sábado, 19 de fevereiro de 2011

“FOMOS ENGANADOS DURANTE 6 ANOS” – António Barreto em entrevista

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Manuela Moura Guedes - Paulo Pinto Mascarenhas – Correio da Manhã - Foto Sergio Lemos – 19 fevereiro 2011

Sociólogo diz que Sócrates, o PS e o Governo perderam o crédito.

Correio da Manhã - É capaz de se pôr no papel de José Sócrates?

António Barreto - Posso tentar-me pôr ficticiamente no cargo dele, no papel dele não.

- O que acha que Sócrates vai fazer nos próximos tempos?

- O que ele vai fazer é resistir, resistir, resistir o mais tempo possível - e vai esperar por um momento adequado, primeiro para fazer uma remodelação e segundo para se submeter a eleições quando for mais conveniente. Na reunião do PS com os independentes a designação genérica é sintomática: ‘Defender Portugal. Vai dizer aos socialistas e ao mundo que Portugal está a ser atacado, que temos inimigos, que são os financeiros, a banca, a União Europeia, a senhora Merkel. Este ano estamos a perder a mais importante fatia de soberania dos últimos anos. Isto está à beira do protectorado. A amplitude de liberdade de decisão dos portugueses é muito curta.

- Sócrates está aliado...

- Ele quer dizer que o que vai ser feito de difícil em Portugal é contra a vontade e que ele está do lado do povo. Isto é típico', e é um bocado primitivo, mas é assim.

- Como é que define os portugueses? Ao contrário dos gregos ou dos irlandeses, não contestam...

- Estou convencido de que nos próximos dez anos vamos ter movimentações fortes, duras, não sei se convulsões sociais ou agitação social.

- Mas não tem acontecido isso e o português tem sido fustigado com medidas muito duras...

- Não há muito tempo. Começou a doer há três, quatro anos. Espere mais um bocadinho... Sabe que os portugueses viveram trinta anos absolutamente extraordinários e isso não provoca nem convulsões nem protestos...

- Sim, mas com uma grande diferença em relação aos europeus...

- Temos três ou quatro anos de uma situação difícil, que começou a doer, que começou a fazer mal, vamos ver o que vem a seguir.

- Até agora não se passou nada...

- Os desempregados portugueses andam à procura de emprego. Andam à procura de pão para os filhos, ou de tecto para dormir, de água em casa. Sobra a emigração, que recomeçou muito forte.

- O Governo actual tem capacidade para aplicar as medidas e as reformas necessárias?

- O Governo actual nem pouco mais ou menos. As pessoas não têm confiança neles, no PS ou no Governo. Foram perdendo confiança.

- O Presidente da República devia fazer alguma coisa?

- Não pode, não tem poderes para isso. Por um lado, ele não quer, foi o que nos disse até agora.

- Mas o que se pode esperar dele?

- Eu não espero nada, mas gostaria que fosse mais seco e mais duro e mais directo com o Governo e alertasse em público, que o povo fosse testemunha das relações entre o Governo e o Presidente da República. Se o veto do decreto do Governo, porque é a primeira vez que ele faz isso, quer dizer que este é o novo estilo, há qualquer coisa que vou olhar com interesse. Porque é o órgão de soberania que tem mais legitimidade em Portugal...

- A Presidência da República?

- Tem uma legitimidade fresca, porque a legitimidade também se gasta. E tem um enorme capital, que é o voto do povo. Com o povo como testemunha - insisto nisso - é através de declarações públicas, actos, idas ao Parlamento, mensagens ao Parlamento, dizendo o que se quer e o que se pretende.

- A Oposição conhece a situação em que Portugal está realmente, os números verdadeiros? Os portugueses sabem?

- Agora sabemos. Depois de seis anos de mentira, sabemos. Agora, sabe-se mesmo. Os preços a subir 10, 15, 20, 30%, os vencimentos a descer 2, 3, 5, 10, 15%. A opinião pública foi severamente enganada. Fomos enganados durante seis anos. Foi-nos anunciado que havia dinheiro para o aeroporto, para o TGV, para as obras públicas, para novos empregos, empresas, para fomentar a exportação. Até havia dinheiro para pagar os bebés...

- Era ano de eleições...

- Lamento. Eu sei isso, mas não me conformo. É pena que seja assim, a mentira é a moeda política corrente em Portugal. A unidade de conta política em Portugal é o engano e a mentira e a ocultação. Eu tenho pena disso, como tenho pena de que haja corrupção e favoritismo em permanência na vida política portuguesa.

- O que se pode fazer?

- Aflige-me que não haja uma resposta, um protesto mais organizado, que não haja um ou dois partidos políticos novos, que viriam refrescar o panorama. Os partidos que temos hoje no Parlamento não estão à altura da crise, não estão à altura sequer de poder negociar entre eles, estão demasiado crispados, demasiado envolvidos e cúmplices.

- Estamos condenados ao fracasso, como país independente?

- Portugal é um caso extraordinário de resiliência, de resistência, ao longo de séculos. Por outro lado, é verdade que agora estamos a integrar airosamente um estatuto de menoridade, de subalternidade na Europa. Há uma espécie de fiasco ou de fracasso dos últimos anos e dos próximos, porque isto não se reverte em dois anos ou três. O que se vai passar daqui a 10 ou 20 anos não faço a mínima ideia, nem ninguém sabe. Nos últimos anos, Portugal foi colocado numa grande alhada. Portugal fracassou.

PERFIL

António Barreto, sociólogo, nasceu no Porto em 1942 e é presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Estudou Direito em Coimbra até 1963, ano em que foi para a Suíça. Licenciou-se em Sociologia na Universidade de Genebra, em 1968, onde voltaria para se doutorar. Foi ministro da Agricultura de Mário Soares, entre outros cargos políticos.
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