domingo, 10 de outubro de 2010

RS TERÁ SISTEMA INÉDITO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR E CIDADÃ

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MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER – CARTA MAIOR

Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), anuncia que pretende implementar um inédito sistema de participação popular e controle público no Estado, integrando as experiências do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, do Orçamento Participativo, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento e de novos movimentos que se organizam em redes sociais de opinião pela internet. "Queremos que o Rio Grande do Sul possa se tornar um exemplo de controle público do Estado e de produção de decisões a partir da participação cidadã". Eleito com mais de 54% dos votos, Tarso diz ainda que pretende fortalecer comunicação pública e mídia independente.

O Rio Grande do Sul desenvolverá, a partir de 2011 um inédito sistema de participação popular e de controle público, integrando as experiências do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento, de Consulta Popular, do Orçamento Participativo e da participação virtual. O anúncio foi feito pelo governador eleito do Estado, Tarso Genro (PT), em entrevista exclusiva à Carta Maior.

“Pretendemos construir um cinturão de controle público do Estado e de indução à produção de políticas públicas pelo Estado, dando grande importância ao Orçamento Participativo que foi praticamente sufocado nos dois últimos governos”, explicou Tarso. A idéia, acrescentou, é tornar o Rio Grande do Sul mais uma fez referência mundial em termos de democracia, participação popular e cidadã e inovação nas formas de controle público do Estado.

“Nós gostaríamos que, ao final dos nossos quatro anos, tivéssemos, a partir do Rio Grande do Sul, um reconhecimento tão grande quanto teve Porto Alegre com o Orçamento Participativo instituído a partir do governo Olívio Dutra”.

Na entrevista, Tarso Genro também falou sobre o significado do retorno da esquerda ao governo do Rio Grande do Sul e sobre o segundo turno da campanha presidencial. Para ele, o surgimento de uma “questão religiosa” na campanha eleitoral é, na verdade, um ressurgimento. “Na campanha de Lula, de 1989, já ocorreu a utilização desses temas, inclusive da própria questão do aborto, com a exploração da relação que Lula teve com a senhora Miriam Cordeiro”, recorda. “Hoje, isso foi restaurado por conveniência da centro-direita e da direita tradicional. Era o único elemento que eles tinham para trazer para a esfera da política, com uma certa influência no imaginário popular, para tentar se contrapor na sociedade ao grande prestígio do governo Lula e, conseqüentemente, de sua candidata, prestígio esse obtido por meio das políticas sociais do governo federal”.

O governador eleito do Rio Grande do Sul anunciou ainda que pretende implementar políticas para aumentar o espaço da comunicação pública no Estado, fortalecendo a TVE e investindo na mídia independente. “Isso é um dever democrático de qualquer governo”, defendeu.

CARTA MAIOR: Estamos aqui com o governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que bateu um recorde no dia 3 de outubro: ele foi o primeiro político a ser eleito governador em primeiro turno na história do Estado, recebendo a indicação de mais de 54% do total da população, uma soma de aproximadamente 3,4 milhões de votos. Essa entrevista para a Carta Maior será reproduzida também pelos nossos parceiros, o jornal Página/12, da Argentina, e o jornal La Jornada, do México. Em primeiro lugar, parabéns pela vitória. A primeira questão que coloco é sobre o significado dessa vitória em um Estado como o Rio Grande do Sul que se tornou uma referência para a esquerda internacional a partir do Fórum Social Mundial. Após oito anos e duas derrotas eleitorais, a esquerda volta ao Palácio Piratini.

TARSO GENRO: O Rio Grande do Sul sofreu, especialmente no imaginário popular, uma violenta campanha anti-PT, anti-Lula e anti-esquerda, que ocorreu também em todo o país, especialmente nos dois primeiros anos do governo Lula. Depois essa campanha continuou, mas aquele período foi o momento mais agudo. O Rio Grande do Sul é um Estado que tem uma classe média muito forte, que recolhe diretamente da mídia elementos para a elaboração de seu imaginário. Isso levou o Partido dos Trabalhadores e a esquerda em geral, aqui, a uma posição de relativo isolamento. Nós perdemos a eleição em Porto Alegre também por esse motivo. Considerando esse cenário, nós decidimos desencadear uma disputa política aqui no Estado fundada em alguns valores fundamentais.

