domingo, 16 de janeiro de 2011

DIPLOMÁTICAS CERIMÓNIAS

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MARTINHO JÚNIOR

O Presidente José Eduardo dos Santos, no tradicional discurso de apresentação de cumprimentos de Ano Novo ao Corpo Diplomático, sintetizou a posição oficial de Angola em relação à situação corrente no estado da Costa de Marfim, em plena crise post eleitoral.

A intervenção do Presidente Angolano distingue-se pela tónica com sentido de diálogo, quando muitos apologistas da ingerência na Costa do Marfim pretendem fazer uso da força para favorecer a corrente liderada por Ouattara.

Eis o excerto da declaração do Presidente Angolano sobre o contexto Africano: (1)

“Congratulamo-nos com os processos de estabilização em curso nalguns países que antes conheceram a guerra, como a Etiópia, Moçambique, Congo-Brazzaville, Angola, entre outros, pois eles representam a esperança de milhões de pessoas num futuro melhor.

Exprimimos, no entanto, a nossa apreensão quando são propostas soluções militares para resolver crises como a da Côte-d'Ivoire, ignorando as normas do Direito interno e internacional e, por vezes, a própria evidência dos factos.

Os factos dizem-nos concretamente o seguinte:

1º - O Presidente da Comissão Eleitoral divulgou os resultados da segunda volta da eleição presidencial quando já não tinha competência para o fazer, uma vez que o prazo para o efeito definido por lei estava ultrapassado e que o processo tinha passado, para o devido tratamento, para o Conselho Constitucional;

2°- O representante das Nações Unidas na Côte-d'Ivoire, numa atitude precipitada, certificou e anunciou esses resultados, quando a resolução pertinente das Nações Unidas refere que a certificação deve incidir sobre os resultados eleitorais validados pelo Conselho Constitucional, que ainda não se havia pronunciado;

3°- Essa declaração do representante das Nações Unidas induziu em erro toda a Comunidade Internacional, porque o Conselho Constitucional não validou os resultados provisórios divulgados pelo Presidente da Comissão Eleitoral, por ter aceite as reclamações e queixas de irregularidades e fraude graves que punham em causa esses resultados;

4°- O Conselho Constitucional é, na verdade, o único órgão com competência legal para validar e publicar os resultados finais das eleições;

5°- Nos termos da lei, o Conselho Constitucional deveria recomendar a realização de novas eleições no prazo de 45 dias, mas assim não procedeu e divulgou resultados que davam vitória a outro candidato.

Apreciados estes factos, é difícil para Angola aceitar que há um Presidente eleito na Côte-d'Ivoire.

Consideramos, no entanto, que há um Presidente Constitucional, que é o actual Presidente da República, o qual se deve manter até à realização de novas eleições, como estabelece a lei eleitoral desse país.

A dificuldade maior agora é que os 45 dias já não são suficientes para criar o clima propício e a actual situação de crise complica ainda mais este quadro.

Somos, portanto, da opinião que qualquer intervenção militar, no caso particular da Côte-d'Ivoire, teria um efeito perverso, com consequências gravosas para além das suas fronteiras.

O Executivo angolano apoia e encoraja o diálogo e a negociação para a saída da crise neste país irmão e acredita que fazendo-se prova de vontade política, realismo e sensatez é possível encontrar-se uma solução que coloque acima de tudo os legítimos interesses de todo o povo da Côte-d'Ivoire”.

As elites políticas Africanas e extra continentais, pela voz da sua diplomacia, reagiram duma maneira geral de forma favorável ao discurso do Presidente José Eduardo dos Santos.

Há uma relativa aproximação de pontos de vista no que toca à Costa do Marfim por exemplo, dos Estados Unidos e da Rússia, se atendermos aos pronunciamentos de diplomatas seus. (2)

Como é lógico, não terá sido recolhida a opinião da França que tem muitos interesses na costa ocidental africana e uma corrente de ingerências nela e na Costa do Marfim.

A nível interno, o Presidente Samakuva da UNITA apoia o diálogo, segundo a ANGOP: (3)

“O presidente da Unita, Isaías Samakuva, manifestou hoje, sexta-feira, o seu acordo com o pronunciamento do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, sobre a situação da Côte d'Ivoire que privilegia o diálogo.

Em declarações à imprensa, à margem da nona reunião do Comité Permanente da Comissão Política da Unita, Isaías Samakuva referiu que está de acordo com o chefe de Estado angolano quando afirma que a forma mais indicada de resolver os conflitos e sair da crise é passar pelo diálogo.

