RUDOLPHO MOTTA LIMA * – DIRETO DA REDAÇÃO
E eis-nos às voltas com a violência no nosso querido Rio de Janeiro. Amplificados ou não por uma mídia que nem sempre faz questão de distinguir a realidade do sensacionalismo e que, por isso mesmo, às vezes acaba contribuindo para estender o alcance das intenções terroristas dos criminosos, esses acontecimentos estão a merecer um posicionamento mais efetivo das autoridades e da sociedade em geral, em diversas frentes.
A evolução da violência no Rio, culminando na perplexidade que toma conta, hoje, dos cariocas, foi muito bem descrita na coluna da Leila Cordeiro. Neste primeiro momento, parece óbvio que os cidadãos conscientes têm que apoiar as medidas repressivas ao tráfico levadas a efeito pela nossa “polícia do bem” (ainda é preciso saber distingui-la), da mesma forma que foram aplaudidas as instalações das diversas UPPs, com seus esperados desdobramentos no campo social.
Nunca é demais, contudo, enfatizar que não estamos diante de um caso policial, mas de um muito sério problema estrutural de uma sociedade adoentada, cujas origens estão na miséria e na pobreza impostas a vastas camadas do povo, aliadas a uma postura de descomprometimento e abandono com que foram sendo tratados os menos favorecidos, ao longo de muitos anos. A exclusão é a mãe do crime, tendo como cúmplice a perversa convivência do poder público com a desigualdade social.
Antes das medidas desencadeadas pelo Governo Sérgio Cabral – que, mal ou bem, romperam a cadeia de passividade diante do crime organizado no Rio e, por isso, contam com o incondicional apoio da populaçao - , o único momento em que, a rigor, tentou-se uma solução de estrutura para o problema situou-se no tempo de Leonel Brizola, ao contrário do que tentam, até hoje, veicular os seus detratores. Naquele instante, entendendo-se o problema em toda a sua complexidade social e vislumbrando-se a sua extensão futura, apontava-se a Educação como um caminho de busca da solução. Os CIEPs pretendiam ser – e creio que seriam – uma alternativa à senda criminosa, com reflexos imediatos (ao retirar os jovens do convívio direto e infelizmente sedutor com o crime, no dia a dia) e mediatos (ao preparar, pela formação, uma geração capaz de rejeitar a marginalidade pela digna inserção social).
Argumentos elitistas “constitucionais”, porém, dinamitaram o projeto de Darcy Ribeiro, alegando que não se podia gastar tanto dinheiro assim em algumas escolas públicas de tempo integral, já que não se podia fazer o mesmo com todas, ferindo, assim, o princípio “democrático” da igualdade. Mas é claro que ali se iniciava um processo que se poderia disseminar, através de políticas públicas que, aumentando as verbas para a Educação, chegassem à universalidade de procedimentos. De qualquer forma, a argumentação revelava uma preferência pelo nivelamento por baixo, que acabou prevalecendo até hoje...
Esse ponto de vista – fundado na insensibilidade e em uma certa perversidade ideológica – é usual em um segmentos privilegiados da sociedade. Nunca se manifesta claramente , mas, reduzido à sua simplicidade, no caso em questão, poderia ser sintetizado em uma pergunta retórica daqueles cujos filhos estudam nos melhores colégios : “Por que temos que pagar impostos para beneficiar essa gente com colégios caros e de qualidade exagerada?”. Acho que essa pergunta começa a ser respondida, embora à custa da tragédia...