Em primeiro lugar, a recuperação de um diálogo social ampliado a partir da nossa experiência no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Isso não tem nada a ver com conciliação de opostos, como pensavam alguns em um determinado momento, mas sim com a procura de consensos estratégicos capazes de mobilizar a maioria da sociedade, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o Prouni (Programa Universidade para Todos), o Minha Casa, Minha Vida (programa de habitação popular do governo Lula).

O segundo elemento foi o grande prestígio do governo do presidente Lula no Estado. A quantidade de investimentos federais feitos aqui não encontra precedentes na história do Rio Grande do Sul, apesar de toda a crise econômica que o Estado vivia e ainda vive. Uma crise de qualidade de gestão, na minha opinião.

O terceiro elemento foi a recuperação de valores históricos da esquerda, defendendo o desenvolvimento econômico, sim, mas um desenvolvimento econômico e social. A luta frontal que devemos travar aqui no Estado é a luta contra as desigualdades regionais e as desigualdades sociais. É a partir disso que queremos criar um amplo leque de alianças políticas e sociais. Nunca tivemos, como agora, um apoio tão significativo de uma parte do empresariado do Rio Grande do Sul. Um apoio em torno de 20% do empresariado médio e grande, o que para nós da esquerda é muito. Esse setor nos apoiou porque confiou nessa proposta de recuperar a importância econômica do Estado e gerar uma nova coesão social no Rio Grande do Sul baseada em valores republicanos.

CM: Como essa idéia de criar consensos estratégicos começará a ser implementada neste período de transição e de início de formação de governo? Quais são os conceitos que devem orientar essa construção de alianças com outras forças políticas e sociais no Estado?

TG: Nós vamos ter que nos bater um pouco contra o senso comum a respeito do sistema de alianças, como fizemos, aliás, na composição da nossa própria aliança aqui no Estado, que foi uma aliança tipicamente de esquerda, hegemonizada pela esquerda. Durante o processo de composição dessa aliança, nós sempre defendemos que não deveríamos nos inspirar no exemplo nacional. O exemplo nacional foi um momento necessário da composição de alianças. É preciso assinalar que a questão nacional é muito mais complexa do que a regional e que o presidente Lula agiu corretamente ao construir um amplo leque de alianças, inclusive fazendo algumas concessões a determinados critérios regionais. Como coordenador político do governo eu inclusive ajudei o presidente Lula a montar essa aliança que deu sustentabilidade ao segundo governo.

Em nível nacional, nós fizemos uma aliança onde o governo se moveu ao centro democrático e progressista. Aqui no Rio Grande do Sul, a proposta foi construir um bloco de esquerda que conversasse com o centro e o trouxesse para as nossas posições. Como fazer isso? A partir de um programa de governo. Nós fizemos 15 caravanas pelo Estado discutindo com todas as forças sociais e econômicas. O programa de governo serviu de baliza para essa estratégia. E ela funcionou. Tanto é que nunca se negou que a nossa chapa era uma chapa de esquerda. O candidato a governador era do PT, o candidato a vice-governador era do PSB e na nossa chapa também estava o PC do B. Foi assim que conseguimos desenvolver um projeto político e uma proposta de desenvolvimento capaz de trazer para o nosso campo forças políticas impulsionadas pelas bases sociais dessas forças. Ou seja, os setores médios da sociedade, médios e pequenos empresários, agricultores, o comércio e todos os demais setores que são beneficiados pelas políticas do governo federal. Creio que construímos um sistema de alianças inovador, do ponto de vista do conceito de coalizão, que nós queremos inclusive que tenha influência no cenário nacional, no próximo período.

