockwell – Third World Traveler – http://www.thirdworldtraveler.com/Stockwell/In_Search_Enemies.html
- (4) – O aristocrata que Luanda detestava – DN – http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=662512 ; O êxodo – Angola do outro lado do tempo – http://tudosobreangola.blogspot.com/2008/03/entrevista-almeida-santos-ex-ministro.html ; A derradeira tentativa – José Victor de Brito Nogueira e Carvalho – http://petrinus.com.sapo.pt/tentativa.htm
- (5) – A batalha de Luanda? – Uma história mal contada – Mendonça Júnior – http://petrinus.com.sapo.pt/batalha.htm
- (6) – General Xavier: história vivida em Kifangondo – Jornal de Angola – http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/general_xavier_historia_vivida_em_kifangondo
**O texto foi pela 1ª vez publicado em 2009 no Página Um (edição antiga), mas agora que se comemoram os 35 anos da Independência, é justo recordar acontecimentos tão decisivos.
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A batalha de Quifangondo foi um das mais decisivas para a derrota da “operação de trespasse” de Angola, da bandeira de Portugal, para uma bandeira representativa das ingerências neo coloniais em África.
A partir da Conferência de Alvor, a 15 de Janeiro de 1975, a abdicação de Portugal abrindo espaço à “arquitectura” de Henry Kissinger, tinha de contar com um tempo curto, uma espécie de “contra relógio”, visando impedir a independência angolana e colocar em Luanda um regime dócil e de suas próprias conveniências, o que seria vital tanto para a sobrevivência do regime de Mobutu, quanto para a sobrevivência do regime do “apartheid” na África do Sul. (1)
De facto era imperioso para a “arquitectura” de Henry Kissinger evitar que com o MPLA se tornasse possível surgir em Angola alguém que assumisse que “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul estivesse a continuação da nossa luta”, a continuação da luta contra o colonialismo português, num processo que correspondesse à descolonização total do continente africano. (2)
A força tarefa da CIA, sob o comando de John Stockwell tinha limitações de tempo que condicionaram em muito as decisões “no terreno” (é preciso não se esquecer que o objectivo era chegar a todo o custo a Luanda, a fim de que seus interesses assumissem o poder a 11 de Novembro de 1975).
Haviam, para além das limitações de tempo, limitações na resposta norte americana imediatamente após a derrota no Vietname, bem como insuficiências gritantes de ordem humana, de logística, de meios, de equipamentos e de informação, o que o John Stockwell espelha no seu livro. (3)
Tudo isso contribuiu para que no lado dos interesses norte americanos que progrediam a partir do Zaire vigorasse um certo improviso “de mau agoiro”, pois a manobra rápida, com gente que desconhecia na sua maior parte o terreno, enquanto outra não oferecia capacidade de combate suficiente, impedia por um lado a consolidação das linhas e por outro não criava outra alternativa para o seu esforço na ponta final, ficando condicionada a ofensiva ao “funil” de Quifangondo, “em cima da hora” do 11 de Novembro.
Do lado angolano – cubano ficou tudo relativamente previsível e a construção de linhas de defesa ao redor da capital teve comparativamente a seu favor o factor tempo, o que facilitou as operações de logística humana, de meios e equipamentos, acabando por ganhar também a iniciativa da informação táctica e estratégica.
Quifangondo obedeceu aos seguintes dispositivos por parte das forças angolano - cubanas:
- Manutenção de efectivos irregulares entre o vale do Bengo e do Dange, de forma a travar escaramuças com os reconhecimentos e forças irregulares inimigas a fim de recolher o máximo de informação sobre as suas iniciativas em direcção a Luanda.
- Manutenção duma linha dominante nos Dembos, impedindo que por essa via o inimigo pudesse atravessar o Bengo – Zenza e chegar a Luanda a partir dum ponto de apoio na estrada de Catete.
- Fortalecimento da elevação de Quifangondo, de forma a poder desferir o contra golpe quando, condicionado ao “funil”, o dispositivo inimigo tentasse forçar o passo do Bengo na Funda e na direcção de Luanda.
Durante muitas semanas as posições conhecidas por “morro da cal” e Barra do Dande foram trocadas várias vezes de mão na “terra de ninguém” entre Caxito e Quifangondo.
O que o MPLA perdia ao fim de semana (muitos “irregulares” ao fim de semana iam a Luanda restabelecer-se em suas próprias casas), recuperava durante a semana.
Nos Dembos, apesar de terem perdido Úcua, “Mobil” e Quibaxe, as forças angolanas impediram o acesso a Pango Alúquem, a Cazuangongo e à ponte sobre o Zenza junto ao forte João de Almeida.
A defesa dos Dembos por parte das forças do MPLA, sob o comando primeiro do Comandante Augusto César Kiluange, depois do Comandante Margoso, que foi decisiva para a preparação do “funil” de Quifangondo, teve efectivos angolanos e alguns efectivos portugueses aliados, mas não a presença de efectivos cubanos.
