sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Guiné-Bissau: “Pouca ambição das autoridades em combater a pobreza"

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GAZETA DE NOTÍCIAS

“DENARP EXPRESSA POUCA AMBIÇÃO DAS AUTORIDADES EM COMBATER A POBREZA” - CONSIDERA O SECRETÁRIO EXECUTIVO DA SWISSAID

ENTREVISTA

Gazeta de Notícias (GN): Qual é a importância do Documento Estratégico Nacional de Redução da Pobreza (DENARP), nesta situação em que se encontra a Guiné-Bissau?

Alfredo Handem (AH): A meu ver o Documento de Estratégico Nacional de Redução da Pobreza (DENARP) expressa a pouca ambição das autoridades em combater a pobreza. Porque, se não, vejamos: o próprio nome do documento fala por si mesmo, que é apenas uma iniciativa que visa reduzir a pobreza, ou seja, tudo aquilo que estão a fazer é apenas para reduzir a pobreza no seio da sociedade guineense e não acabar com ela definitivamente. Penso que a Guiné-Bissau terá que apostar e acreditar numa visão do desenvolvimento muito mais ambicioso e que exprime o desejo do povo guineense, do Governo, das instituições públicas e privadas, rumo ao desenvolvimento e crescimento económico do país, mas não pensar apenas num projecto estreito de reduzir a pobreza.

Se tudo aquilo que estamos a fazer é apenas para tentar reduzir a pobreza, acho que estamos a pensar baixo, a pensar ainda devagar e ter muito pouca ambição em termos de desenvolvimento. Acho que é preciso pensarmos sobretudo numa visão de desenvolvimento a longo prazo que privilegie o crescimento económico da Guiné-Bissau e deixarmos de pensar que tudo aquilo que vamos fazer é apenas tentar diminuir a pobreza.

É preciso que o país crie as alavancas para o desenvolvimento, para o crescimento e para o bem-estar das populações. O DENARP é um documento importante que se vai articular com o programa do Governo e com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Este documento para a comunidade internacional e os doadores representa uma orientação em termos daquilo que o país pensa fazer para poder lutar contra a pobreza daqui a cinco anos.

O primeiro documento estratégico nacional de redução da pobreza cobriu o período de 2005/2010, neste momento há tudo um conjunto de esforço para a elaboração do segundo documento estratégico nacional de redução da pobreza.

O DENARP-II vai ser, digamos, uma visão que vai ter em conta o que foi o primeiro documento estratégico. Muita gente tem uma voz muito crítica em relação ao primeiro documento, nomeadamente no que diz respeito a algumas lacunas que o primeiro documento estratégico oferece em termos de luta contra a pobreza. Essas vozes críticas, penso que tiveram uma repercussão na equipa de pilotagem que está agora a trabalhar no segundo documento estratégico e inclusive essa equipa está a ser supervisionada pelo Primeiro-ministro. Essa equipa técnica que é responsável pela elaboração do documento tem estado a tentar incutir uma abordagem participativa em termos de elaboração de conteúdos para o segundo documento estratégico podendo assim, talvez, suprimir as lacunas que existiam no primeiro documento estratégico nacional.

Se olharmos para o figurino do nosso país vamos constatar que mais de 80% da população é pobre, depois vamos constatar ainda que a maior parte dos pobres vive no mundo rural. Se se pretende fazer uma política de luta contra a pobreza, há toda a necessidade de incluir esses 80 % que vivem no mundo rural e que são os mais pobres, portanto, neste caso, os camponeses.

É impossível conceber uma política de luta contra a pobreza e sem incluir os pobres, a dimensão da agricultura não estava muito bem desenvolvida no DENARP-I. Penso que esta equipa está consciente dessa situação, pelo que está a procurar, através de engajamento dos consultores e pessoas com experiências nesta área, para poder dar um conteúdo muito mais consistente à questão da agricultura que é a espiral de toda e qualquer tentativa de luta contra a pobreza.

