quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Honduras - RESISTÊNCIA MOSTRA A SUA FORÇA

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DAFNE MELO – BRASIL DE FATO

Coleta de mais de um milhão de assinaturas, mobilizações com milhares de pessoas em todo o país e paralisações pedem por Assembleia Constituinte

No dia 15 de setembro, Honduras comemorou sua independência. Para além dos desfiles oficiais, neste ano, o povo hondurenho teve verdadeiramente o que comemorar. A Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP), organização que reúne dezenas de movimentos sociais e populares que lutam contra o golpe militar de junho de 2009, obteve 1,35 milhão de assinaturas, número mais do que o necessário para se iniciar uma convocatória para um processo constituinte.

No mesmo dia, as organizações ligadas à FNRP convocaram manifestações em diversas cidades do país, todas com presença massiva da população. “A coleta de mais de 1,35 milhão de assinaturas não só significa uma força de legitimidade da resistência do povo hondurenho, mas também significa força política social a nível nacional e internacional”, afirma Bertha Cáceres, do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh), organização integrante da FNRP.

Para efeitos comparativos, se levada em conta a população de cada país, no Brasil teriam de ser recolhidas cerca de 33 milhões de assinaturas para se obter a mesma porcentagem obtida em Honduras. Para Bertha, a legitimidade do processo não deve ser vista de uma forma limitada, apenas do ponto de vista legal, tampouco como uma simples coleta burocrática de assinaturas, já que se insere em um processo de resistência e mobilização de muitos anos. “[Coletamos também] as demandas históricas. Em cada assinatura, existe esse conteúdo e o significado de qual Honduras queremos e como sonhamos a refundação. Estão nelas o desejo do povo de mudar os males de séculos, não fazer reformas, das quais estamos fartos e fartas”, completa.

Mobilização nacional

O processo de coleta de assinaturas se iniciou em 20 de abril deste ano e contou com o trabalho de centenas de militantes que fizeram não só o trabalho de coleta, mas também o de ouvir os problemas e demandas da população rural e urbana.

Mas, para além de comemorar a obtenção das assinaturas, a Frente realizou atos em diversas cidades, como Tegucigalpa e San Pedro Sula, as principais do país, e também em áreas rurais. “Sempre é bom lembrar que nas demais cidades e regiões rurais também se dá um processo de construção de poder e de mobilização permanente. O povo continua desafiante em relação ao golpe de Estado”, explica Bertha Cáceres.

Ao mesmo tempo, o regime golpista de Porfirio Lobo promovia comemorações oficiais dos 189 anos de independência da Espanha. “Fizemos [em Tegucigalpa] uma manifestação massiva, impressionante. As pessoas preferiram aderir à convocatória da FNRP”, afirmou um dos coordenadores da FNRP, Juan Barahona.

De acordo com Bertha, outro ponto positivo dessas mobilizações é conseguir reunir, em um mesmo espaço político, diversos setores da sociedade, para além dos tradicionais, mobilizando “setores ainda mais excluídos historicamente, como movimentos de mulheres e feministas, jovens, todo setor da economia informal, moradores das periferias, artistas populares, dentre outros”. Na porção sudeste do país, houve, também, participação de indígenas nas manifestações, que protestaram contra a privatização da água e a construção de hidrelétricas, e defenderam suas terras e cultura.

Repressão

Como tem sido a praxe do atual regime comandado por Porfirio Lobo, a resposta às mobilizações diante da coleta de assinaturas foi a violência. A maior repressão se deu em San Pedro Sula, uma das principais cidades de Honduras. Dezenas de pessoas ficaram feridas, e uma, Efraín López, de 73 anos, foi morta, vítima dos gases disparados pela polícia para dispersar o ato cultural promovido pela FNRP.

Os médicos afirmaram que a morte foi causada por um edema pulmonar devido ao gás inalado. De início, os manifestantes fizeram uma marcha, que terminaria em uma praça, onde haveria apresentações musicais. A quatro quarteirões do local, a polícia soltou jatos de água para dispersar, mas os manifestantes chegaram à praça. Lá, as forças repressivas – cerca de cem policiais, doze patrulhas e dois caminhões militares – começaram a lançar bombas de gás lacrimogêneo.

Dezenas de jovens foram capturados. Ernesto Bardales, dirigente da FNRP e militante de uma organização de jovens, conseguiu, com seu filho de 12 anos, fugir dos ataques ao entrar em uma rádio local, a Radio Uno. A polícia entrou, retirou-o do local e o espancou na frente do filho. Bardales quebrou uma perna, vários dentes e ficou com um corte na cabeça.

A polícia também destruiu todo o equipamento musical dos grupos que se apresentariam, primeiro com os jatos de água, depois, a golpes. Nos dias seguintes, as denúncias de assassinatos continuaram. No dia 27, um membro do Fórum Nacional da Juventude e destacado militante da comunidade gay, além de integrante da FNRP, Wilmer Alvarado, foi encontrado morto em sua casa, na cidade de San Pedro Sula. “Isso nos mostra que o regime não está disposto a permitir que a resistência continue se consolidando como força popular”, conclui Bertha Cáceres.

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