terça-feira, 16 de novembro de 2010

SEMEANDO TEMPESTADES - I

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MARTINHO JÚNIOR

IRÃO

A lógica da vida, a lógica da paz social e da justiça social em inteiro benefício e respeito para com a dignidade dos povos, é um acto filosófico de consciência rebelde, crítica e responsável, uma lógica que, abrindo-se na direcção do homem e do ambiente como prioridades absolutas, desmascaram as manipulações, os artifícios e as mentiras daqueles que vêem apenas no lucro propiciado pela lógica capitalista o objectivo para todos os seus actos, incluindo os terrivelmente mais radicais actos, aqueles que não se coíbem de, semeando guerras, se importarem que as potências que são para o efeito empenhadas nesses labirintos as percam, para desse modo garantir mais poder, mais riqueza e ilimitados recursos para as oligarquias, à custa dos povos, assim como dos estados e nações mais fracas, os que sofrem a agressão, como também à custa das próprias potências utilizadas, os que se implicam na agressão.

Depois da guerra nos Balcãs, os Estados Unidos e seus aliados no Médio Oriente entraram em situações, em relação às quais parece só haver uma saída: retirar o mais rapidamente possível, para que os desgastes não sejam maiores daqueles que já existem.

O que leva a não ir por esse caminho e a prolongar as guerras?

A única resposta que me parece lógica é que de facto os exércitos mantêm-se a fim de que as corporações armamentistas, a indústria energética e os serviços afins, tenham a oportunidade de continuar a obter lucros colossais, ou seja, que a oligarquia financeira mantenha o poder financeiro apesar da crise, também pela via e com o concurso das guerras.

Para levar a cabo o prolongamento duma situação de caos, os políticos continuam pois a mentir.

A "máscara de plástico sorridente" de Barack Hussein Obama, assim como o seu grito de "mudança" são os presentes envenenados do mesmo poder que tornava George Bush num rude "sargento às ordens", um poder consolidado durante décadas a partir da mesmíssima lógica e no "caso do Irão", o argumento que começa a ser erguido como outro machado de guerra na sacrificada região do Médio Oriente, está a ser "fundamentado" da mesmíssima maneira com que se preparou o caminho para a guerra no Iraque e no Afeganistão – Paquistão.

A mentira continuada e a ambiguidade são próprias da lógica capitalista levada ao extremo neo liberal e por isso, é pela via do uso e abuso da mentira e de "conceitos" com múltiplos sentidos, agora "enriquecidos" com a "difusa" doutrina Obama, que os "sargentos de serviço" em potências como os Estados Unidos ou a Grã Bretanha, ainda que com rosto dum qualquer Tony Blair, têm aberto caminho na direcção da proliferação das guerras que têm semeado e que pretendem continuar a semear. (1)

Os verdadeiros ganhadores dessas guerras são os que mantêm a via do neo liberalismo, abrindo espaço e estando por dentro das poderosas indústrias energéticas, armamentistas, da aeronáutica e do espaço, bem como dos serviços afins, na maior parte dos casos privados cujos interesses foram crescendo de há décadas a esta parte, multiplicando-se com as últimas guerras.

Quem detém o capital dos bancos que suportam as multinacionais petroleiras anglo – saxónicas, as Boeing, as Halliburton, ou as Blackwater, esses é que são de facto os verdadeiros "ganhadores da guerra", mesmo que as poderosas forças armadas dos Estados Unidos e de seus aliados não as ganhem, mas "cumpram com a obrigação" de prolongar ao máximo o pântano para onde foram atiradas! (2)

No Afeganistão serviu a mentira de se neutralizar o terrorismo da Al Qaeda, cujos chefes se haviam acoitado nas áreas periféricas "sem governação" entre o Afeganistão e o Paquistão.

No Iraque serviu de estandarte a mentira de Saddam Hussein, um antigo aliado, estar a produzir armas de destruição massiva, a fim de as utilizar contra vizinhos.

No Irão pode servir a mentira desse país estar a produzir a bomba atómica, ainda que descaradamente se estejam a promover políticas de "dois pesos, duas medidas", se tivermos em conta Israel, sua influência e o seu arsenal.

Em qualquer deles há razões profundas para as intervenções, tendo em conta as riquezas naturais de cada um e do conjunto, assim como do seu peso geo estratégico a sul, mas sensivelmente a meio do imenso continente euro – asiático.

No caso do Afeganistão, o incremento da produção e do tráfico de droga é um indicativo de que o capital disponível está a ser aplicado não só em investimentos com o rótulo da "reconstrução", ou dedicados à exploração de recursos como o petróleo, mas também no ópio e no seu negócio, garantindo fluxos de rendimentos que de outra maneira seria impossível obter. (3)

O jornalista e conferencista norte americano Michael C. Ruppert, referindo-se ao "Império da droga Bush – Cheney" concluía:

"Como no Vietname, na América Central e no Kosovo, as drogas continuam a ser uma parte fundamental do plano de financiamento de guerras prolongadas no terreno.

