terça-feira, 4 de janeiro de 2011

MEIO SÉCULO DE RESGATE HISTÓRICO

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MARTINHO JÚNIOR

Faz precisamente agora 50 anos que houve a revolta da baixa do Cassange aqui em Angola, que ocorreu praticamente dois anos depois duma Revolução com sentido internacionalista que havia dado à luz do outro lado do Atlântico num parto difícil mas decisivo, em Cuba. (1)

Daquele lado que havia sido o destino dos escravos africanos que sobreviviam à travessia, uma Revolução de oprimidos, que mantém hoje os mesmos compromissos históricos de então perante pátria e humanidade, emergia e isso reflectir-se-ia no resgate histórico e de amor perseverante entre ambos os lados do Atlântico, onde escravatura, colonialismo e neo colonialismo foram deixando suas sucessivas marcas de há vários séculos a esta parte…

A partir da baixa de Cassange estavam criadas as condições em Angola para se iniciar a legítima luta contra o colonialismo português, como antes em Cuba, cumprindo com tradições libertárias próprias do Caribe e das Américas, houvera toda a legitimidade em se lutar contra o regime ditatorial de Baptista, um poder só possível pela coincidência de interesses entre si (a oligarquia cubana) e a hegemonia hemisférica dos Estados Unidos. (2)

Há pois um rio imenso de nexos entre as situações correntes em África e na América Latina, nexos esses que hoje perduram e fazem parte do património histórico-cultural comum dos países do sul ribeirinhos do Atlântico que viveram o anátema da escravatura do “comércio triangular”, uma das primeiras fórmulas de globalização.

O internacionalismo da Revolução Cubana tem tido assim um sentido de resgate, criando impactos sobre as mais diversas componentes da antiga rota dos escravos.

Os compromissos de Cuba Revolucionária para com os antigos escravos, que foram colonizados, que foram alvo do “apartheid”, que foram “bantustanizados”, que têm sido alvo de neo colonialismo e de outros modos de opressão, mantêm-se meio século depois, pois para muitos desses Povos, existem ainda hoje, por exemplo, as mesmas condições de vida que então e em alguns casos, situações ainda mais degradantes que antes.

Esse exemplo está a influenciar outros estados latino americanos, como o Brasil, no sentido de desencadear ainda mais acções de resgate, cada vez mais alargadas, a favor daqueles que tendo há várias gerações sobrevivido a regimes de opressão extrema, sofrem ainda hoje suas sequelas: é o caso da aproximação Cubano-Brasileira no Haiti e a favor do Povo do Haiti.

No acto de posse de Dilma Roussef como Presidente do Brasil, o Primeiro Vice Presidente Cubano José Ramón Machado Ventura teve a oportunidade de reforçar a aproximação com vista à luta contra as sequelas de séculos de desespero no Haiti. (3)

No momento que escrevo, o contingente de especialistas de saúde cubanos no Haiti acaba de ser reforçado e vai chegar agora às regiões de mais difícil acesso do país, para que duma vez por todas se acabe com a epidemia de cólera que é o último dos flagelos que atingiram a pequena e heróica nação do Caribe, num Janeiro que é fértil de memórias, quão de exemplos. (4)

A 1 de Janeiro de 1933 os guerrilheiros de Augusto César Sandino conseguiram após longa e sangrenta luta, que os fuzileiros navais norte americanos abandonassem a Nicarágua; Cuba e Haiti comemoram suas Revoluções a 1 de Janeiro; a 4 de Janeiro de 1961 ocorreu a revolta da baixa do Cassange; a 2 de Janeiro de 1965 Ernesto Che Guevara encontrou-se em Brazzaville com o Presidente do MPLA, Agostinho Neto, iniciando-se a aproximação angolano-cubana… (5)

Há uma ponte de perseverança, de heroísmo, de amor, de solidariedade, de internacionalismo que foi edificada desde os primeiros dias da Revolução Cubana inspirada também pela legítima revolta dos Povos da América (Sandino foi e é uma das referências), que Cuba soube construir com dignidade, com sacrifício, mas também com um imenso mérito, uma ponte feita na argamassa do resgate histórico dos oprimidos, seguindo a trilha da antiga rota dos escravos e por isso os exemplos da Revolução Cubana vistos aqui de Angola, com os olhos de Angola, calam bem fundo.

