sábado, 5 de fevereiro de 2011

Reportagem: "Somos um país tranquilo. Não somos o país de Laurent Gbagbo"

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Os cabo-verdianos interiorizaram a ideia de que não haverá rupturas (Miguel Madeira)

João Manuel Rocha, em Cabo Verde – Público – 05 fevereiro 2011

Cabo Verde à espera de eleições sem sobressaltos

O histórico PAICV pede uma inédita terceira maioria absoluta. O MpD, que governou nos anos 1990, tenta regressar ao poder

Os ecos da campanha ainda se ouvem em Cabo Verde, que amanhã, pela quinta vez em 20 anos, elege democraticamente o seu Parlamento. O calor da luta eleitoral e mesmo as trocas de acusações mais duras, que passaram por denúncias recíprocas de compra de votos, não parecem beliscar o modo sereno como as eleições estão a ser encaradas.

"Somos um país tranquilo. Não há essas coisas de violência. Nós não somos como o país de Laurent Gbagbo", respondeu ontem José António, um motorista cabo-verdiano da Cidade da Praia, quando questionado sobre o dia seguinte às eleições. Gbagbo, Presidente cessante da Costa Marfim, recusa-se a deixar o poder, apesar de ter perdido as eleições de Novembro do ano passado.

Camilo da Graça, diplomata e professor universitário cabo-verdiano de Relações Internacionais, confirma que os cidadãos "recusam a comparação com alguns exemplos tristes de países vizinhos nessa matéria de democracia" e têm orgulho na boa imagem externa.

A tranquilidade com que as eleições estão a ser encaradas é também o resultado da experiência de duas décadas de democracia com alternância pacífica, factor que contribuiu em muito para construir a imagem de serenidade e progresso do país, independentemente da orientação política do Governo.

A boa governação é outro traço associado a este país muito dependente do exterior - quer das remessas de emigrantes quer da ajuda pública ao desenvolvimento, que nos últimos anos perdeu peso em favor do investimento directo estrangeiro, como assinala Vítor Reis, economista português que se doutorou com uma tese sobre estratégias de desenvolvimento em Cabo Verde.

"À espera do melhor"

Em vésperas de eleições, os cabo-verdianos parecem ter interiorizado a ideia de que a sua vida continuará sem sobressaltos, que não haverá grandes rupturas e que o melhor está para vir. "Ou fica José Maria Neves ou ganha Carlos Veiga, esperamos sempre o melhor", confirma José António.

Neves é o actual primeiro-ministro e líder do PAICV, o "PAI", antigo partido único, de esquerda, e procura um inédito terceiro mandato consecutivo, após as vitórias de 2001 e 2006. Tem agora 41 deputados.

Veiga será o chefe do Governo se o MpD, partido da família política do PSD português, conseguir regressar ao poder que deteve na década de 1990, após a adopção do multipartidarismo. São os únicos que concorrem em todos os 13 círculos eleitorais. Têm agora 29 deputados.

Quando ontem chegaram à Cidade da Praia, vindos da ilha de São Vicente, a segunda com maior peso eleitoral, os dois líderes adoptaram um discurso optimista nas declarações que fizeram ao PÚBLICO. "Espero reforçar a maioria", disse José Maria Neves.

"Fui recebido com um extraordinário carinho em todas as ilhas", referiu o presidente do "PAI", que destacou a "boa adesão" à campanha e pediu aos eleitores que "votem sobretudo em Cabo Verde, porque Cabo Verde não pode parar, não pode fazer marcha atrás".

Um par de horas antes Carlos Veiga manifestara-se "animadíssimo", com o modo como correram as duas semanas de campanha, e esperançado na boa adesão dos eleitores. "Vamos ganhar. Não tenho dúvidas de que vamos ganhar, afirmou. "Os cabo-verdianos podem estar tranquilos. A alternância de poder é boa e não vai haver problemas nenhuns. Vamos criar condições para que a vida das pessoas melhore."

"Muda" ou "Manti""

A resposta que amanhã será pedida aos cabo-verdianos é entre o "Mesti Muda" - slogan em crioulo que defende a necessidade de mudar - lançado pelo MpD; e o "Mesti Manti" - algo como: É preciso continuar - com que respondeu o PAICV, invocando a obra feita.

O combate ao desemprego e a aposta no turismo são promessas comuns aos dois maiores partidos. A falta de trabalho afecta, segundo as estatísticas oficiais, 13,1 por cento dos activos. Este valor foi obtido após a adopção de metodologias internacionais e é dez pontos inferior aos números a que se chegavam através das regras em vigor até ao ano passado. Já o turismo é o grande motor da economia. O PAICV não quantifica objectivos nessas áreas, mas o MpD assume a intenção de atrair um milhão de turistas por ano e de criar 30 mil postos de trabalho.

O partido de José Maria Neves propõe "Mais Cabo Verde" e deu também particular ênfase na campanha à manutenção do esforço de criação de infra-estruturas, que incluiria a construção de duas dezenas de barragens.

A boa imagem de Cabo Verde é um factor que para os estrangeiros pode ser tido como jogando a favor da continuidade - o país é referido como um exemplo africano pelo bom posicionamento em indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano, apesar de problemas como a criminalidade e a associação a rotas de tráfico de droga. Mas falta perceber até que ponto esse dado, que é "motivo de orgulho", pesa, ou não, na hora de votar.
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2 comentários:

Anónimo disse...

CABO VERDE - A POSSIBILIDADE DE "REPRESENTAR" MENOS E DE "PARTICIPAR" MAIS.

1 ) Cabo Verde é de todos os países da CPLP aquele que melhores condições objectivas e subjectivas possui para que o poder do estado reflicta um maior espaço de "participação" ao mesmo tempo que se pode promover a redução do espaço ocupado pela "representatividade".

2 ) Apesar disso os dois principais partidos de Cabo Verde inibem-se em abordar esta questão crucial para a democracia (como prova estão as presentes eleições e o teor das matérias que são dirimidas por ambos os partidos "dominantes").

3 ) A ausência do poder popular organizado estimulado pelo menos por um dos dois partidos "históricos", traduz um acordo tácito entre eles e entre eles e as elites nacionais coligadas a interesses externos, que prejudicam visivelmente a possibilidade de aprofundamento da democracia.

4 ) Cabo Verde é assim aceite como expoente dum modelo que contudo não pretende enveredar por processos de revitalização e regeneração: entrou num beco sem saída onde não se abre o postigo das alternativas, quando África urgentemente necessita de cada vez menos do mesmo, inclusive naqueles casos que são "exemplares" ("exemplares" por quê, como, para quê e para quem?)...

5 ) A informação dominante acompanha o presente modelo formatado no período post colonial e apregoa-o por que ele é o garante duma lógica capitalista também em Cabo Verde, onde a "assimilação" do processo sócio-político é evidente e "intocável".

6 ) Assim Cabo Verde só pela vontade popular consciente, esclarecida, vanguardista e patriótica, uma vontade que não tem de estar adstrita a ingerências externas afins, poderá vencer as barreiras impostas pelo actual "stato quo" da "representatividade"!

Martinho Júnior

Luanda

Anónimo disse...

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