Como disse um cínico, GOD significa Gold, Oil and Drugs.

Não tenhamos dúvida de que, mais depressa do que muitos julgariam, está a emergir nos Estados Unidos da América um império, como negação de uma república"

No relatório de 2009 do PNUD, o Afeganistão é o penúltimo da listagem geral (o último é o Níger), integrando o pelotão dos que possuem o mais baixo índice de desenvolvimento humano, o 181º lugar!...

De entre os "records" negativos consta a esperança de vida: 43,5 anos em média para as mulheres e 43,6 anos em média para os homens.

O Irão está completamente cercado pelos dispositivos de bases e pelas redes operativas da coligação que tem as forças armadas norte americanas no eixo da agressão generalizada que a poderosa oligarquia que detém o poder nos Estados Unidos e na Europa quer expandir ainda mais no Médio Oriente, faltando apenas o "fecho da abóbada" para o início da nova agressão ou seja, que o argumento do risco da criação da bomba atómica por parte do Irão ganhe difusão suficiente a fim de mobilizar o carneiro da opinião pública e da ONU que mais uma vez se prepara para imolar.

O Irão, na escala dos índices de desenvolvimento humano relativos ao ano corrente, ocupa a 88ª posição, entre a Tailândia e a Geórgia, pertencendo àquele grupo qualificado como tendo índice médio.

A guerra contra o regime de Saddam Hussein, a que se seguiu a ocupação do Iraque, é uma "epopeia" com mais de um milhão de mortos, que começou em Março de 2003 e com esse artifício, os Estados Unidos e seus aliados semearam de bases um território a ocidente do Irão, de onde não se retirarão tão cedo, apesar da propaganda eleitoral de Barack Hussein Obama, agora Prémio Nobel da Paz. (4)

A situação no Iraque continua de tal maneira caótica que no relatório de 2009 do PNUD o país não pôde ser integrado na lista geral, por ser muito difícil a obtenção de dados sobre ele.

A presença militar norte americana e de seus aliados no Afeganistão acaba de fazer oito anos e o número de efectivos empenhados encontra-se em crescendo, com uma implantação de bases que não cessou também de aumentar, alastrando-se o conflito para território do Paquistão, tudo isso às ordens do Prémio Nobel da Paz. (5)

Apesar de nas periferias a norte a coligação estar mais rarefeita, existe a Turquia, que faz parte da OTAN, assim como bases na Geórgia (um provável futuro membro da OTAN), no Azerbeijão, no Turquemenistão e no Uzebequistão.

A maior contradição do Irão islâmico é com Israel e essa contradição acentuou-se no Líbano e na Palestina, conforme o analista brasileiro, professor do programa de pós-graduação em história económica da USP e autor do livro "A revolução iraniana" (Unesp, 2008):

"O Irão foi acusado de ser a força por trás das milícias do Hezbollah, que impuseram humilhação ao Exército de Israel em 2006. Nos dias que correm, é visto como um dos financiadores ocultos do Hamas palestino, contra o qual Israel investiu brutalmente a partir de Dezembro de 2008, em ataques na Faixa de Gaza.

De fato, o Irão joga um papel central nos conflitos geopolíticos da actualidade, tanto por sua força económica e militar quanto pela liderança política que começou a exercer em 1979, quando uma revolução o colocou no centro da atenção mundial, de onde nunca mais saiu". (6)

De facto aqueles que se preocupam com a possibilidade do Irão vir a possuir amamento nuclear fabricado no país, fazem-no como cobertura dos interesses geo estratégicos de Israel, que por seu turno procuram fazer esquecer que Israel é uma ameaça atómica. (7)

O papel de Israel na criação da lenda de que o Irão está a procurar a fabricação da bomba atómica tem sido cada vez mais evidente. (8)

Por essa razão há a adequação da "doutrina Obama" que em relação ao Irão é posta a nu pelo analista John Pilger:

"O crime do Irão é a sua independência. Tendo expulso o tirano favorito da América, o xá Reza Pahlevi, o Irão continua o único estado muçulmano rico em recursos fora do controle estado-unidense.

Como apenas Israel tem um direito a existir no Médio Oriente, o objectivo dos EUA é incapacitar a República Islâmica.

Isto permitirá a Israel dividir e dominar o Médio Oriente em nome de Washington, sem ser detido por um vizinho. Se qualquer país no mundo apresenta um motivo urgente para desenvolver uma dissuasão nuclear, este é o Irão". (9)

O esclarecido filósofo norte americano Noam Chomski por seu turno numa entrevista concedida a Kourosh Ziabari do Foriegn Policy Journal sintetiza respondendo a uma pergunta do entrevistador:

"(KZ): A maioria dos analistas de assuntos internacionais ainda não pôde assimilar o duplo critério nuclear do governo dos Estados Unidos. Apesar de apoiar o arsenal atómico de Israel continua a pressionar o Irão para que suspenda os s seus programas nucleares. Quais são as razões? Possui a IAEA (Agência Internacional de Energia Atómica) autoridade suficiente para investigar os casos de armamento nuclear em Israel?

