terça-feira, 5 de abril de 2011

Sem transparência, advinham-se Egitos ou até Líbias, mais cedo ou mais tarde

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ANGOLA 24 HORAS – 05 abril 2011

ENTREVISTA A MARCOLINO MOCO

Marcolino José Carlos Moco (antigo secretário-geral do MPLA, ex-Primeiro Ministro e primeiro Secretário-Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, Docente da universidade Lusíada fala com exclusividade a Platina Line, sobre os Jovens, Angola, África, liberdade e democracia. Siga com atenção a entrevista

Platina Line: Dr. Marcolino Moco neste momento que avaliação faz do estado da nação?

Marcolino Moco: Acho que o país está na encruzilhada. Se “o poder” não se antecipar a enveredar pela autêntica transparência, advinham-se Egitos ou até Líbias, mais cedo ou mais tarde.

P.L: A Tunísia, Egito e Líbia são exemplos para Angola?

M.M: As revoluções mais ou menos pacíficas, na Tunísia e Egito e que foram inevitáveis, por teimosia dos depostos, poderiam ser bons exemplos para Angola, se fossemos uma nação homogênea, o que ainda não somos. O que se passa na Líbia só pode reforçar as posições e idéias que tenho expendido: ou, especialmente nós os políticos, nos convencemos que as coisas chegam para todos ou não haverá futuro risonho para ninguém. Na Líbia, neste momento, estão todos angustiados: sofre todo o povo, mesmo aqueles que fingem que estão felizes ao lado de Kadafi.

P.L: Há algum problema na origem da nossa cultura política?

M.M: Somos um país nascido da intransigência: intransigência colonial, intransigência ideológica e, ultimamente, intransigência pelo puro poder. Como acontece na maior parte da nossa África. P.L: Se sim, de quem é a culpa?

M.M: Provavelmente, é um percurso histórico que tem de se fazer. A Europa, por exemplo, passou por fases semelhantes. É evidente que nós, conhecendo esta história, poderíamos saltar algumas etapas. Mas não há Mandelas, De Klerks e Tutus, em toda a parte.

P.L: Responda "sim" ou "não" a esta pergunta: José Eduardo dos santos tem alguma tentação a cultivar uma variante para a democracia popular?

M.M: Se tivesse a minha idade e a minha experiência de vida, veria com certeza, que entre o sim e o não há muitas variantes.

P.L: Explique a sua reposta resposta?

M.M: A vida é demasiado complexa para se resumir num sim ou não a questões complexas.

P.L: Qual a diferença entre o poder exercido por uma mulher e por um homem?

M.M: Tudo depende dessa mulher ou desse homem concreto: das suas convicções, da sua educação e da sua cultura. Pode depender também dos homens e das mulheres que a ou o cercam; do país e do continente em que exerça o poder. Enfim, de vários fatores.

P.L: No mundo, as pessoas hoje pensam mais no poder do que em um projeto de Nação?

M.M: Em algumas partes do Mundo (estou a pensar na velha Europa, nos Estados Unidos e em partes da Ásia) nem é já preocupação pensar-se em projetos de nação. Esse ideário já está realizado. Na nossa África, pelo contrário, onde a nação é ainda um projeto, só vemos a maioria de líderes políticos preocupados com o dia a dia da preservação do seu poder, com o enriquecimento seu e de seus próximos, ou fazer tudo para chegar ao poder e fazer o mesmo que os anteriores detentores fizeram, ou até pior. É pena! Mas vêm aí as mudanças!

P.L: Existe uma versão “que incrimina a política e do poder, sugerindo que pessoas boas entram na política e aí se tornam más e corruptas. Poder corrompe ou revela o caráter?

M.M: Estou convencido que o conceito de poder político precisa ser reformado. Que se pense definitivamente que quem exerce o poder não é deus, mas sim mandatário do povo, no sentido de seu servidor consciente. Enquanto este conceito não é reformado está consagrado o princípio da alternância e da prestação de contas periódicas dos eleitos ao povo, coisas que em Angola e em muitos países africanos estão suprimidas; senão nas constituições formais, o é nas próprias práticas. E quando assim é, está claro que o poder corrompe.

