terça-feira, 28 de setembro de 2010

A VENEZUELA BOLIVARIANA EM NOVO CENÁRIO

.

JÚLIO FERMIN * – OUTRAS PALAVRAS

Ainda antes de se realizarem as eleições para a Assembleia Nacional da Venezuela, quase todos os analistas políticas concordavam sobre sua importância. Estava certo, também que o resultado seria um parlamento mais plural

Nas eleições legislativas anteriores, realizadas em 2005, a oposição retirou-se, argumentando suposta falta de garantias democráticas. Mais tarde, os opositores reconheceram que foi um grave erro político, devido ao qual se autoexcluíram do que é, em qualquer país, o cenário principal do debate político.

Além disso, as eleições do domingo (26/9) romperam também o paradigma dos processos eleitorais que tradicionalmente não mobilizam a cidadania. Pela segunda vez, ocorreram separadas do pleito presidencial. Na ocasião anterior, em 2005, apenas 25,26% dos eleitores compareceram.

Desta vez, estavam convocados 17 milhões de venezuelanos e venezuelanas. A participação foi maciça, um índice superior a 65%. Ainda que distante dos processos eleitorais dos anos 1960 a 1980, quando a participação superava os 90%, o número é expressivo. Nos últimos onze anos de processo bolivariano, o sistema eleitoral teve de suportar duros ataques e questionamentos da oposição, que repercutiram na participação do eleitorado.

São inúmeros os testemunos de observadores nacionais e internacionais em favor do sistema eleitoral venezuelano, considerado um dos mais avançados do mundo. Em parte, devido a sua automatização, próxima de 100%, mas também graças à participção de milhares de pessoas, tanto das organizações políticas quanto dos meios de informação, funcionários de todos os poderes, incluindo o organizmo eleitoral. Além disso, deve-se levar em conta a participação cidadã, já que os coordenadores de centros eleitorais e membros das mesas coleta dos votos são cidadãos escolhidos por sorteio, antes de cada processo eleitoral.

O que estava em jogo para as forças da Revolução bolivariana

Nestas eleições, elegeram-se 165 deputados e deputadas, numa eleição que combinou disputa nominal e por lista. Ou seja, elegeram-se deputados por nome e sobrenome nas 87 circunscrições eleitorais, enquanto outro grupo foi escolhido por partido ou organização política, de forma proporcional à população da zona eleitoral. Também foram eleitos deputados ao parlamento latinoamericano y representantes indígenas para a Assembleia Nacional.

Ela é um órgão fundamental no sistema democrático venezuelano. Entre suas funções principais encontram-se, além de exercer controle sobre o Executivo, eleger e designar os magistrados que integram o Tribunal Supromo de Justiça (TSJ); dos dirigentes do Conselho Nacional Eleitoral; e dos membros do Poder Cidadão: Defensor do Povo, Controlador Geral da República e Fiscal Geral da República.

No entanto, nesta eleição as metas das forças políticas em disputa iam além de obter maioria.

O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), em aliança com o Partido Comunista (PCV), tinha como ponto de honra alcançar a maioria qualificada. Ou seja, um mínimo de 110 deputados e deputadas (2/3 do total), que lhe permitiriam, entre outras coisas, remover magistrados do TSJ; nomear os membros do Poder Eleitoral e Poder Cidadão; convocar uma Assembleia Nacional Constituinte e promover reformas constitucionais. Também se exigem pelo menos 99 deputados (3/5 do total) para aprovar um voto de censura ao vice-presidente e votar as Leis Orgânicas.

O avanço da oposição

De sua parte, a oposição, qualquer que fosse o resultado, obteria representação no palco tradicional para o debate político do país.

Para esta eleição, os distintos partidos opositores, que separados não superam 10% das intenções de voto, propuseram-se alcançar a “unidade perfeita” não obtida em processos anteriores. Para tanto, formaram uma frente, denominda Mesa de Unidade Democrática (MUD). Escolheram candidatos únicos para cada zona eleitoral – embora cada partido disputasse por sua própria legenda o voto proporcional.

Não se pode deixar de destacar este fato, que significa algo mais que mera estratégia eleitoral. Por um lado, a oposição “assume a institucionalidade”, ou seja, reconhece a legitimidade do sistema político venezuelano e valida o sistema eleitoral, que em outras ocasiões procurou desqualificar. Assume, ao mesmo tempo, a condição de porta-voz de setores da população que nutrem certo descontentamento com as políticas do governo. Mas este fato pode ter efeito positivo sobre a qualidade do debate político e o exercício de controle social sobre as políticas públicas.