CM: Falando do cenário nacional, a eleição presidencial foi para o segundo turno, contrariando a expectativa que se tinha. Aparentemente, há um fenômeno novo nesta eleição que é o surgimento de uma “questão religiosa” que teria prejudicado a candidata Dilma Rousseff na reta final do primeiro turno, especificamente no tema do aborto. Agora, no início do segundo turno, os meios de comunicação vêm batendo muito nessa tecla caracterizando uma invasão da esfera da política republicana por questões religiosas. Qual sua avaliação sobre isso? Na sua opinião, como a candidata Dilma Rousseff deve responder esse tipo de ataque?

TG: Na verdade, trata-se de um ressurgimento. Na campanha de Lula, de 1989, já ocorreu a utilização desses temas, inclusive da própria questão do aborto, com a exploração da relação que Lula teve com a senhora Miriam Cordeiro. Ele teve uma filha com ela, uma filha querida do Lula, tão querida quanto os demais filhos. Hoje, isso foi restaurado por conveniência da centro-direita e da direita tradicional. Era o único elemento que eles tinham para trazer para a esfera da política, com uma certa influência no imaginário popular, para tentar se contrapor na sociedade ao grande prestígio do governo Lula e, conseqüentemente, de sua candidata, prestígio esse obtido por meio das políticas sociais do governo federal.

Nós temos hoje um amplo conjunto de religiões no Brasil, religiões importantes com forte apelo popular e que funcionam inclusive como elementos de coesão social em uma sociedade fragmentada como a nossa, mas que recebem esses efeitos da política. A parte desses setores que foi seduzida por essa visão não republicana – algo que realmente ocorreu – não é mais significativa que a parte que não foi seduzida. Na verdade, esse é o fenômeno novo e não o fato dessa temática ter sido utilizada novamente.

Nós tivemos uma experiência interessante aqui no Rio Grande do Sul. Em todo esse período da campanha, em mantive diálogo com todas as religiões e sempre coloquei minha postura republicana e minha visão de Estado laico e isso foi muito bem aceito. Aqui no Rio Grande do Sul essa questão não teve influência, tanto é verdade que a Dilma ganhou a eleição no Estado no primeiro turno. Cabe lembrar que Lula, na sua segunda eleição, perdeu no Rio Grande do Sul, no primeiro e no segundo turno. É muito importante a forma como se combate esse tipo de preconceito e uma observação adequada sobre qual território esse tipo de coisa efetivamente está tendo efeito.

Esse tema, por outro lado, está ligado também a outras questões. Nós tivemos por parte da ampla maioria da mídia, que acolhe as teses fundamentais da direita que não gosta do governo Lula, que não gosta do PT e que não gosta da esquerda, a promoção de outros fatos. Tivemos o episódio da violação dos dados cadastrais do Imposto de Renda. Tivemos a questão relacionada a Erenice e tivemos um mar de calúnias preparadas contra a Dilma na internet, relacionadas à sua vida política na época da resistência ao regime militar. A questão do aborto entrou como um elemento desestabilizador de um forte processo estrategicamente coordenado por dentro da mídia por aqueles que apóiam o candidato José Serra e que apresentam visões pré-republicanas, no cenário político nacional.

CM: Como enfrentar isso numa campanha de praticamente três semanas apenas?

TG: Acho que é preciso adotar uma perspectiva republicana, universalista e laica a respeito desse assunto. É preciso dizer que esses temas envolvem questões de foro íntimo. A pessoa que vai representar o Estado e o Governo deve dizer, em primeiro lugar, a sua opinião pessoal. Olha, sou contra o aborto como método contraceptivo e acho que essa é uma questão de saúde pública. Acho que isso que deve ser dito em linhas gerais sem querer ofender o nível de consciência média desses setores que, em última análise, acredita que a realização de um aborto, seja em que circunstância for, é um assassinato. Eu sou contra o aborto como método contraceptivo. Acho que é necessário que o Estado desenvolva políticas que estimulem as pessoas a não fazerem aborto e que proteja a projeção de uma vida. Essa é uma convicção laica que tenho e que parte de uma visão humanista que tenho acerca da organização da sociedade e dos direitos individuais. Agora, outra coisa é você visualizar a questão do aborto de fetos sem cérebros ou de mulheres que engravidam a partir de um estupro. Neste caso, é preciso respeitar o sentimento das pessoas envolvidas. O que ocorreu foi uma deformação intencional das posições da Dilma como se ela fosse uma pessoa que defendesse o aborto como método contraceptivo.

