terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

NAS RUAS, COMO NOS VELHOS TEMPOS

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RUDOLPHO MOTTA LIMA* – DIRETO DA REDAÇÃO

Os recentes acontecimentos mundiais, que envolvem, em distintas áreas do planeta, grandes manifestações populares de insatisfação com governos discricionários e, em alguns casos, a própria derrubada desses governos , nos convida a uma reflexão saudosista.

A saudade, no caso, conduz-nos aos anos 60, 70, 80, onde, no Brasil e no mundo - aqui, antes e depois do golpe militar - o comprometimento social das pessoas se expressava através de mobilizações de massa, na luta por direitos então considerados não atendidos, suprimidos ou em vias de supressão. A indignação marcava nas ruas sua presença – muito mais que hoje - em passeatas que, reprimidas ou não, simbolizavam a inconformada voz do povo. Essa época imortalizou um grito de afirmação da soberania popular: “O povo unido jamais será vencido !”

As manifestações no Oriente Médio contrastam com uma certa passividade que atualmente a sociedade ocidental deixa manifesta, diante de fatos que deveriam provocar imediata mobilização, em cenários que apresentam diferentes graus de relevância, mas que, em última análise, revelam o primado da inação.

Houve reações na Itália aos desmandos de Berlusconi, mas espera-se mais do povo italiano diante dos destemperos, da derrocada moral e do verdadeiro escárnio de um presidente que parece pairar acima daqueles que pretensamente representa e que, ironicamente, ameaça pôr, ele sim, os seus partidários na rua para defender suas posturas reprováveis.

Comunidades nacionais inteiras, mundo afora, estão a conhecer, sem reação considerável , as declaração do ex-Primeiro Ministro britânico Tony Blair, reconhecendo o “equívoco” da análise da existência de armas atômicas no Iraque, e, indiretamente, admitindo uma certa manipulação deliberada da opinião pública em ação que redundou em dezenas de milhares de mortes naquele país.

E o americano médio, que assistiu, sem questionar , a um filme como “ Sicko”, de Michael Moore (de denúncia aberta dos males cometidos contra a saúde do povo em nome da ganância), aceita, igualmente sem grandes reações, os posicionamentos de rejeição ao plano do Obama que procura contrapor-se a essa perversa engrenagem.

O tempo que vivemos vem sendo mesmo, predominantemente, o tempo da inércia, da acomodação, do conformismo, da falta de comprometimento. Penso que essa postura tem a ver com a ideologia neoliberal que coisifica as pessoas, e é incentivada por estímulos ao hedonismo, ao consumismo, ao individualismo enfim, que faz com que os indivíduos, em geral, não se identifiquem com os problemas alheios e, paradoxalmente, não enxerguem sequer o mal que se faz a eles próprios.

A mídia, vinculada à manutenção das desigualdades por representar os economicamente poderosos, sabe como inocular nos cidadãos comuns o vírus da alienação. Em nosso país, temos todo um falso aparato de informação para não informar (ou desinformar) e suportamos as vulgaridades televisivas de cada dia, materializadas nas novelas e mais novelas de baixíssimo valor dramatúrgico desvinculadas dos grandes problemas do povo, nos programas humorísticos que beiram o escatológico, nas fazendas e big brothers que nada trazem de bom para a construção de uma sociedade sadia.

No Brasil, se é verdade que o ambiente democrático que exercitamos não apresenta problemas da magnitude dos que antes mencionamos, nem por isso faltam ao nosso povo razões de indignação. Temos, por exemplo, na ordem do dia, o caso dos governadores que pleiteiam vergonhosas pensões arrancadas da contribuição de quem uma vez imaginou estar representado por eles. O Mair Pena Neto trouxe o tema para o DR. Lembro-me, a propósito, de um "Projeto de Constituição”, atribuído a Capistrano de Abreu, que sugeria uma Carta Magna com um único artigo (“Todo brasileiro deve ter vergonha na cara”) e um parágrafo único (“Revogam-se as disposições em contrário").

Mas é mesmo difícil esperar isso dos governados com governantes tão destituídos de vergonha.

Estamos perdendo a capacidade de mobilização nas ruas, talvez porque as pessoas estejam cada vez mais compelidas ao isolamento individualista, em detrimento da solidariedade do coletivo. Cito esse episódio dos governadores ( que tende a cair no esquecimento), como emblemático de muitos outros, sem preocupações partidárias, mas ideológicas, até porque há, no caso desse assalto ao dinheiro público acobertado por legislação imoral, envolvimento de políticos dos mais diversos partidos.

O povo brasileiro ressente-se, nos dias de hoje, de participação. Não pode assistir, inerte, a ocorrências desse tipo. Pode e deve reagir, valendo-se de organizações não governamentais, de órgãos de classe e de mídia eletrônica, com ou sem o apoio dos organismos midiáticos tradicionais (que só “provocam” a reação popular quando lhes convém). O povo, sempre que ofendido em seus direitos, deve exercer o seu soberano poder e (por que não?) ir para as ruas, como nos velhos tempos...

*Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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