Acredito que é preciso denunciar, também, dentro da complexidade que o assunto envolve, a responsabilidade de componentes da sociedade civil que, por ação ou omissão, alimentam o crime, fortalecem o tráfico. E aí é interessante chamar a atenção para o fato de que a mídia , o Estado, as igrejas omitem-se claramente quando se trata de enfocar com vigor os usuários das drogas, sem os quais estas não existiriam e, por consequência, o tráfico. Parece haver pouca disposição para enfrentar esse lado da questão, preferindo-se, convenientemente, ver nos usuários apenas dependentes e doentes, sem responsabilidade direta pelos seus atos. É há matizes diferentes, quando isso é abordado. O pobre drogado pelo crack aparece em múltiplas reportagens de “denúncia” , mas pouco se fala dos ricos e endinheirados, o pessoal da classe média alta, os ricos e famosos de todo gênero, que só os ingênuos desvinculam dos tóxicos. Mas todos – e os que tiveram um berço dourado mais ainda – são cúmplices do crime e respondem solidariamente pelas incêndios, balas perdidas, assassinatos, roubos e tudo mais que o ambiente do tóxico engendra.
A sociedade está doente, e o Rio de janeiro apenas reflete essa doença, que, penso, passa pela marca egocêntrica dos nossos tempos de afirmação hedônica dos prazeres do corpo, pela busca da satisfação individual a qualquer preço e risco, pela permissividade generalizada de uma família pulverizada que está perdendo o controle sobre os seus jovens (em crescente processo de alienação). Tudo isso, a meu ver, funciona como nutriente para a disseminação do uso da droga. É não se resolverá com forças policiais e armamentos pesados.
Ao lado das conjunturais ações que tentam , literalmente, apagar incêndios, as diversas instituições têm que atuar na esfera que lhes cabe, com contribuições permanentes para o esclarecimento e a conscientização dos males individuais e sociais causados pela droga. É óbvio que o vício não se extinguirá por força dessas ações, mas poderá ser minorado. O que não se pode é esquecer que a própria sociedade “honesta e trabalhadora” tem segmentos que alimentam o tráfico e sustentam o crime.
A solução paliativa imediata do problema do Rio pode vir com as ações policiais, Acredito que virá. Mas uma solução definitiva está longe de vir. Só virá com políticas de saúde de peso e com a disseminação da Educação , não apenas a que se aprende nas escolas – de que se beneficiarão os mais pobres – mas também aquela que se extrai da vida – e essa está sendo necessária para todas as camadas da sociedade.
* Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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E eis-nos às voltas com a violência no nosso querido Rio de Janeiro. Amplificados ou não por uma mídia que nem sempre faz questão de distinguir a realidade do sensacionalismo e que, por isso mesmo, às vezes acaba contribuindo para estender o alcance das intenções terroristas dos criminosos, esses acontecimentos estão a merecer um posicionamento mais efetivo das autoridades e da sociedade em geral, em diversas frentes.
A evolução da violência no Rio, culminando na perplexidade que toma conta, hoje, dos cariocas, foi muito bem descrita na coluna da Leila Cordeiro. Neste primeiro momento, parece óbvio que os cidadãos conscientes têm que apoiar as medidas repressivas ao tráfico levadas a efeito pela nossa “polícia do bem” (ainda é preciso saber distingui-la), da mesma forma que foram aplaudidas as instalações das diversas UPPs, com seus esperados desdobramentos no campo social.
Nunca é demais, contudo, enfatizar que não estamos diante de um caso policial, mas de um muito sério problema estrutural de uma sociedade adoentada, cujas origens estão na miséria e na pobreza impostas a vastas camadas do povo, aliadas a uma postura de descomprometimento e abandono com que foram sendo tratados os menos favorecidos, ao longo de muitos anos. A exclusão é a mãe do crime, tendo como cúmplice a perversa convivência do poder público com a desigualdade social.
Antes das medidas desencadeadas pelo Governo Sérgio Cabral – que, mal ou bem, romperam a cadeia de passividade diante do crime organizado no Rio e, por isso, contam com o incondicional apoio da populaçao - , o único momento em que, a rigor, tentou-se uma solução de estrutura para o problema situou-se no tempo de Leonel Brizola, ao contrário do que tentam, até hoje, veicular os seus detratores. Naquele instante, entendendo-se o problema em toda a sua complexidade social e vislumbrando-se a sua extensão futura, apontava-se a Educação como um caminho de busca da solução. Os CIEPs pretendiam ser – e creio que seriam – uma alternativa à senda criminosa, com reflexos imediatos (ao retirar os jovens do convívio direto e infelizmente sedutor com o crime, no dia a dia) e mediatos (ao preparar, pela formação, uma geração capaz de rejeitar a marginalidade pela digna inserção social).