Ainda que esta fato não tenha diso destacado no processo, a maior parte dos governadores e prefeitos compreendeu a necessidade de orientar suas políticas, de maneira prioritária, para a inclusão social dos setores mais pobres, assim como debater prioritariamente temas como alimentação, educação e saúde. Ao fazê-lo, alinharam-se de algum modo com as políticas do Executivo. Neste processo, muitos dos governantes estaduais e municipais participaram ativamente na campanha, na condição de militantes partidários, ainda que criticassem a participação do presidente Chávez, presidente do PSUV.

Tendências e resultados

Com grande atraso, após as 2 da madrugada de 27 de setembro, o Conselho Nacional Eleitoral anunciou os primeiros resultados, que dão 91 deputados ao PSUV (muito menos que o partido esperado), 59 à oposição (também menos que o esperado) e 2 deputados para o Partido Pátria para Todos (PPT). Em consequência, será preciso chegar a acordos, para aprovar leis orgânicas e produzir outras decisões.

Ao observar os resultados totais, haverá duas maneiras de analisá-los: a) o PSUV ganhou em 18 estados; b) A oposição obteve 52% dos votos totais. A realidade é que o PSUV já não terá a maioria absoluta. A votação para o Parlamento Latinoamericano resultou em 43% de votos para o PSUV e 45% para a MUD.

Os resultados confirmam uma tendência que vem se desenvolvento nas eleições desde 2007.

O eleitorado comporta-se de maneira distinta quando está em jogo a figura presidencial. Nos pleitos que envolvem referendo revogatório de mandatos, eleição presidencial, ou a emenda recente que permite a reeleição contínua, os venezuelanos participam maciçamente e cerca de 60% posicionam-se ao lado de Chávez. Já nas eleições parlamentares, de governadores, prefeitos, etc, a situação muda e a tendência é mais dispersa.

Este fenômeno configura-se de maneira clara a partir de 2007. Nesta eleição, como se recorda, as forças políticas que apoiam o presidente Chávez propuseram a Reforma Constitucional e perderam pela primeira vez nas urnas, por uma margem muito estreita (inferior a 1%).

Já no ano seguinte, nas eleições para governadores, prefeitos e conselhos legislativos regionais, a aliança vermelha continuou obtendo a maioria da votação nacional – mas os números começaram a se reverter em favor da oposição. No Distrito Federal e nos Estados de Zulia, Miranda, Lara, Carabobo, Anzoátegui e Táchira – onde estão as cidades mais populosas – foram eleitas autoridades de organizações opositoras.

Agora, o PSUV recuperou-se no Distrito Federal, Lara e Carabobo, obtendo a maioria dos postos em disputa. No entanto, em outros casos a tendência repetiu-se ou se ampliou. Por exemplo, em Zulia a oposição elegeu 13 deputados, de 15 possíveis.

Por um lado, assim a oposição tende à convergência, que se concretizou na Mesa de Unidade Democrática. Já as forças políticas da revolução bolivariana têm se dispersado, à medida em que o tempo passa. A Assembleia eleita em 2005 era 100% favorável ao processo político impulsionado por Chávez. Agora, o PSUV só mantém o apoio do Partido Comunista da Venezuela. Sua divisão mais recente é a fundação do PPT, que aposta na despolarização e quer se converter no fiel da balança.

Por fim, o governo bolivariano, apesar das debilidades e erros da oposição, está sempre sabotando a si mesmo. Sofre a falta de eficiência e eficácia na gestão pública, como demonstrou a escassez de energia elétrica. Embora poucos, os casos conhecidos de corrupção administrativa foram muito significativos – como o que se deu na empresa estatal de produção e distribuição de alimentos, PDVAL. E não foi capaz de enfrentar algo muito crítico para toda a sociedade: o descontrole da criminalidade e a debilidade das políticas de segurança cidadã.

O PSUV já havia reconhecido parcialmente suas debilidades e dificuldades: a maior parte dos deputados e deputadas atuais não foram apresentados como candidatos. O partido apostou em lideranças joves e alguns representantes de movimentos sociais, todos eleitos pela base.

O fato de a oposição ter alcançado 52% dos votos é um alerta para o projeto político da Revolução Bolivariana, tendo em vista as eleições municipais de 2011 e talvez o pleito presidencial do ano seguinte. Talvez esteja na hora de retomar a aplicação dos três “Rs” propostos pelo presidente Chávez em 2007: Revisar, Retificar e Reimpulsionar.

* Julio Fermín é membro da Equipe de Formação, Informação e Publicações (EFIP), de Caracas. Foi um dos animadores do Fórum Social Mundial 2006, capítulo Venezuela. É colaborador da Agência ALAI, onde este texto foi originalmente publicado.
.

Sem comentários: