terça-feira, 9 de novembro de 2010

A NATO NO ÍNDICO NORTE

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MARTINHO JÚNIOR

Pouco a pouco a hegemonia norte americana vai conduzindo a NATO para outras paragens fora do contexto original da organização, acoplando-a aos conceitos da “doutrina Bush”, ora em fase de refinamento com a administração de Barack Hussein Obama.

A presença da NATO no Índico Norte, integrando um conjunto muito alargado de dispositivos que, de acordo com os mais variados conceitos e pretextos, vão de facto cercando a Rússia e aproximando-se da Índia e da China, é já um facto incontestável e isso deve-se não só aos compromissos em relação a Israel, ao Iraque, Irão, Afeganistão e Paquistão (além das Repúblicas do Leste da Europa, do Cáucaso e da Ásia Central), mas agora em relação a um outro “produto”: a pirataria ao largo das costas de Aden, da Somália, do Quénia e da Tanzânia.

Cabe à fragata portuguesa NRP Corte Real o desempenho de capitanear a força tarefa integrada no dispositivo da NATO que dá pelas siglas SNMG1 (“Stand Nato Maritime Group 1”), ao largo das costas de Aden, Somália, Quénia e Tanzânia, da qual fazem parte ainda as seguintes unidades (1)

- HMSC Winnipeg (Canadá).

- HNLMS De Zeven Provinzien (Holanda).

- ESPS Blas de Lezo (Espanha).

- USS Halliburton (Estados Unidos).

A força-tarefa já foi constituída por sete unidades, mas os dois navios alemães que estavam adstritos passaram a integrar a força da União Europeia NAVFOR.

O contexto que eu tomo a liberdade de baptizar pré-“NITO” (“North Indic Treaty Organization”) no Índico Norte, serve às mil maravilhas às pretensões dos Estados Unidos e da própria NATO: estão neste momento presentes no cenário, em sintonia tácita com os aliados dos Estados Unidos, navios que pertencem às Marinhas de Guerra da Rússia, da China, da Índia, da Tailândia e do Japão, mas até a Marinha do Irão já teve destacamento naquele nó crucial da navegação marítima internacional.

Desse modo, os Estados Unidos arrastam um conjunto muito alargado de compromissos abertos ou velados de países que possuem marinhas importantes à escala global e ao mesmo tempo interesses ligados às pescas um pouco por todo o mundo e também nessa região do Índico Norte.

O que está a acontecer ao largo das costas de Aden, da Somália e dos outros países da costa Nordeste de África, é também um fenómeno redundante ao que tem acontecido um pouco por todo o lado (inclusive nas costas angolanas), conforme se pode deduzir do argumento do consultor e analista Mohamed Abshir Waldo, um queniano de origem somali que em Janeiro trouxe a público alguma luz sobre este pertinente assunto, no texto que produziu sob o título “The Two Piracies in Somalia: Why the World Ignores the Other?”

A iniciativa pacifista liderada pela jornalista de intervenção Amy Goodman, “Democracy Now”, publicou a 14 de Abril uma entrevista ao telefone com ele da qual ressalto a síntese do seu ponto de vista (2):

“Bem as duas piratarias provêm duma que foi original, que era a pirataria pesqueira estrangeira, praticada por navios de pesca estrangeiros, que ao mesmo tempo se faziam presentes com unidades industriais e outras depositando lixos tóxicos, inclusive nucleares.

Em alguns casos eram os próprios pesqueiros estrangeiros que traziam os componentes tóxicas.

Essa foi a pirataria que está na origem dos actuais problemas.

A outra pirataria é a que é caracterizada pelas acções contra os navios de longo curso.

Quando a marinha da Somália foi pilhada, então as águas foram envenenadas, o peixe passou a ser capturado por estrangeiros e a uma situação de pobreza passou a ameaçar todo o país; os pescadores sentiram que não tinham outras possibilidades, ou outros recursos, pelo que começaram a combater contra os proprietários e os navios dos mesmos países que faziam a pirataria pesqueira e lançavam os produtos tóxicos no mar”.

Uma parte desses pesqueiros e dos navios que fazem a descarga de produtos tóxicos são provenientes tanto da Europa, entre eles barcos oriundos da Espanha, da Itália, da Grécia, da Noruega e da Rússia, como originários de potências do Oriente (Taiwan, China, Filipinas, Coreia do Sul) e agora são protegidos pelas Marinhas de Guerra qu)e se encontram na Região.

Neste momento a presença dos navios de guerra facilita que a pesca ilegal continue sem obstáculos de maior.

Todos esses pesqueiros operam sem licença, sem qualquer espécie de acordo com as comunidades locais de pescadores somalis ou outros e quando lhes foi dito para se afastarem, então começaram as medidas de intimidação até dentro das águas territoriais contra as canoas dos pescadores locais, disparando contra elas, ou abalroando-as de forma a provocar incidentes graves, ou destruindo as suas artes de pesca…

Para quem vive em pequenas comunidades de pescadores junto à costa e tem de lidar com o ambiente hostil semi-desértico e o mar, tirando do mar o seu sustento, que alternativas houve?

Os atentados dos “piratas” são distintos, sob o ponto de vista de concepção táctica e técnica, dos ataques de unidades aparentemente pertencentes ao Al-Qaeda, conforme o episódio do DDG-67 “USS Cole” (3), ou o episódio do super petroleiro Limburg (4), que batia pavilhão francês.

Reportando-me à BBC, os últimos ataques dos piratas somalis têm sido feitos à noite, utilizando pequenos barcos rígidos com motor fora de borda à popa e um grupo armado de 5/6 homens, utilizando RPG-7 e AK-41. (5).

Uma conclusão parece agora mais que evidente: a “pirataria” e todas as manipulações que têm havido à volta dela do lado dos interesses exteriores aos países africanos afectados e visados, serve de experiência e lição que pode servir de fundamento a outras mais aventuras similares, onde quer que hajam interesses importantes.

Nesse sentido, os interesses norte americanos no Golfo da Guiné, explorando os mais diversos contextos e pretextos que se oferecem em função da evolução da situação que vai atingindo os mais diversos países africanos nessa região imensa, podem determinar que o AFRICOM evolua para um concerto de dispositivos navais similares àqueles que evoluem no Índico Norte.

A passagem por Lisboa, em ocasiões distintas, de efectivos superiores ligados ao Pentágono (alguns deles no mando do AFRICOM), evidencia por si a “preocupação” estratégica norte americana em direcção ao Golfo da Guiné, tendo em conta o jogo estratégico de Portugal filiado fiel na NATO e nos Açores.

“Triste sina” para um país que deveria estar totalmente empenhado no combate à onda de pobreza que vai atingindo a sua própria sociedade e é obrigado a “filiar-se” em aventuras de custo elevado “além mar” e muito fora do contexto do Atlântico Norte!

É este na verdade o 25 de Abril que Portugal “vive” em pleno século XXI (6)!

Martinho Júnior - 21 de Abril de 2009.

Notas:
- (1) – MGP Corte Real, comunicados -
http://www.marinha.pt/Marinha/PT/Extra/CReal/Comunicados/.
- (2) – Somalia Piracy Began in Response to Illegal Fishing and Toxic Dumping by Western Ships off Somali Coast -
http://www.democracynow.org/2009/4/14/analysis_somalia_piracy_began_in_response.
- (3 ) – USS Cole bombing -
http://en.wikipedia.org/wiki/USS_Cole_bombing.
- (4) – Attentat contre le petrolier Limburg -
http://www.afcan.org/dossier_accidents/limbourg.html.
- (5) - New wave of Somali pirate attacks -
http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7997610.stm.
- (6) - Agravamento das desigualdades em Portugal -
http://resistir.info/portugal/desigualdades.html.

** Publicado em Página Um (edição antiga)
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1 comentário:

Anónimo disse...

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