P.L: Vou lembrar a frase de que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Antes de corromper, o poder não deslumbra?

M.M: É o que me leva a sugerir a reforma do conceito de poder. Quando, a nível de toda a Humanidade, nos convencermos que o poder é um serviço e não um endeusamento, então ele deixará de corromper e deslumbrar. Em África o deslumbre pelo poder é maior porque parece ser a única forma de enriquecer e enriquecer sem regras. E numa altura em que o dinheiro não é já um meio para se viver condignamente, mas sim, uma idolatria.

P.L: Quem o conhece, diz que o senhor era uma pessoa antes de assumir o poder, a mesma pessoa durante e a mesma quando saiu. Mas dentro do senhor, o que mudou no exercício do poder de primeiro Ministro?

M.M: Fico muito satisfeito por este reconhecimento, porque é verdade. Eu nasci numa família de chefias tradicionais do antigo reino africano “Wambo Kalunaga”, pouco afetada pelos efeitos negativos de modernismos apressadamente assumidos. Por outro lado, embora seja agnóstico, desde muito cedo, apreendi os valores do humanismo cristão, através de missionários católicos e protestantes que foram meus mestres, sendo adepto fervoroso dos princípios positivos dos Evangelhos e, sobretudo do pensamento de Cristo. Não me considero um santo, mas procuro todos os dias a razoabilidade, até como jurista que sou de formação. Por isso, acusei a responsabilidade, mas não me deslumbrei com o posto de Primeiro Ministro. Ganhei novos amigos e adversários , (quem sabe inimigos, que, com certeza, não teria se nunca tivesse alcançado tal posto) mas continuei e continuo com os amigos que já tinha.

P.L: Porque resolveu abandonar a vida política ativa?

M.M: Digamos que não resolvi abandonar a política ativa mas, fui afastado, de forma cínica, como é habitual, no meu partido, o MPLA, para quem se atreva a apresentar idéias, nem que sejam um pouco diferentes, das do líder. Por vezes nem é preciso apresentar idéias diferentes, basta fazer sombra, muitas vezes sem nos apercebermos. O que nunca farei é abdicar, sem discussão, das minhas idéias, para ir ocupar mais um lugarzinho nas estruturas de uma instituição partido-estado, totalmente pessoalizada pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Também não encontrei, pelo menos por enquanto, outro espaço onde possa fazer política ativa, no sentido clássico, com alguma eficácia, nas condições atuais de tanta intransparência instituída, à margem dos princípios que regem os regimes democráticos de direito. Por isso, estou fora, não passivamente, mas contribuindo com uma intervenção cidadã, para que construamos uma plataforma transparente para se fazer uma política ao serviço de grandes causas e não como forma de ganhar notoriedade ou ganhar a vida.

P.L: Quando o senhor saiu do poder, teve síndrome de abstinência?

M.M: Nenhuma. Como se deve aperceber, coisas para fazer não me faltam. Tem-me faltado é tempo. Com a formação humana e espiritual que tenho, não há síndrome desse tipo que me ataque.

P.L: O Senhor foi surpreendido com o discurso “Novos métodos de trabalho nas instituições político-administrativas do Estado” no discurso de final de ano do presidente José Eduardo dos Santos?

