MARTINHO JÚNIOR
Nota prévia
… A administração republicana de Dwight D. Eisenhower, na sua fase declinante, tratou de eliminar a hipótese do democrata John F. Kennedy se ligar a Patrice Lumumba e enquadrar a política externa norte americana para África na direcção do reforço do nacionalismo africano.
Até que ponto o contencioso interno dos Estados Unidos foi instrumentalizado para defender os interesses e as conveniências do "lobby" dos minerais no Congo?
Que êxitos obtiveram em 1960 que foram fundamentais para o envolvimento do regime ditatorial de Mobutu, 15 anos mais tarde, na tentativa de Henry Kissinger de colocar no poder pela força seus fantoches de ocasião em Angola, chegando a contrariar outras opções presentes até no Departamento de Estado?
O que levou John Stockwell a abandonar a CIA e ao General Tonta Afonso de Castro, o Comandante do ELNA na Batalha de Kifangondo, pela via do COMIRA (que entretanto haveria de ser dissolvido), a integrar individualmente com um número expressivo de combatentes da FNLA as FAPLA, sublinhando o primeiro dos passos na direcção da paz em Angola?
O texto vou reproduzir mantendo tanto quanto possível a redacção original e sem notas em rodapé.
A ADMINISTRAÇÃO REPUBLICANA DE DWIGHT D. EISENHOWER, O "PROJECTO WIZARD" E O ASSASSINATO DE PATRICE LUMUMBA
De acordo com Stephen Weissman, "a CIA realizou as mais substanciais operações no Zaíre (antigo Congo Belga) e Angola", tendo desde logo fortalecido o seu sistema em Kinshasa por alturas da independência a 30 de Junho de 1960.
Para o efeito, uma das primeiras medidas foi colocar como chefe da sua antena e sob cobertura diplomática, Lawrence Devlin, que "dentro de poucas semanas estava já profundamente envolvido no esforço de derrubar o governo e assassinar alguns dos seus responsáveis, o primeiro duma série de acções encobertas e de vários programas de inteligência, que continuariam ao longo da década de 70".
Em continuidade das pistas iniciais que tinha Stephen Weissman, antigo alto funcionário do Sub Comité de África da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, clarificou a implicação da administração republicana de Dwight D. Eisenhower no assassinato, conforme documentos a que teve acesso até 2002, através dum artigo que chegou a publicar, nesse ano, no "Washington Post".
A CIA desembolsou por diversas vezes e de acordo com planos distintos, dinheiro para que Patrice Lumumba, o líder congolês democraticamente eleito, fosse assassinado, de acordo com o "Projecto Wizard", um programa de acções secretas controladas pela agência de inteligência norte americana.
A ascensão de Patrice Lumumba como Primeiro Ministro, enquanto vigorava a administração Eisenhower, encontrou logo o seguinte cenário no Congo, um cenário que permitia aos serviços de inteligência americanos tirar o melhor proveito do caos em que se encontrava a vida do país:
- Motins sérios nas Forças Armadas.
- Reocupação do território pelas Forças Armadas Belgas.
- Secessão do Katanga, com emprego de mercenários (em função dos interesses da "Union Minière") e de acordo com os interesses da "Société Générale de Belgique", onde os Rockefeller mantinham capitais estratégicos.
- Política ambígua da ONU, que não garantia a substituição das Forças Armadas Belgas, nem punha fim à secessão (quando o pretendeu fazer, Dag Hammarskjold, Secretário Geral da ONU que directamente assumiu o contencioso, foi assassinado).
Desse modo, Patrice Lumumba procurou encontrar apoios em vários países africanos pela via de seus representantes em Kinshasa, como nos casos da Guiné Conacry e do Gana, assim como na esquerda europeia e, logicamente, na URSS depois de verificar que Washington não estaria na disposição de lhe dar apoio.
Em Julho de 1960, na qualidade de Primeiro Ministro, Patrice Lumumba fez uma visita de três dias a Washington e, tendo o presidente Dwight D. Eisenhower deliberadamente evitado o contacto com ele, escapando-se para Rhode Island, Lumumba pediu ao Secretário de Estado Christian Herter e ao seu Adjunto Douglas Dillon, ajuda para pôr os belgas fora do Congo (fornecimento de transportes para as tropas).
Nesses encontros, a Administração de Eisenhower que negou a ajuda, interpretou o pedido oficial do Primeiro Ministro eleito, Patrice Lumumba, como havendo nele, implícito, o "risco" de pedir apoio à URSS e este ser-lhe concedido, como se houvesse uma forte probabilidade de vir a surgir "outra Cuba".
A administração Eisenhower estava assim, deliberadamente, a atirar Patrice Lumumba e o nacionalismo africano para o campo da URSS, forjando desse modo as premissas básicas da Guerra Fria no quadro dos assuntos internos do Congo, através dum processo que passaria a estimular a lógica duma contínua ingerência.