Entre os portugueses que participaram em acções de combate tanto em Quifangondo quanto nos Dembos e do lado do MPLA, estava o companheiro Eduardo Cruzeiro, que na altura usava o pseudónimo de “Alex”, um anti fascista português que tinha estado em Argel e cuja contribuição foi muito valiosa.
A sua actividade ao longo dos primeiros anos de Angola independente foi inestimável, muitas vezes com risco de sua própria vida, a praticamente custo zero…
Haviam riscos elevados que as forças coligadas da FNLA forçassem essa passagem:
- Santos e Castro, oficial dos Comandos portugueses, conhecia muito bem a área, onde aliás havia sido Governador distrital. (4)
- Esse conhecimento poderia ser explorado pelo comando inimigo, sendo muito mais difícil defender Luanda com um ataque proveniente do leste, que em Quifangondo, tendo em conta as características comparativas do terreno.
- Essa manobra poderia ser mais facilmente conjugada com os dispositivos das “SADF” provenientes do sul, se esses por seu turno forçassem o Dondo.
No caso da coligação angolana – cubana perder Luanda, os Dembos seriam uma imediata alternativa para a guerrilha.
O facto do comando inimigo se decidir pela “estratégia” dos generais zairenses, pressupondo que a tomada de Luanda fosse assim a modos que um desfile, facilitou integralmente a preparação do teatro final de Quifangondo por parte da coligação angolana – cubana, explorando o êxito do impedimento de passagem pelos Dembos.
Decididas finalmente pela via de Quifangondo a fim de alcançar Luanda, a força da FNLA que teve como pontos de apoio de retaguarda o Caxito e o Ambriz (onde foram concentrados equipamentos armamentos e munições), facilitou o contra golpe a partir do momento que deu oportunidade ao desmantelamento do seu poder de ataque.
Fontes portuguesas, em relação aos dispositivos da FNLA, revelam que a retirada dos artilheiros sul africanos das SADF que operavam com os G-5, imposta pelos norte americanos, diminuiu o poder de ataque e foi determinante na derrota. (5)
No momento certo, a artilharia angolana – cubana integrada nos dispositivos sob as ordens do Comandante David Moisés N’Dozi, “à vista desarmada” destruiu unidades de infantaria e de blindados que se moviam na direcção de Luanda, o que impediu também uma eventual reorganização.
O destroço da coluna inimiga foi de tal ordem que a FNLA não mais se conseguiu recompor, tal como aliás os sul africanos e seus aliados a sul.
Sob o troar dos canhões, o Presidente Agostinho Neto proclamou a independência da República Popular de Angola e pela força das armas Henry Kissinger foi derrotado, à custa de imensos sacrifícios impostos ao povo angolano e a alguns dos melhores filhos do que era efectivamente a sua vanguarda. (6)
Derrotado o colonialismo, a primeira grande arremetida do império e de seus aliados pela via das armas, passou a saber que Angola era de facto uma trincheira firme e o movimento de libertação não estava só.
O Brasil exemplarmente foi o primeiro país a reconhecer a RPA!
Martinho Júnior - 13 de Novembro de 2009
Notas:
- (1) – Acordo de Alvor – Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_de_Alvor ; Acordo de Alvor – Amigos da África – http://www.amigosdaafrica.org/africa/arquivo.php?cod=38&res=4 ; Acordo de Alvor foi apenas um pedaço de papel, afirma Almeida Santos – Notícias Lusófonas – http://www.noticiaslusofonas.com/view.php?load=arcview&article=8729&catogory=Entrevista
- (2) – Deputado considera Neto maior impulsionador da consciência – ANGOP – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2009/8/38/Deputado-considera-Neto-maior-impulsionador-consciencia,849fd38c-69b1-4320-a650-317fdb20b707.html ; PR vai à tomada de posse de Zuma – Angonotícias – http://www.angonoticias.com/full_headlines.php?id=23547 ; Angolanos comemoram o Dia do Herói Nacional – Embaixada de Angola em Itália – http://www.ambasciatangolana.com/pt/news.php?id_art=178 .
- (3) – In search of ennemies – John Stockwell – Third World Traveler – http://www.thirdworldtraveler.com/Stockwell/In_Search_Enemies.html
- (4) – O aristocrata que Luanda detestava – DN – http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=662512 ; O êxodo – Angola do outro lado do tempo – http://tudosobreangola.blogspot.com/2008/03/entrevista-almeida-santos-ex-ministro.html ; A derradeira tentativa – José Victor de Brito Nogueira e Carvalho – http://petrinus.com.sapo.pt/tentativa.htm
- (5) – A batalha de Luanda? – Uma história mal contada – Mendonça Júnior – http://petrinus.com.sapo.pt/batalha.htm
- (6) – General Xavier: história vivida em Kifangondo – Jornal de Angola – http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/general_xavier_historia_vivida_em_kifangondo
**O texto foi pela 1ª vez publicado em 2009 no Página Um (edição antiga), mas agora que se comemoram os 35 anos da Independência, é justo recordar acontecimentos tão decisivos.
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