Também existem algumas áreas que não estão muito bem contempladas, designadamente, a área do ambiente. Tudo aquilo que estamos a fazer agora tem uma repercussão muito grande no ambiente; o meio ambiente determina praticamente a vida das pessoas e a forma que nós produzimos. Felizmente até agora não sentimos as grandes pressões de mudanças climáticas e este ano até talvez um bocadinho por causa das enchentes que tivemos aqui, mas há países que sofrem imensamente por causa das mudanças climáticas.

Portanto, a questão ambiental e da energia eléctrica são aspectos muito importantes na vida de um povo e de um país, mas que, infelizmente, não estavam muito bem contemplados no DENARP-I. Agora, neste momento, a equipa encarregada de elaborar o segundo documento estratégico está a tentar aprofundar essas áreas e procurar ainda melhores elementos no que se refere a problemática ambiental, bem como a questão da energia eléctrica que o país enfrenta a fim de poder enriquecer o DENARP-II.

GN: Concretamente, que apreciação faz do DENARP-II que ainda se encontra em preparação? Acha que pode cobrir as lacunas deixadas pelo primeiro documento estratégico?

AH: Acredito que a segunda fase do documento estratégico nacional de redução da pobreza que se encontra em preparação, conseguirá cobrir as lacunas deixadas pelo DENARP-I. Mas, no meu entender, para que isso seja realidade, ou seja, para evitar os erros do passado é preciso que sejam criados comités de seguimento desse projecto em todas as regiões do país. Uma equipa muito flexível composta pelos técnicos da agricultura, da saúde, da sociedade civil, da educação, entre outros, a fim de fazer, de facto, o seguimento do alcance dos indicadores e poder registar ainda os progressos e as falhas que serão encontradas no terreno.

Acho que a equipa responsável pela elaboração deste documento está muito consciente das lacunas existentes no documento anterior. Mais uma vez peço desculpas pela minha observação, ao fundo temos um documento que é chamado documento nacional, mas que é feito apenas em função dos interesses do doador. Portanto, é preciso que trabalhemos esse documento da melhor forma possível, de maneira a podermos beneficiar de algumas facilidades como, por exemplo, o perdão da divida de que já estamos a usufruir.

A Guiné-Bissau tem que dar um passo muito mais qualitativo no futuro, bem como pensar numa visão estratégica a longo prazo que visa o desenvolvimento do país. Nós temos que querer o desenvolvimento e não podemos querer apenas reduzir a pobreza. Para mim esse conceito demonstra que nós não temos ambição, pensamos muito baixo e tudo aquilo que vamos fazer é apenas para reduzir a pobreza. Temos que ter a coragem de lutar para criar o desenvolvimento, ter um crescimento económico desejável, criar uma boa condição de vida para todos os cidadãos a fim de fazer da sociedade guineenses uma sociedade mais feliz.

GN: O que é preciso fazer para transformar a sociedade guineense, numa sociedade mais feliz?

AH: Primeiramente, o país precisa da paz e estabilidade, que é a condição sine qua non. Não há nenhum país no mundo que consiga desenvolver-se sem paz e estabilidade. Pelos sinais que temos estado a ver, e penso que estamos a caminhar para esse processo, uma vez consolidado o mínimo em termos de paz e estabilidade. É preciso uma visão do desenvolvimento do país que, para mim, deve assentar-se essencialmente na agricultura.

Temos um país com grandes potencialidades em termos da produção agrícola; temos imensos rios de água doce que criam condições propícias para a agricultura, cerca 80% da população é camponesa e agricultores especializados em muitas produções.

Portanto, deve-se adoptar uma iniciativa de investimento em termos de bancos de créditos agrícolas. Para mim seria essencial que sejam criados em todas as províncias, Leste, Norte e Sul bancos de crédito agrícola, bancos com critérios duros e normas de funcionamento muito eficazes. Este banco teria como finalidade conceder crédito aos pequenos agricultores para a criação de pequenas e médias empresas para a produção, transformação e comercialização dos seus produtos.

Isto é o desenvolvimento de verdade que se estende até as regiões. Mas também o executivo deve investir na recuperação e manutenção das pistas rurais porque é preciso que haja boas pistas que permitam as pessoas transportar os seus produtos e poderem atingir o mercado para comercialização. Portanto, são essas acções muito simples, do ponto de vista estratégico, em que o Governo deve apostar, de forma a poder relançar a economia do país. Além disso, o Governo deve igualmente apostar na diversificação dos produtos agrícolas no sentido de evitar a dependência da mono-cultura de caju, não obstante jogar um papel muito importante para o crescimento da economia e do Produto Interno Bruto do país.

Na minha opinião é preciso diversificar a produção, produzindo cereais, legumes, e, investir para que os produtores e os camponeses possam transformar os seus produtos e ao mesmo tempo criar-lhes as condições necessárias para comercializar os seus produtos.

Esse investimento no sector produtivo, ou seja, nas áreas das agricultura e das infra-estruturas é a prioridade em que o Governo deveria apostar nos próximos tempos, para poder realizar o que é preconizado para a luta contra a pobreza.

GN: O que é que a luta contra a pobreza pode representar para a população da Guiné-Bissau?

AH: Conforme os dados temos, 20% da nossa população que vive em pobreza absoluta; depois temos 60% que vive na pobreza extrema. Isso significa que dois em cada três agregado familiar guineense é pobre, isto em termos da pobreza material. Agora, há quase 80% da população que é pobre, tendo ainda uma população calculada à volta de 750 mil pessoas que não sabem ler e escrever.

A partir deste cenário penso que todos nós temos que repensar as nossas estratégias do desenvolvimento e poder priorizar os investimentos em áreas que dão retorno a curto prazo, como áreas do sector produtivo, e, depois, o sector social. Portanto acho ainda que a prioridade seria focalizar a atenção em investimentos nas áreas produtivas, ou melhor, naquilo que a população sabe fazer. O Governo deve criar incentivos para que as populações possam de facto trabalhar e produzir mais; mas esse incentivos vão começar com a criação do banco de crédito agrícola e a descentralização do poder para que as pessoas, ou melhor, as empresas, possam realmente exercer as suas actividades normais em qualquer que lugar.

GN: Acha que o crescimento e a redução da pobreza podem ser uma realidade no país?

AH: Acredito que o longo prazo o crescimento e a redução podem ser uma realidade na Guiné-Bissau, mas para que isso seja mesmo uma realidade é preciso que as pessoas apostem na verdade numa visão estratégica de desenvolvimento e centralizada no homem. Se olharmos para as características e as especificidades de cada região, em função disso procurar investir nas diferentes áreas, há zonas em que é preciso investir mais no comercial e na tecnologia de transformação, há zonas onde é preciso investir na diversificação da produção agrícola e transformação destes produtos, há zonas onde é preciso investir no desenvolvimento das pescas.

Portanto, é em função disso que devemos olhar para a fotografia do país e procurar investir no sentido de inverter a situação. Acredito que quando a Guiné-Bissau deixar de pensar no DENARP daqui a 5 anos e começar a pensar numa visão estratégica do desenvolvimento a longo prazo, ou seja, de 20 anos, 30 anos, acho que nós vamos poder melhorar a nossa situação, vamos poder crescer melhor e poder de certeza absoluta eliminar a pobreza.

GN: Cerca de 20% da população da Guiné-Bissau vive na extrema pobreza e com menos de um dólar norte-americano por dia. Acredita que pode ser invertida essa tendência ?

AH: Aí de mim se não acreditasse! Imagina, uma pessoa como eu, que trabalha vários anos no desenvolvimento e conheço muito bem a potencialidade do país em termos de recursos humanos, também dos recursos naturais... Acredito que a Guiné-Bissau tem todas as condições necessárias para sair desta situação em que se encontra e para um patamar muito mais elevado.

O país precisa só de alcançar a paz e estabilidade, mas é preciso igualmente que haja um investimento grande em termos da organização do aparelho do Estado. Também é preciso uma aposta muito grande no conhecimento e no saber para que o país possa não só definir as melhores estratégias, mas também poder alcançar essas estratégias. Acredito ainda cegamente de que é possível inverter a situação daqui a pelo menos 10 anos.

-Continua-
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