A 25 de Agosto de 1960 o "Grupo Especial do National Security Council" encarregue do Congo deliberou o derrube de Lumumba e a sua substituição por um grupo "pró – ocidental" num processo que teve o seu epílogo menos de seis meses mais tarde ("Projecto Wizard).
Essa decisão foi tomada na sequência da interpretação que Allen Dulles, então Director da CIA e antigo advogado dos Rockefeller (Nelson Rockefeller é membro do "Bilderberg") fazia da situação no Congo, a 21 de Julho de 1960 no "National Security Council": "com Lumumba estamos perante uma pessoa que é um Castro, ou pior que ele"... interpretação que era aliás corroborada por Lawrence Devlin, através das mensagens que, a partir da antena da CIA em Kinshasa reflectiam a situação contemporânea naquele país.
De certa maneira também o cartel de diamantes liderado nos Estados Unidos por uma personagem como Maurice Tempelsman (que fora recrutado na Bolsa de Antuérpia, Bélgica, pelos Oppenheimer, para os discretamente representar nos Estados Unidos, mantendo por essa via relações preferenciais com Lawrence Devlin), garantia as razões estratégicas fundamentais para que as coisas se desenrolassem no rumo que tomou, não fosse ele também financiado por membros da aristocracia financeira mundial, (entre eles os Rockefeller).
A 14 de Setembro de 1960 o Coronel Mobutu fomenta um golpe de estado militar e quer o Parlamento quer a Constituição são suspensos, assumindo Joseph Ileo o poder de 5 de Setembro de 1960 a 2 de Agosto de 1961.
Assim, "vários diplomatas americanos e diplomatas de outros países , concordaram que o Coronel Joseph Mobutu e o seu grupo de aliados políticos Binza" (...) "constituíam um veículo da CIA compacto e muito cooperativo", que deveria ser sempre apoiado financeiramente e orientado perante as emergências.
Além de Joseph Mobutu receberam financiamentos da CIA o presidente Kasavubu , o então Ministro das Relações Exteriores Justin Bomboko, o Conselheiro para as Finanças Albert N’Dele, o Presidente do Senado Joseph Ileo, o líder sindical Cyrille Adoula e os Comissários para a Justiça Liahu e Tshisekedi.
No quadro desse plano Joseph Ileo e Cyrille Adoula começaram por organizar uma moção de censura ao governo de Patrice Lumumba, seguida de manifestações sindicais, da demissão de ministros (organizada por Albert NDele), culminando com a demissão de Lumumba.
De acordo com os referidos documentos americanos , "a 1 de Setembro de 1960 , o Grupo Especial do Conselho de Segurança Nacional autoriza os pagamentos a Kasavubu, pela CIA".
O golpe de Mobutu a 14 de Setembro é a consequência lógica do desenrolar desse plano apoiado pelo "Colégio de Comissários", do qual fazia parte também outro dos implicados com a CIA, Victor Nendaka, dissidente do partido lumumbista e nomeado chefe da segurança e da polícia.
Além de Lumumba, ficaram desde logo na linha de fogo da CIA, Antoine Gizenga e Pierre Mulele, pelo que, logo que Lumumba foi assassinado e garantida a ascensão de Mobutu no quadro da estratégia dominante de Washington; uma série de operações foram desencadeadas contra os santuários onde eles organizaram a sua resistência no leste do país (particularmente em Stanleyville e no Kivu), durante mais de 4 anos consecutivos.
Da parte dos americanos, "Dulles incumbiu Richard Helms de preparar o assassinato" e uma das personalidades que se tornou implicada foi o Dr. Sidney Gottlieb, o decano criador de "bioxinas mortais" destinadas aos "programas" da CIA.
Os venenos acabaram por não ser necessários pois a 17 de Janeiro de 1961 Lumumba foi morto, segundo John Stockwell (numa carta que escreveu ao Almirante Stansfiled Turner, na altura Director da CIA): "eventualmente ele foi morto, não por nossos venenos, mas espancado até à morte, aparentemente por homens que têm nomes cifrados da agência e recebem salários da agência".
De facto o governo belga havia encarregado o seu Ministro para os Assuntos Africanos, Conde d’Aspremont, para desencadear a "Operação Barracuda" (cronologicamente sincronizada com o "Projecto Wizard"), que se encarregaria na sua derradeira fase de criar as condições da execução e da própria execução.
As investigações levadas a cabo na Bélgica trouxeram à luz elementos de informação inquestionáveis sobre a implicação directa das autoridades belgas e do próprio Moisés Tshombé, secessionista do Katanga, o homem de mão político da "Union Minière".
A 10 de Outubro de 1960 Lumumba é colocado sob residência vigiada sob protecção da ONU, mas a 27 de Novembro de 1960 ele abandona-a com destino a Stanleyville; acaba por ser detido por elementos das FAC, às ordens de Mobutu a 1 de Dezembro de 1960, sendo transferido a 3 de Dezembro para Camp Hardy, em Thysville, onde se mantém preso (e espancado) às ordens do "Colégio de Comissários", até 14 de Janeiro de 1961.