A Operação Carlota, aquela que possibilitou na altura decisiva da Independência que fosse o movimento de libertação nacional e não um qualquer etno nacionalismo da conveniência dos poderes imperiais e de seus aliados como a África do Sul do “apartheid”, a assumir os destinos de Angola, ilustra bem, com o nome duma escrava-combatente, o destino do internacionalismo incentivado com a Revolução Cubana.

Se Cuba é pátria e humanidade, então também é a pátria comum de todos os oprimidos e daqueles que com consciência crítica procuram onde quer que seja, caminhos alternativos de amor, de paz, de justiça social, de democracia com sentido de cidadania… (6)

Hoje, mesmo com as novas elites forjadas no neo liberalismo incentivado com a globalização e o império, as novas elites que se divertem em suas lantejoulas e quinquilharias, mesmo que se desvirtuam os princípios, a dignidade e o sentido da vida do movimento de libertação, é evidente que não se pode fugir à cultura de resgate que foi lançada heroicamente com o internacionalismo proposto pela Revolução Cubana, ele próprio um património inestimável e incontornável para toda a Humanidade!

É precisamente com a distância ética e moral que se expande do internacionalismo da Revolução Cubana e do movimento de libertação em África, que é importante lembrar os acontecimentos da baixa do Cassange, acontecimentos que não mais se poderão repetir!

Notas:
- Revolução Cubana –
http://www.suapesquisa.com/historia/revolucao_cubana.htm ; Revolución cubana - Wikipedia – http://es.wikipedia.org/wiki/Revoluci%C3%B3n_cubana ; La Revolución Cubana – http://www.ensubasta.com.mx/la_revolucion_cubana.htm
- (2) – Angola 1961 – da baixa do Cassange a Nambuangongo – António Lopes Pires Nunes –
http://petrinus.com.sapo.pt/sublevacao.htm ; http://petrinus.com.sapo.pt/cassange.htm ; MPLA reitera profundo reconhecimento aos mártires da repressão colonial – ANGOP – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2011/0/1/MPLA-reitera-profundo-reconhecimento-aos-martires-repressao-colonial,4aa95629-66d1-4c95-a9d9-61ba8f491337.html
- (3) – Recibe nueva Presidenta de Brasil al compañero Machado Ventura – Granma Internacional –
http://www.granma.cu/espanol/cuba/3enero-recibe.html ; Dilma recebe carta de rei espanhol e defende ajuda ao Haiti – Jornal do Brasil – http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/01/02/dilma-recebe-carta-de-rei-espanhol-e-defende-ajuda-a-haiti/ ; Dilma diz a Ban Ki-Moon que Brasil tem disposição para continuar na liderança no Haiti – Jornal do Brasil – http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/01/03/dilma-diz-a-ban-ki-moon-que-brasil-tem-disposicao-para-continuar-na-lideranca-no-haiti/
- (4) – Envia Fidel mensage de saludo a cooperantes cubanos en Haiti – Cubadebate –
http://www.cubadebate.cu/noticias/2010/12/25/envia-fidel-mensaje-de-saludo-a-cooperantes-cubanos-en-haiti/ ; Fidel converso por teléfono com médicos en Haiti – Cubadebate – http://www.cubadebate.cu/noticias/2010/12/27/fidel-converso-por-telefono-con-medicos-en-haiti/
- (5) – Augusto César Sandino – Wikipedia –
http://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_C%C3%A9sar_Sandino ; http://en.wikipedia.org/wiki/Augusto_C%C3%A9sar_Sandino ; Biographical notes – http://www.sandino.org/bio_en.htm ; Augusto César Sandino – Controvérsia – http://blog.controversia.com.br/2008/05/12/augusto-cesar-sandino/
- (6) – La Revolución en Haiti y su legado por el porvenir de la emancipación – Omar Acha – La Jiribila –
http://www.lajiribilla.co.cu/2010/n455_01/455_04.html ; História do Haiti – Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_Haiti ; La maldición blanca – Eduardo Galeano – http://www.chilehaiti.cl/docs/galeano2004.pdf
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