
ORLANDO CASTRO, jornalista – NOTÍCIAS LUSÓFONAS
Angola, melhor dizendo, o regime do MPLA que domina o país desde 11 de Novembro de 1975, está em todas e assume-se como potência militar, e não só, capaz de ajudar quem supostamente precise, seja em São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, República Democrática do Congo ou República Árabe Saarauí Democrática. Não ajuda o seu povo que, apesar de oito anos de paz completa, continua a sergerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com... fome.
E já que Angola fala, muitas vezes pela razão da força, dos outros sem se lembrar – por exemplo - da sua colónia de Cabinda, ocupada na altura da independência, importa apontar o dedo ao seu principal culpado nesta matéria, Portugal.
No que a Cabinda respeita, Portugal não se quer lembrar (e o regime angolano agradece) dos compromissos que assinou, na circunstância há 125 anos. E, tanto quanto me parece, fazendo fé nos políticos lusitanos, grande parte deles paridos nas mais vis latrinas, mesmo os compromissos assinados ontem já estarão amanhã fora de validade.
Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no terrirório, seu protectorado, ocupado por Angola.
Quando o presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, diz que Angola vai de Cabinda ao Cunene está, desde logo, a dar cobertura e a ser conivente, como acontece – por exemplo – com a China em relação ao Tibete, com as violações que o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito que Cavaco Silva reivindica para os portugueses: escolher o seu futuro.
Graças ao petróleo, 70 por cento produzido em Cabinda, Angola consegue que a comunidade internacional reconheça a existência de dois tipos de terrorismo. Um bom, o que Luanda exerce em Cabinda, um mau, o que – por exemplo - Marrocos pratica contra a Frente Polisário.
Para além do Tibete, não seria mau que Portugal olhasse para Espanha e Angola para Marrocos. Ou seja, para a questão do Saara Ocidental, antiga colónia espanhola anexada em 1975 (tal como Cabinda) após a saída dos espanhóis, como parte integrante do reino de Marrocos que, entretanto, propõe uma ampla autonomia sob a sua soberania, embora excluindo a independência.
Recorde-se que o governo espanhol, liderado por José Luis Zapatero, tem mostrado – ao contrário de Portugal - coragem política não só ao reconhecer o direito do povo Saarauí à autodeterminação como ao levar a questão às Nações Unidas.
Também Timor-Leste comemorou recentemente os 10 anos do referendo que permitiu que o território, embora sob suposta administração portuguesa mas de facto ocupado militarmente pela Indonésia, se tornasse independente.
Terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo? E com o Saara Ocidental?
Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por em Portugal não se falar dele que ele deixa de existir. E se, como conteceu em Janeiro, para se falar é preciso pôr a razão da força à frente da força da razão... que outro remédio têm os cabindas?
Cabinda é um território ocupado por Angola e nem o potência ocupante como a que o administou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
Quando o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse que "é do interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo".
O ministro português apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a primeira das quais foi "a situação de facto", uma vez que, depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, "é convicção do governo português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista".
Deve ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil. Terão sido também as mesmas razões que levam Portugal a reconhecer como legítimo presidente de Angola alguém, José Eduardo dos Santos, que está no cargo há 31 anos sem nunca ter sido eleito.
Como segunda razão, Luís Amado referiu que "o problema é político e não jurídico", afirmando que "o direito não pode por si só resolver uma questão com a densidade histórica e política desta". Amado sublinhou, no entanto, que "não sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme complexidade", pelo que "o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de apresentar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas".
Ora aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.
"O reforço da responsabilidade da União Europeia", foi a terceira razão apontada pelo chefe da diplomacia portuguesa. Luís Amado considerou que a situação nos Balcãs "é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado", referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o Montenegro e a Sérvia "acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia de toda a região".
No caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem se me engano – Portugal desempenha (ou julga que desempenha) um papel importante.