Argumentos elitistas “constitucionais”, porém, dinamitaram o projeto de Darcy Ribeiro, alegando que não se podia gastar tanto dinheiro assim em algumas escolas públicas de tempo integral, já que não se podia fazer o mesmo com todas, ferindo, assim, o princípio “democrático” da igualdade. Mas é claro que ali se iniciava um processo que se poderia disseminar, através de políticas públicas que, aumentando as verbas para a Educação, chegassem à universalidade de procedimentos. De qualquer forma, a argumentação revelava uma preferência pelo nivelamento por baixo, que acabou prevalecendo até hoje...
Esse ponto de vista – fundado na insensibilidade e em uma certa perversidade ideológica – é usual em um segmentos privilegiados da sociedade. Nunca se manifesta claramente , mas, reduzido à sua simplicidade, no caso em questão, poderia ser sintetizado em uma pergunta retórica daqueles cujos filhos estudam nos melhores colégios : “Por que temos que pagar impostos para beneficiar essa gente com colégios caros e de qualidade exagerada?”. Acho que essa pergunta começa a ser respondida, embora à custa da tragédia...
Acredito que é preciso denunciar, também, dentro da complexidade que o assunto envolve, a responsabilidade de componentes da sociedade civil que, por ação ou omissão, alimentam o crime, fortalecem o tráfico. E aí é interessante chamar a atenção para o fato de que a mídia , o Estado, as igrejas omitem-se claramente quando se trata de enfocar com vigor os usuários das drogas, sem os quais estas não existiriam e, por consequência, o tráfico. Parece haver pouca disposição para enfrentar esse lado da questão, preferindo-se, convenientemente, ver nos usuários apenas dependentes e doentes, sem responsabilidade direta pelos seus atos. É há matizes diferentes, quando isso é abordado. O pobre drogado pelo crack aparece em múltiplas reportagens de “denúncia” , mas pouco se fala dos ricos e endinheirados, o pessoal da classe média alta, os ricos e famosos de todo gênero, que só os ingênuos desvinculam dos tóxicos. Mas todos – e os que tiveram um berço dourado mais ainda – são cúmplices do crime e respondem solidariamente pelas incêndios, balas perdidas, assassinatos, roubos e tudo mais que o ambiente do tóxico engendra.
A sociedade está doente, e o Rio de janeiro apenas reflete essa doença, que, penso, passa pela marca egocêntrica dos nossos tempos de afirmação hedônica dos prazeres do corpo, pela busca da satisfação individual a qualquer preço e risco, pela permissividade generalizada de uma família pulverizada que está perdendo o controle sobre os seus jovens (em crescente processo de alienação). Tudo isso, a meu ver, funciona como nutriente para a disseminação do uso da droga. É não se resolverá com forças policiais e armamentos pesados.
Ao lado das conjunturais ações que tentam , literalmente, apagar incêndios, as diversas instituições têm que atuar na esfera que lhes cabe, com contribuições permanentes para o esclarecimento e a conscientização dos males individuais e sociais causados pela droga. É óbvio que o vício não se extinguirá por força dessas ações, mas poderá ser minorado. O que não se pode é esquecer que a própria sociedade “honesta e trabalhadora” tem segmentos que alimentam o tráfico e sustentam o crime.
A solução paliativa imediata do problema do Rio pode vir com as ações policiais, Acredito que virá. Mas uma solução definitiva está longe de vir. Só virá com políticas de saúde de peso e com a disseminação da Educação , não apenas a que se aprende nas escolas – de que se beneficiarão os mais pobres – mas também aquela que se extrai da vida – e essa está sendo necessária para todas as camadas da sociedade.
* Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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