M.M: Parece-me que a questão dos “novos métodos de trabalhos” foi levantada num discurso anterior, na tomada de posse que se seguiu a uma remodelação governamental. Tenho um texto no meu site (www.marcolinomoco.com) onde me pronuncio contrário a pratica do Presidente dos Santos de criticar, na praça pública, pessoas que servem o Estado e o governo a seu convite, uma coisa que nas repúblicas saudáveis é tarefa da oposição ou de críticos independentes. Isto é uma prática que promove a bajulação. No discurso do Ano Novo tivemos uma declaração de júbilo do Presidente, por agora concentrar todos os poderes, algo que também não é usual nos Estados democráticos estabilizados, como era o nosso caso, depois da paz de 2002 e antes do golpe jurídico-constitucional por si efetuado, com a aprovação forçada da nova constituição, inaugurando uma nova era de crises presentes e futuras. Bom, tudo isso só foram surpresas para mim, na medida em que pensava que depois da guerra o Presidente iria deixar essas práticas, que lhe eram habituais. Por isso, a maior surpresa para mim foi àquela coisa do Presidente apoiar um indivíduo que perdeu as eleições numa região da África longínqua e que até a sua própria organização regional (a CEDEAO) que em conjunto com a União Africana e as Nações Unidas, condenou a atitude do seu longínquo protegido. Isso sim foi uma surpresa muito desagradável para mim, a seguir às arbitrárias alterações constitucionais, de 2010. E pensei com os meus botões: será que com a força do nosso petróleo o Presidente constitucional de Angola vai impor a regra de presidentes constitucionais por toda a África? Felizmente, assim não irá acontecer.

P.L: Defende a cidadania global e que um dia se chegue a uma fase da evolução da Humanidade em que todos os cidadãos do mundo possam, através da internet, eleger o Presidente da república ou deputados nacionais . Acha que isso é exeqüível?

M.M: Isto é uma coisa que está avista de todos. Se não acontecer durante a minha vida, há-de acontecer na vida daqueles que são um pouco mais jovens do que eu. E aí poderão nascer outros problemas, mas não mais fraudes eleitorais. A Tunísia e o Egito são já um pedaço desta visão de libertação humana, presa à lideres eleitos a distância ou nem sequer eleitos. Há ainda uma esperança melhor: se não formos dizimados muito cedo pelas loucuras humanas da destruição ambiental, não estará tão longe o dia em que se concretizará o sonho de Immanuel Kant ,no século XVIII: a implantação de um governo mundial, baseado nos princípios humanistas do “Projeto da Paz Perpétua”, de que as Nações Unidas podem ser já um prenúncio e a União Européia um possível ensaio.

P.L: O Professor acredita na democracia global?

M.M: Só não acreditaria se pensasse como alguns, que Historia volta atrás. Mas a História nunca volta atrás, embora tenha períodos aparentes de retrocesso.

P.L: Entristece-o ter saído do Governo?

M.M: Se reler tudo o que disse antes logo verá a resposta a esta questão. Desde logo, o governo não é uma coisa para estarmos lá toda a vida. Onde irão parar outras idéias, outras propostas e outras gerações? Embora nem sempre a mudança geracional em governos signifique mudança para melhores idéias e melhores projetos.

P.L: Que soluções O Professor defende para Nossa África ?

M.M: Estou a escrever sobre isso, sintetizando o que venho a dizer já há algum tempo. Resumido, a África precisa ter consciência das suas particularidades, de continente feito de Estados artificiais, fabricados a pressa, juntando arbitrariamente grupos étnicos e comunidades diferenciadas. Sem voltar ao passado, porque a História é como um rio que não regressa para o lado da nascente, os africanos de todas as origens (africano é quem nasceu em África ou mesmo não tendo nascido, está identificado com ela, o que não significa ter de abdicar de outras ligações continentais: o Mundo é para todos os Homens) tem de conceber um pensamento para uma nova partida harmonizada, interrompida nos séculos XV e XVI, com a chegada dos colonizadores europeus e com a destruição das suas instituições, com a conivência das elites africanas. Hoje, a África está maioritariamente nas mãos dos herdeiros de independentistas apressados em tornar-se presidentes e ministros, e que recusam o direito de adaptar-se aos tempos modernos.

P.L: A nossa revista é lida por muitos jovens na sua maioria. E não deixaria de fazer questão que fosse do interesse deles os jovens, poderem esperar por futuro umpromissor em Angola?