A essa data, o referido organismo tutelado pela CIA pede a Kasavubu para transferir Lumumba para um lugar mais seguro, pelo que Victor Nendaka recebe as ordens de o entregar a Moisés Tshombé que já antes havia prometido a morte para o líder congolês.
Nesse mesmo dia e segundo o relatório do "Church Comittee", "um membro do governo congolês" advertiu Lawrence Devlin, chefe da antena da CIA, que os detidos iriam ser entregues aos secessionistas do Katanga, nada fazendo para alterar, ou rectificar tal decisão.
Lawrence Devlin alegou, perante o "Church Comittee", que os membros do "Colégio de Comissários", "não agiam segundo instruções da CIA, se com efeito ficasse provado que eram eles a organizar o assassinato".
A 17 de Janeiro de 1961 Lumumba é assim transferido para Elizabethville onde é morto com dois dos seus companheiros – Maurice MPolo e Joseph Okito, na presença de membros do governo secessionista do Katanga.
O "Sumário Semanal de Inteligência" da CIA de 12 de Janeiro de 1961, desclassificado e tornado público em Julho de 2000, referia-se assim, entretanto, à rebelião de Antoine Gizenga que ganhava corpo no leste do país:
"Tropas leais ao regime de Gizenga, em Stanleyville, continuam a alargar a área sob seu controlo.
Depois de instalar um Governo pró Stanleyville no Kivu elas entraram na parte norte do Katanga de Tshombé, proclamando um novo estado Lualaba.
Aparentemente foram bem acolhidas pelas tribos baluba anti Tshombé, naquela área.
Há também notícias de que as tropas de Gizenga têm o plano de realizar incursões na província Oriental e Mobutu enviou tropas, de Leopoldville, a fim de defender a área".
Por outro lado em relação aos efectivos governamentais, a situação não se havia tornado em nada favorável:
"Em Leopoldville , o prestígio do governo Kasavubu – Mobutu foi muito atingido por causa da instabilidade das forças de Mobutu que não querem entrar em acção contra os dissidentes.
Um motim policial que começou a 10 de Janeiro por causa de salários em atraso, aparentemente contaminou o efectivo militar na área, cuja moral é baixo, alegadamente por causa do favoritismo de Mobutu em relação a outras unidades, o que aumentou os danos provocados pelos sucessos das forças de oposição".
A manutenção de Patrice Lumumba em prisão poderia trazer, aos olhos da embaixada americana em Kinshasa, mais prejuízos para os elementos seus favoráveis, instalados no governo e a sua soltura, numa situação em que no leste Antoine Gizenga e a sua rebelião cresciam jamais poderia ser indicada, sob pena de aumentaram ainda mais os prejuízos para as posições pró americanas.
Na embaixada americana em Kinshasa, para além do chefe da antena da CIA, Lawrence Devlin, pontificavam personagens influentes nos acontecimentos e também na decisão sobre a efectiva neutralização do 1º ministro eleito, Patrice Lumumba:
- O embaixador Clare Timberlake, que apoiou o duo Kasavubu – Mobutu e passara a considerar Patrice Lumumba como um "comunista", "com ligações a Moscovo" (conforme suas próprias mensagens para o Departamento de Estado).
- O então segundo secretário, Frank Charles Carlucci, que se envolvera no "Projecto Wizard", pelo menos nos esforços para derrubar do governo o Primeiro Ministro eleito Patrice Lumumba.
O trio Lawrence Devlin, Clare Timberlake e Frank Charles Carlucci, haviam correspondido à ordem do presidente Dwight D. Eisenhower , para o então chefe da CIA, Allen Dulles, para eliminar Lumumba, conforme declarações perante o Comité de Inteligência do Senado, em 1975, do oficial anotador Robert H. Johnson (sem apresentar demais evidências).
Três dias depois da morte de Lumumba, John F. Kennedy foi empossado e deu início à sua governação (o que viria a acontecer de forma similar com o assassinato de Laurent Désiré Kabila e o advento de George Bush júnior, 40 anos mais tarde).
A 11 de Fevereiro de 1961, já com a administração do democrata John F. Kennedy no poder em Washington, numa altura em que todos os relatórios dos americanos apontavam para a muito forte probabilidade da morte de Patrice Lumumba, o "Grupo Especial" , que orientara o "Projecto Wizard" forneceu 500.000 USD em favor das acções políticas para o pagamento de tropas e de equipamento (material militar), quantia essa que em grande parte seria recebida pelas pessoas que haviam organizado o assassinato de Lumumba.
Nota:
Este artigo foi publicado a 10 de Janeiro de 2004 no semanário "ACTUAL" Nº 379.
Martinho Júnior - 7 de Junho de 2010 .
2 comentários:
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