O ministro português frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países da UE que não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que justificassem as reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de jure, um problema português) varreu-os para debaixo do tapete.
Como última razão, indicou a "mudança de contexto geopolítico que entretanto se verificou" com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de independência das regiões georgianas separistas da Abkházia e da Ossétia do Sul que Moscovo reconheceu entretanto.
Isto quer dizer que, segundo Lisboa, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita ao sabor do acaso, dos interesses unilatreiais.
O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal também tem lamentado (pelo menos é o que ele diz) que “não se dê mais atenção no país ao que se passa no mundo”, considerando que o debate político em Portugal sobre as questões internacionais é de “uma pobreza chocante”.
Creio que Luís Amada não queria dizer “debate político” mas, isso sim, debate entre políticos. Isto porque, maldita ingenuidade, penso eu que o debate político não está exclusivamente reservado aos políticos.
Concordando que em termos de questões internacionais em geral e lusófonas em particular, a pobreza é chocante, acrescento que a culpa também é dos políticos, sejam eles deputados, ministros, secretários de Estado, adjuntos, presidentes de institutos ou gestores (eles estão em todo o lado).
Luís Amado, tal como o Governo e restante companhia parlamentar, entende que são os políticos (seres onde a existência de coluna vertebral é opcional) os donos da verdade. Creio, por isso, que o ministro deveria estar caladinho.
Quando, por exemplo, Luís Amado realiza uma visita ao Uzbequistão, a convite do seu homólogo para aprofundar as relações bilaterais ao nível político e económico, tudo se torna mais claro...
Há muito que eu desconfiva (e só desconfiava porque sou ingénuo) que o Uzbequistão é bem mais importante para este Portugal, deste Partido Socialista, do que, por exemplo, a Guiné-Bissau.
Até no aspecto linguístico, os portugueses estão muito mais próximos do Uzbequistão. É bem mais fácil os portugueses pronunciarem Tashkent do que Bissau, ou Shavkat Iromonovich Mirziyoev do que Carlos Gomes Júnior.
E quem diz o Uzbequistão diz o Tajiquistão.
Recordo-me que numa dessas visitas, 15 de Abril de 2009, foi dito à plebe que a deslocação cumpria um objectivo enunciado por Luís Amado, em Paris, quando participou no I Fórum União Europeia-Ásia Central, consagrado às questões de segurança, sendo que este é, sempre foi, um tema completamente pacífico no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Na altura, Luís Amado manifestou interesse em visitar a região para “promover o relacionamento de Portugal com uma das regiões mais importantes para a Europa e uma região com um grande potencial para o aprofundamento de relações no plano económico e político”.
E viva tudo quanto termine em “tão”, seja Uzbequistão ou Tajiquistão. Aliás, com o Uzbequistão, Portugal só tem a aprender.
Por alguma razão, em matéria de dificuldade de trabalho para os jornalistas, a tabela é liderada pela Coreia do Norte, seguida de Mianmar (antiga Birmânia), Cuba, Líbia, Turquemenistão, Uzbequistão, Bielorússsia, Zimbabué e Guiné-Equatorial.
Mas, é claro, a culpa não é só dos políticos. Também é dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos. Ou seja, do poder político-governativo.
Basta ver que a Imprensa do reino de Luís Amado dá mais importância ao Quirguistão do que a Angola, ao Iraque do que à Guiné-Bissau, ao Cazaquistão do que a Cabinda, colónia onde estão detidos vários cidadãos cujo único crime que cometeram foi o de utilizarem a cabeça para pensar. Ao contrário do que aparentam quando há cimeiras da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, como aconteceu agora em Angola, os políticos e os jornalistas não entendem, nunca entenderão, que a Lusofonia deveria ser um desígnio nacional. E não entendem porque, de facto e cada vez mais de jure, já nem tirando os sapatos conseguem contar até 12.
02.10.2010 - orlando.s.castro@gmail.com
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