M.M: Os jovens, sendo donos do futuro (e os mais velhos só o serão se deixarem um legado útil), têm não só o direito mas o dever de construir um futuro promissor. Para isso têm de elaborar um pensamento e uma estratégia para mudar as coisas e ninguém tem o direito de impedi-los, desde que o façam dentro das regras interna e internacionalmente aceitáveis. Jovens da minha geração, e, sobretudo da geração anterior, deram as suas vidas para libertar este nosso pedaço de África da opressão colonial, por teimosia do colonizador que fechou todas as vias de diálogo para a mudança. Não penso que a situação atual de Angola exija novamente, este tipo de sacrifício, como alguns advogam. As revoluções não são coisas aconselháveis, enquanto houver outras formas de luta pela legalidade. Eu acredito que se para cada injustiça concreta as pessoas exigirem a reposição dos seus direitos, as autoridades atuais poderão rever as suas posições. Já temos exemplos. A sociedade civil, onde a juventude é a mola principal, deve perder o medo e exigir a reposição de cada direito violado. Por vezes fico perplexo a ver partidos políticos que se entusiasmam com eleições sem antes se preocuparem que todos os dias o direito a informação é violado no Jornal de Angola, na Rádio Nacional e na Televisão Pública de Angola que são os meios de comunicação mais eficazes para a disputa de idéias que tenham efetividade em todo o país. E, nesses órgãos, todos os dias jovens jornalistas talentosos, capazes de fazer inveja em qualquer órgão de comunicação no mundo, aceitam, sem um resmungo, que seus trabalhos sejam censurados à velha maneira colonial, contra a Constituição e contra a Lei de Imprensa. É interessante verificar que as leis coloniais consagravam a censura; as nossas não! É preciso começar a parar com isso dia a dia, em vez de se esperar por revoluções consumidoras de sangue. Fala-se de jovens que não são promovidos porque não são membros deste ou daquele comitê do partido no poder ou da JMPLA. Se não são boatos, é preciso denunciar-se isso todos os dias que acontecer. Não esperemos por revoluções que tragam novos heróis fingidos, que mandam os outros para a morte para nos vir escravizar de outra maneira. Outro exemplo: os jovens que trabalham na Segurança de Estado sabem que a lei lhes manda proteger o Estado e, por extensão, proteger a integridade física dos dignitários do Estado. Porém, muitas vezes ouvimos dizer que alguns deles são obrigados a depender o melhor da sua energia a controlar a vida de pessoas cuja ocupação não periga de nenhum modo o Estado ou a vida de seus dignitários. Os jovens têm um grande sentido de justiça, por natureza. É preciso não aceitar isso e as leis por acaso, são muito semelhantes à de outros Estados democráticos e de direito. E, sobretudo, quando aparecerem gente a insinuar que nos vão matar se fizermos isso ou aquilo, dentro dos nossos direitos, é preciso exigir que se identifiquem quem disse isso, para ser denunciado e levado aos órgãos competentes de justiça. Não é verdade que os tribunais estão todos vendidos ou compostos por juízes desonestos ou medrosos. Isto é que eles tentam passar, para que os jovens morram assustados de medo. Enfim, há tantos caminhos. Não posso falar deles todos hoje.

P.L: Cargos que já desempenhou?

M.M: Por favor, vejam o meu site www.marcolinomoco.com, em “Curricullum vitae” ou “Referências biográficas”.

P.L: Tem alguns cuidados para manter a forma física?

M.M: Caminhar. Não custa nada, dá saúde e reforça a consistência espiritual propiciada pela reflexão constante sobre os valores da Humanidade. A degradação física pode ser retardada, mas é uma realidade irreversível e universal.

P.L: Que opinião tem sobre o nosso portal

M.M: Vou passar a vê-lo agora. Pela pertinência das questões colocadas logo se vê que é de qualidade; divertido e cheio de vida como a juventude, mas preocupado com a construção de um futuro em que mulheres e homens vivam de forma harmoniosa e digna. Um ditado português diz que “pela aragem se vê quem vai na carruagem”. Estamos juntos. Beijos e abraços. Beijos, só para as senhoritas (risos).

Platina Line

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