quarta-feira, 27 de outubro de 2010

«Há muita opacidade nas relações com algumas empresas portuguesas»

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NOTÍCIAS LUSÓFONAS

A acusação é do MpD e refere-se à adjudicação directa do Governo de Cabo Verde à Martifer e Gesto Solar

A oposição cabo-verdiana acusou hoje o Governo de Cabo Verde de beneficiar empresas portuguesas na adjudicação directa de projectos ligados às energias renováveis, denúncias refutadas pelo executivo, que considera tudo “uma trapalhada”. As acusações foram feitas pelo líder parlamentar do Movimento para a Democracia (MpD), Fernando Elísio Freire, que referiu que “há muita opacidade” do Governo no processo de adjudicação directa de projectos às empresas portuguesas Martifer e Gesto Solar.

“Há aqui muita opacidade. Ninguém está a falar a verdade. O Governo cabo-verdiano assinou um acordo com o Governo português, para uma linha de crédito (100 milhões de euros), onde se diz claramente que os fornecedores (de materiais e equipamentos) para as energias renováveis, nomeadamente a eólica, tinham de ser escolhidos através de um concurso público, o que não aconteceu”, disse.

“Porque é que o Governo não fez concurso público? E porque é que escolheu um grupo económico (Martifer) que é também é dono da empresa que faz a assistência técnica (Gesto Solar) ao Governo. Ou seja, quem deveria aconselhar o Governo pertence a quem está a executar a obra. Isto é muito esquisito”, acrescentou.

Para Elísio Freire, “outra coisa muito esquisita” é o facto de os contratos de execução da obra e de assistência técnica terem sido assinados no mesmo dia (5 de Janeiro de 2010), uma semana depois de o Governo ter dispensado a necessidade de concurso público.

“Isto significa que o Governo já tinha tudo combinado com as duas empresas. Quer dizer claramente que nunca teve intenção de fazer o concurso público”, disse.

A ministra da Energia cabo-verdiana, Fátima Fialho, negou qualquer “falta de transparência” do executivo, sublinhando tratar-se de uma “trapalhada que só existe na cabeça do MpD”, relativamente a um processo que “sempre foi muito transparente e fluído”.

Fátima Fialho defendeu que o Governo já tinha discutido, antes da atribuição da linha de crédito, os projectos com a Martifer, “o maior grupo português” no sector, disse, e que, antes de assinar os contratos, aprovou uma resolução justificando a adjudicação directa, por vário factores, sobretudo por uma questão de tempo.

“Tínhamos necessidade de termos os parques prontos o mais cedo possível, porque tínhamos défice de potência, e a prova é que, em menos de um ano, temos os dois parques solares fotovoltaicos prontos. A Martifer conseguiu dar resposta ao prazo, e avançamos. Não há falta de transparência ou fraude”, sustentou.

A ministra defendeu também que a Martifer e a Gesto Solar são empresas “completamente diferentes e autónomas”, uma executa a obra e a outra “não é nenhuma fiscalizadora”.

Elísio Freire salientou que as relações com o Governo português “não estão em causa”, avisando que nenhuma entidade pode interpretar as acusações como um ataque a Portugal, “porque isso seria tratar os cabo-verdianos como desonestos”.

E quanto à corrupção?

O MpD defendeu hoje que Cabo Verde é um país com uma corrupção “mediana”, que está longe ser baixa, salientando haver ainda muito a fazer para que o arquipélago suba nos índices internacionais.

O líder parlamentar do MpD, Fernando Elísio Freire, indicou que o partido vê com “preocupação” a questão da corrupção em Cabo Verde, facto “comprovado” com o 45º lugar no Índice de Percepção de Corrupção divulgado segunda-feira pela organização Transparência Internacional (TI).

Segundo o relatório daquela organização não governamental, Cabo Verde subiu da 46ª posição para a 45ª, conseguindo ascender na tabela devido a má prestação de outros países, já que a pontuação (5,1) é idêntica nos dois documentos mais recentes e varia entre 10 (livre de corrupção) a zero (altamente corrupto).

“Vemos com muita preocupação. Não podemos ser um país de corrupção mediana. Temos de ser um país de baixa corrupção. E não somos claramente um país de pouca corrupção. Somos um país de corrupção mediana”, sustentou Elísio Freire.

“De zero a 10, temos 5,1 pontos e isto quer dizer que há ainda muito trabalho a fazer, para melhorar as nossas instituições, os nossos mecanismos de transparência e incentivar a sociedade civil a ser mais controladora dos atores políticos”, salientou.

No entender do MpD, terá de se “evitar o surgimento de um Estado paralelo, que ninguém controla, que são os institutos públicos e as parcerias público privadas”.

“Algumas já estão a dar alguns sinais complicados. Mas o que interessa é que o país continue a trabalhar para, no futuro, se tornar um Estado de baixa corrupção e é nisso que o MpD está a trabalhar”, concluiu.

Terça-feira, e relativamente ao mesmo assunto, o primeiro-ministro cabo-verdiano, José Maria Neves (na foto com José Sócrates) questionou-se sobre quais as razões para que Cabo Verde não esteja melhor classificado no índice, onde “tem tido um posicionamento muito bom”, e admitiu que existe “pequena corrupção” no país, embora longe de “um sistema instalado de corrupção”.

“Não me contento com 5,1 pontos. Acho que Cabo Verde pode fazer mais. Podemos ir mais longe. Muitas vezes esses indicadores têm a ver com a recolha de dados. Eu vejo os dados, faço a comparação com outros países que conheço, e pergunto porquê esta posição? Cabo Verde poderia estar muito melhor”, sustentou.

“Cabo Verde – acrescentou - é considerado em vários estudos e programas como um país livre de corrupção. É claro que há a pequena corrupção, pequenos desvios, mas não há no país um sistema instalado de corrupção”.

Segundo a Transparência Internacional, o índice é um indicador agregado, que combina diferentes fontes de informação sobre a corrupção, tornando-se possível fazer comparações entre países.
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