CM: O senhor referiu o tema da mídia que, nesta eleição, mais uma vez, agiu não só como meio de comunicação, mas também como um protagonista político. No seu governo que iniciará em janeiro de 2011, quais serão as políticas públicas para a área da comunicação? O senhor considera importante ter políticas para democratizar o atual sistema de comunicação no país?

TG: Precisamos de uma política de fortalecimento da comunicação pública. No caso concreto aqui do Rio Grande do Sul, a TVE deve recuperar um papel importante que já teve em outras oportunidades. Teremos uma relação com a mídia que tratará de forma igual os meios de comunicação, sem qualquer tipo de preferência, sem qualquer tipo de submissão a eventuais pressões que possam vir de grupos, sejam eles quais forem. O governo também deve ter uma política de estímulo à mídia independente. E mídia independente significa o seguinte: mídia que não está subordinada exclusivamente aos seus anunciantes para produzir suas opiniões. Isso é um dever democrático de qualquer governo.

CM: Por fim, uma pergunta que foi feita por leitores da Carta Maior que enviaram sugestões de questões para essa entrevista. O Fórum Social Mundial tem a cidade de Porto Alegre e o Estado do Rio Grande do Sul como uma referência fundadora e fundamental. O senhor pensa em fazer algum movimento para fortalecer o processo do FSM que, desde 2001, já passou por várias etapas?

TG: Sim. Já estamos providência para que o Rio Grande do Sul desenvolva um inédito sistema de participação popular e de controle público, integrando as experiências do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento, da Consulta Popular, do Orçamento Participativo e da participação virtual. Pretendemos construir um cinturão de controle público do Estado e de indução à produção de políticas públicas pelo Estado, dando grande importância ao Orçamento Participativo que foi praticamente sufocado nos dois últimos governos.

Obviamente que o Orçamento Participativo, assim como as outras formas de participação, tem que ter âmbitos de interferência. Não é possível, por exemplo, submeter ao Orçamento Participativo a necessidade ou não de construir uma nova ponte sobre o Guaíba. Mas podemos e devemos submeter ao Orçamento Participativo quais são as prioridades de cada região, quais investimentos o Estado deve fazer, a partir da mobilização da sociedade, da formação de opinião e do reconhecimento do peso que tem a decisão popular presencial. Nós gostaríamos que, ao final dos nossos quatro anos, tivéssemos, a partir do Rio Grande do Sul, um reconhecimento tão grande quanto teve Porto Alegre com o Orçamento Participativo instituído a partir do governo Olívio Dutra.

Acho que é possível fazer isso, até porque, hoje, a adição de meios tecnológicos para consulta de opinião, para formação de opinião e para controle público do Estado é um elemento vital para a reergenização da democracia, que sofre uma crise de representação não só aqui no Brasil pela ausência de uma reforma política, mas em todo o mundo porque o Estado não se aparelhou para fazer uma coleta de opiniões de novos grupos sociais, de uma nova juventude, de novos movimentos que se organizam em redes sociais de opinião e que, hoje, pouco interferem nas decisões do Estado.

CM: Esse novo sistema de participação popular deve começar a ser implementado logo no início do governo?

TG: Sim. Queremos já no primeiro ano de governo montar essa nova estrutura de participação popular cidadã, como estamos chamando, para que o Rio Grande do Sul possa, paulatinamente, transitar para ser um exemplo de controle público do Estado e de produção de decisões a partir da participação cidadã.
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