quinta-feira, 18 de novembro de 2010

VIVER PARA SERVIR AS CRIANÇAS ÓRFÃS NA VILA DE ALTO MOLOCUÉ

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AUNICIO DA SILVA, em Mocambique - NOTÍCIAS LUSÓFONAS

Eugénio Mucarie Samule cria centro de preparação para apoiar crianças moçambicanas órfãs. Actualmente um total de 24 aprendem a desenvolver várias habilidades para a vida no projecto Criança, Natureza e Vida, CRINAV, que tem lugar na Vila de Alto Molocué, na província da Zanbésia. O Notícias Lusófonas conheceu-o algures naquela vila a quando de uma visita de trabalho. Ele é proprietário de um local de hospedagem, "Pensão Quintinha". Ao NL explicou os propósitos desta nobre tarefa social que, para além de ser um exemplo, mostra o espírito empreendedor de quem entende que quem não vive para servir... não serve para viver. Os apoios são escassos, mesmo assim o homem sonhou e a obra nasceu.

Notícias Lusófonas (NL) - Fale-nos em linhas gerais desta iniciativa que culminou com este projecto.

Eugénio Mucarie Samule (EMS) - Esta iniciativa comecei, em termos de desenho do projecto, em 2004, mas começo a materializar em 2007. Faço este projecto, apresento ao governo do distrito e ele achou que era uma iniciativa ímpar e por acaso precisa ser realizada. Numa das sessões do governo fui convidado a apresentar o projecto. A seguir vieram visitar o lugar e depois fiz as plantas de construção, os documentos foram autorizados e comecei a fazer, em 2007. Mas o início do trabalho com crianças aparece em 2008, em Setembro. Neste momento já está a funcionar.

NL - Qual é a ideia principal com o projecto e que apoio pretende dar as crianças órfãs que as acolhe aqui no centro?

EMS - Se for ver, o nome do projecto é CRINAV, a ideia é: se nós adultos mostramos às crianças a natureza no seu todo e explicarmos como é que esta natureza pode ser aproveitada, estaremos a construir um futuro ambiental saudável. Se for a olhar para esta varanda aqui onde estamos, foi feita através do embelezamento com tampas de cerveja, que são objectos que já tinham sido lançados fora e nós pegamos e reutilizamos. Estamos para dizer as crianças, usem bem a natureza. Na natureza não há nada velho e não há nada novo. Tudo é útil, então o que eu quero é que as crianças possam usar a natureza sozinhas e possam utiliza-la para resolver alguns problemas que têm na sua vida.

NL - Para já, quantas crianças assistem neste centro?

EMS - Neste momento tenho 24 crianças, mas no meu desenho do projecto eu propus ao governo que só posso conseguir trabalhar com vinte, mas acabei pegando nas 24, 12 meninas e 12 rapazes e foi ao acaso, não pedi para serem 12 meninas e 12 rapazes. Foi ao acaso que consegui as vinte e quatro crianças, não foi uma paridade de género. Estas crianças estão nas suas famílias, são órfãs, umas de pai e mãe, outras de apenas de um dos progenitores e estudam. Aquelas que estudam de manhã estão comigo no período da tarde e os do da tarde estão comigo no período da manhã. Quero referir que de 2007 a 2009 foi o ano de lançamento do projecto e o período que vai de 2010 à 2012 pretendo que seja o período de consolidação do projecto.

NL - Como tem sido a sustentabilidade, no que se refere ao suporte de despesas para assegurar o funcionamento pleno do centro?

EMS - É a coisa que considero muito mais difícil, aliás, posso dizer que muitos projectos nascem hoje e morrem amanhã, exactamente por falta de sustentabilidade. A sustentabilidade é difícil. Só até 2009, eu já tinha gasto 711,000,00Mt (setecentos mil meticais). Este dinheiro, o doador principal é a Pensão Quintinha. É a responsabilidade social da Pensão Quintinha. Ainda estou a gastar mais. O projecto vai gastar mais, qualquer coisa como 2.723,000,00Mt (dois milhões e setecentos vinte e três mil meticais) até ao fim da conclusão de todas as construções. Portanto, a sustentabilidade é difícil e foi por isso que pedi uma amostra muito pequena de 20 crianças. Então, a pensão consegue arranjar algum valor para poder dar canetas e cadernos e aquilo que podemos dar. Aos sábados as crianças têm lanche.

NL - Algum apoio recebido até já?

EMS - A Vilas do Milénio doou mochilas (25) e apareceram algumas pessoas singulares que compram roupa usada e distribuem para as crianças. Passou aqui a primeira-dama do município e ofereceu cadernos e a uma criança paralítica ofereceu uma manta. Já passou a chefe do posto administrativo que ofereceu material escolar. As pessoas querendo ou não estão a perceber que este é um projecto importante. Aquilo que eu sentia como peso já começo a ver que no futuro não será, muitas pessoas virão e todos poderemos fazer algo para as nossas crianças. O governador da província quando visitou deixou um recado, lançar o projecto ao nível das igrejas para que possam dar ensinamentos. As igrejas têm melhor tipo de ensinamento do que qualquer outro tipo de sociedade.

NL - Como nasce a paixão de trabalhar com a criança?

EMS - A paixão nasce porque, primeiro, eu sou um técnico superior da educação. Já experimentei criar uma associação em Nampula que se chamou "Associação de Formadores de Crianças Órfãs", era só de professores e mais profissionais de educação para ajudar a formar crianças órfãs e o projecto ficou muito grande. A partir daquela altura e quando fui estudar fora o projecto morreu. Quando vim para aqui criei uma espécie de fundação, não tenho dinheiro, mas olhando isto é uma fundação, poderá vir alguém que possa dar mão.

NL - Qual tem sido o constrangimento?

EMS - O maior constrangimento tem sido e que considero como calcanhar de Aquiles a remuneração dos voluntários. Eles trabalham arduamente, mas no fim do mês não consigo dar-lhes nada. Este constrangimento pode até vir a matar o projecto, mas se eu conseguir por a funcionar o lar dos estudantes e a oficina pedagógica, muita coisa estará facilitada.

NL - Oficina pedagógica?

EMS - É uma oficina onde é elaborado material só para usar nas salas de aula, mas também há uma particularidade, por eu ser técnico da educação todo aquele que vier comprar o kit de sala de aula será um profissional da educação ou a educação no seu todo e os compradores terão um treinamento. Eu estou preocupado com a qualidade de ensino.

NL - Que analise faz do sistema de educação no país?

EMS - Eu não me quero meter muito no actual sistema de educação porque é uma peça muito grande, por isso está a falar de sistema. Se é sistema é uma coisa muito complexa, que envolve vários elementos, vários actores, nomeadamente o governo, os pais e os alunos, professores e a sociedade. Cada um deles como parte deste sistema vamos notar que o sistema está muito bom. Como qualquer um, precisa de ser actualizado, ver o que é que está a faltar, a falhar para melhorar. Neste momento a parte mais importante que deve ser pegada é a qualidade de ensino, a expansão e a formação do pessoal. Estas três peças se forem bem pegados, eu acho que estaremos a caminhar para ter um sistema que nós queremos.

NL - Quem é Eugénio Mucarie Samule?

EMS – Nasci no distrito de Pebane, no posto de Milela em 1954, província da Zambézia, em Moçambique. Sou pai de dez filhos. Sou bacharel em gestão da educação.
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