(NC): O ponto fundamental foi explicado com franqueza por Henry Kissinger. O Washington Post perguntou-lhe por que razão ele agora afirma que o Irão não necessita energia nuclear e que, por conseguinte, deve estar a trabalhar para construir uma bomba, enquanto em 1970 insistiu que o Irão necessitava de ter energia nuclear e que os Estados Unidos deviam prover o xá com os meios necessários para o conseguir. Foi uma resposta típica à Kissinger. Era um país aliado e, por isso, precisava de energia nuclear. Agora, que já não era um país aliado, não necessitava de energia nuclear. Israel, pelo seu lado, é um país aliado, mais precisamente um estado-cliente. Por isso, herda do amo o direito a fazer o que quer.

A IAEA possui a autoridade, contudo os Estados Unidos nunca permitiriam que a exerça. A nova administração dos Estados Unidos não tem dado provas de nenhuma alteração nesse sentido". (10)

As manipulações persistem, apesar das declarações de Mohamed el-Baradei, confirmando que o Irão tem de forma responsável respondido às preocupações da Agência Internacional de Energia Atómica, o que significa que a semente de tempestade pode ainda vir a germinar, ampliando o espectro das "guerras em cadeia" no Médio Oriente. (11)

Martinho Júnior - 9 de Outubro de 2009

Notas:
- (1) – Mirror – Truth or dare for MPs – http://www.mirror.co.uk/news/columnists/routledge/2002/04/12/truth-or-dare-for-mps-115875-11781259/
- (2) – Global Research – Origins of the American Empire: Revolution, World Wars and World Order – Andrew Gavin Marshall – http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=14552 ; Global Research – Forging a "New World Order" Under a One World Government – Andrew Gavin Marshall – http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=14712 ; Global Research – World depression: regional wars and the decline of US empire – James Petras – http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=12955
- (3) – Sinpermizo – Razones ocultas para recursos ocultos – Judy Cannon – http://www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=2717 ;
- (4) – Truthtout – A ocupação estado-unidense do Iraque não diminuiu o mínimo – Dahr Jamail –
www.truthout.org/070609J ; WSWS - Seis anos de guerra de Washington contra o Iraque – www.wsws.org/articles/2009/mar2009/pers-m20.shtml
- (5) – Rádio 36 – Afeganistán, una guerra sin fim y sin posibilidades de ganar – James Petras – http://www.radio36.com.uy/ ; Público – Afeganistán: por qué nos mienten? – Nazanin Amirian – http://blogs.publico.es/elmapadelmundo/392/%C2%BFpor-que-nos-mienten/ ; Peace Repórter – O que há por detrás da guerra do Afeganistão? – Enrico Piovesana – http://it.peacereporter.net/stampa/18036
- (6) – Controvérsia – O Irã no centro do mundo – Osvaldo Coggiola – http://blog.controversia.com.br/2009/08/24/o-ir-no-centro-do-mundo/
- (7) – Global Research – Israel ready to launch a military offensive against Iran – Lech Biegalski – http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=12307
- (8) – Réseau Voltaire – L’Iran dans le colimateur des Dauphins – Manlio Dinuchi – http://www.voltairenet.org/article161081.html
- (9) – New Statesman – O jogo da mentira: tambores de Guerra contra o Irão – John Pilger –
www.newstatesman.com/international-politics/2009/10/iran-nuclear-pilger-obama
- (10) – Foreign Policy Journal – O Irão é demasiado independente e desobediente – Noam Chomski – http://www.foreignpolicyjournal.com/2009/04/20/iran-is-too-independent-and-disobedient-chomsky/
- (11) – IRNA – Mohamed el-Baradei la coopération entre l’Iran et la AIEA est bonne – http://www2.irna.ir/fr/news/view/line-96/0910058428092648.htm

NOTA FINAL:

Portugal, que se tornou vulnerável na União Europeia e tem de se sujeitar ao "diktat" de Bruxelas, está à procura de, pela via da sua balança comercial com os países do Sul, encontrar compensações que contribuam para diminuir os efeitos da "crise".

De entre os países com quem tem estabelecido nexos nesse sentido está o Irão (Portugal é um dos países europeus com melhores relações com o Irão).

Preso pela NATO e preso por Bruxelas, Portugal corre o risco, caso as tensões com o Irão evoluam para a guerra, de ficar sem alternativas e se ver obrigado a "alinhar" com os interesses que lhe são "contra natura".

Ao se afirmar PAZ SIM, NATO NÃO, toca-se nessa ferida: entre um Portugal "alinhado" na guerra que se prepara contra o Irão, prefere-se sem dúvida o Portugal que procura bons relacionamentos com o Irão, comerciais, culturais e históricos!

Também aqui se poderá optar entre a Civilização ou a Barbárie!
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