... que não pode ser polícia do mundo
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ANTÓNIO SAMPAIO - LUSA
Madrid, 06 nov (Lusa) - Os falhanços no Afeganistão demonstram a incapacidade da NATO e as fraquezas de uma organização que deve centrar-se no atlântico norte e não pensar em ser "policia do mundo", disse à Lusa o académico afegão Amin Saikal.
"A NATO é, basicamente, uma relíquia da guerra-fria. Tem sido eficaz nesse contexto em ajudar a estabilizar a sua zona de influência. Mas ir mais além, em termos geográficos, é desnecessário. É algo que muitos países, incluindo muitos dos aliados, não querem", afirmou o professor Amin Saikal.
Saikal falava à Lusa a partir de Camberra, na Austrália, onde é professor de ciência política e diretor do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Nacional Australiana (ANU).
Especialista sobre o Afeganistão e diálogo entre o Islão e o ocidente - tendo publicado vários livros sobre estes temas - Amin Saikal, que nasceu em Cabul, considera que no momento atual é necessário "uma visão e uma missão clara" para a NATO.
"A NATO tem de decidir o que quer fazer. Quer ser polícia do mundo ? É algo aceitável para muitos países? Quer ajudar a resolver conflitos e, nesse caso, deve desviar atenções de papel militar para não militar? Até que ponto quer continuar a sua expansão?", questionou.
Dúvidas que espera sejam clarificadas em Lisboa num momento em que, considera, "a visão e a missão continuam a ser vagas e diluídas" e a NATO enfrenta fortes contestações relativamente à missão no Afeganistão.
"A NATO está numa situação muito difícil no Afeganistão. Não acredito que seja possível a vitória e os esforços agora só parecem ser de conseguir suficiente estabilização para que os aliados saiam, antes cedo que tarde", afirmou.
"A liderança da NATO está consciente de que perdeu a face, publicamente quer continuar no país para fortalecer o exército e a polícia mas sabe que isso obrigaria a um processo de mais de uma década, pelo menos", disse.
Uma presença que todos admitem ser demasiado extensa, com vários aliados a anunciarem já a saída das suas tropas e outros, pressionados pela situação económica, a quererem reduzir os gastos na missão.
"É um caso complicado. A NATO não vai vencer mas não quer ser vista como tendo sido derrotada. Porque isso teria um impacto, a muito longo prazo, no futuro da NATO", considera Saikal.
Durante os nove anos que passou no Afeganistão, insiste, a NATO "não foi capaz de estabelecer bases sólidas para transformar o país num Estado viável a longo prazo", o que evidencia a incapacidade em encontrar "parceiros credíveis" no terreno.
Um dos problemas essenciais, considera, é o próprio sistema presidencial implementado que "não se adequa à situação de um país socialmente dividido" onde deveria ter sido implementado "um sistema parlamentar mais descentralizado, ter mais líderes regionais fortes, um sistema de responsabilidades e obrigações nacionais que evite o atual sistema que claramente está a falhar e que está a permitir que os Taliban, grupos regionais criminosos e gangs se recomponham e voltem a atuar".
Ao mesmo tempo, considerou, ainda não se conseguiu avançar para o consenso entre os vizinhos do Afeganistão sobre "que país querem", o que também enfraquece a viabilidade do Estado.
Por isso, defende, é essencial que a ONU promova uma conferência regional que permita "travar as interferências regionais em apoio a um ou outro grupo".
"Esta missão demonstrou que a NATO e a comunidade internacional têm, cada vez mais, que pensar que operações deste tipo têm que ser integradas", sublinha.
"O presidente Obama tem dado mais atenção a esta questão, tem-se virado para o Paquistão e parece adotar uma nova política. Mas pode ser demasiado tarde", disse.
Considerando "evidentes" as diferenças entre europeus e norte americanos sobre "o papel, a natureza e o futuro da NATO", Saikal refere que a questão da expansão da NATO, especialmente em termos das zonas onde atua, "continua a ser contestada" por vários governos europeus.
"A NATO pode continuar a apostar em mais parcerias. Mas também quer saber para que servem. Se é para operações globais terá muita oposição. Se é para ajudar a construir a paz, então tem de caminhar mais para uma vertente civil", disse.
"Claro que levanta-se a questão de se a NATO tem os recursos para isso, especialmente no atual momento de crise. Por isso, continua a ter mais sentido se funcionar no seu eixo, centrada na Europa e no Atlântico Norte", afirmou.
*** Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico***
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Madrid, 06 nov (Lusa) - Os falhanços no Afeganistão demonstram a incapacidade da NATO e as fraquezas de uma organização que deve centrar-se no atlântico norte e não pensar em ser "policia do mundo", disse à Lusa o académico afegão Amin Saikal.
"A NATO é, basicamente, uma relíquia da guerra-fria. Tem sido eficaz nesse contexto em ajudar a estabilizar a sua zona de influência. Mas ir mais além, em termos geográficos, é desnecessário. É algo que muitos países, incluindo muitos dos aliados, não querem", afirmou o professor Amin Saikal.
Saikal falava à Lusa a partir de Camberra, na Austrália, onde é professor de ciência política e diretor do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Nacional Australiana (ANU).
Especialista sobre o Afeganistão e diálogo entre o Islão e o ocidente - tendo publicado vários livros sobre estes temas - Amin Saikal, que nasceu em Cabul, considera que no momento atual é necessário "uma visão e uma missão clara" para a NATO.
"A NATO tem de decidir o que quer fazer. Quer ser polícia do mundo ? É algo aceitável para muitos países? Quer ajudar a resolver conflitos e, nesse caso, deve desviar atenções de papel militar para não militar? Até que ponto quer continuar a sua expansão?", questionou.
Dúvidas que espera sejam clarificadas em Lisboa num momento em que, considera, "a visão e a missão continuam a ser vagas e diluídas" e a NATO enfrenta fortes contestações relativamente à missão no Afeganistão.
"A NATO está numa situação muito difícil no Afeganistão. Não acredito que seja possível a vitória e os esforços agora só parecem ser de conseguir suficiente estabilização para que os aliados saiam, antes cedo que tarde", afirmou.
"A liderança da NATO está consciente de que perdeu a face, publicamente quer continuar no país para fortalecer o exército e a polícia mas sabe que isso obrigaria a um processo de mais de uma década, pelo menos", disse.
Uma presença que todos admitem ser demasiado extensa, com vários aliados a anunciarem já a saída das suas tropas e outros, pressionados pela situação económica, a quererem reduzir os gastos na missão.
"É um caso complicado. A NATO não vai vencer mas não quer ser vista como tendo sido derrotada. Porque isso teria um impacto, a muito longo prazo, no futuro da NATO", considera Saikal.
Durante os nove anos que passou no Afeganistão, insiste, a NATO "não foi capaz de estabelecer bases sólidas para transformar o país num Estado viável a longo prazo", o que evidencia a incapacidade em encontrar "parceiros credíveis" no terreno.
Um dos problemas essenciais, considera, é o próprio sistema presidencial implementado que "não se adequa à situação de um país socialmente dividido" onde deveria ter sido implementado "um sistema parlamentar mais descentralizado, ter mais líderes regionais fortes, um sistema de responsabilidades e obrigações nacionais que evite o atual sistema que claramente está a falhar e que está a permitir que os Taliban, grupos regionais criminosos e gangs se recomponham e voltem a atuar".
Ao mesmo tempo, considerou, ainda não se conseguiu avançar para o consenso entre os vizinhos do Afeganistão sobre "que país querem", o que também enfraquece a viabilidade do Estado.
Por isso, defende, é essencial que a ONU promova uma conferência regional que permita "travar as interferências regionais em apoio a um ou outro grupo".
"Esta missão demonstrou que a NATO e a comunidade internacional têm, cada vez mais, que pensar que operações deste tipo têm que ser integradas", sublinha.
"O presidente Obama tem dado mais atenção a esta questão, tem-se virado para o Paquistão e parece adotar uma nova política. Mas pode ser demasiado tarde", disse.
Considerando "evidentes" as diferenças entre europeus e norte americanos sobre "o papel, a natureza e o futuro da NATO", Saikal refere que a questão da expansão da NATO, especialmente em termos das zonas onde atua, "continua a ser contestada" por vários governos europeus.
"A NATO pode continuar a apostar em mais parcerias. Mas também quer saber para que servem. Se é para operações globais terá muita oposição. Se é para ajudar a construir a paz, então tem de caminhar mais para uma vertente civil", disse.
"Claro que levanta-se a questão de se a NATO tem os recursos para isso, especialmente no atual momento de crise. Por isso, continua a ter mais sentido se funcionar no seu eixo, centrada na Europa e no Atlântico Norte", afirmou.
*** Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico***
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