Segundo o político, a solução do conflito da Côte d'Ivoire deve de facto resultar das forças envolvidas sobretudo os estados da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que se encontram na região, a União Africana e as Nações Unidas.

Opinou que a Côte d'Ivoire deve cooperar com as decisões destas organizações internacionais com o intuito de encontrar uma saída pacífica da crise”.

Argumentos mais contraditórios contudo foram formulados num pequeno site que se debruça sobre assuntos de Angola; ressalto este: (4)

“Para o docente universitário e especialista em Relações Internacionais, Peter Feijó, a posição de Angola devia estar voltada para os interesses democráticos, salvaguardando a sua imparcialidade neste conflito político.

Na sua opinião, a relação de amizade entre Laurent Ghagbo e Eduardo dos Santos terá falado mais alto na posição manifestada pelo presidente da República de Angola.

Peter Feijó lembrou que Alassane Outtara foi um dos líderes africanos que prestou apoio total a UNITA, maior partido da oposição em Angola, durante os conflitos armados.

Angola terá sido acusada nos finais do ano passado de ter enviado mercenários em Abidjan para defesa do presidente cessante da costa do Marfim, uma afirmação que foi categoricamente desmentida pelo executivo angolano”.

Em todos os casos é importante sublinhar o seguinte:

No discurso e nas intervenções recolhidas a propósito do discurso do Presidente da República Angolano existem apenas referências directas muito ténues em relação aos povos africanos, aos seus interesses, às questões que se prendem com a migração (um assunto que merece muito mais atenção em África do que aquele que está a ser dado e a Costa do Marfim é um dos exemplos), às questões que se prendem com os esforços no que diz respeito à saúde, à educação, à habitação, no combate à pobreza, como à luta pelo desenvolvimento sustentável, ou à luta contra o subdesenvolvimento, ou o acesso à água potável…

As elites políticas e económicas africanas, tal como as dos seus parceiros internacionais, denunciam na sua esmagadora maioria a sua “posição” de poder à frente dos estados que preenchem o continente, tal como à frente da esmagadora maioria dos estados de outros continentes: estão agarrados aos processos formais que dizem respeito aos avanços ou recuos da instituída democracia representativa de acordo com o modelo particularmente vinculado à cultura “globalizadora” eminentemente anglo-saxónica e, ao não abrirem espaço para a atenção devida aos povos, fecham-se também para as alternativas.

Em termos de atenção política, diplomática e sociológica os povos, pelo menos em cerimónias de cerimónias diplomáticas em Angola, se tiveram alguma atenção tiveram-na da forma mais anémica e despercebida possível.

Esta conclusão interconecta-se a uma outra: para o ano de 2011 o fosso de desigualdades entre ricos e pobres em África vai continuar a acentuar-se e isso apesar do tão apregoado “crescimento” africano.

Martinho Júnior - 15 de Janeiro de 2011

Notas:
- (1) - Discurso do PR na cerimónia de apresentação de cumprimentos de ano novo pelo corpo diplomático –
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2011/0/2/Discurso-cerimonia-apresentacao-cumprimentos-ano-novo-pelo-corpo-diplomatico,e8b004e9-9491-41c6-99de-676aa3741864.html
- (2) – Diplomata americano defende diálogo para a resolução de conflitos em África – ANGOP –
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2011/0/2/Diplomata-americano-defende-dialogo-para-resolucao-conflitos-Africa,0b3f3f1f-f2bb-4472-921d-f437b75b62fd.html ; Diplomata russo aplaude discurso de José Eduardo dos Santos – ANGOP – http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2011/0/2/Diplomata-Russo-aplaude-discurso-Presidente-Jose-Eduardo-dos-Santos,0daa2824-0da6-41ea-9e76-69d8327c11ee.html
- (3) – Isaías Samakuva apoia pronunciamento do PR sobre a situação da Cote d’Ivoire – ANGOP –
http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2011/0/2/Isaias-Samakuva-apoia-pronunciamento-sobre-situacao-Cote-Ivoire,c8fd4c0b-5480-465f-801c-c490460c35e9.html
- (4) – Eduardo dos Santos criticado por apoio a Gbagbo A relação de amizade entre Laurent Gbagbo e Eduardo dos Santos terá falado mais alto na posição manifestada pelo presidente angolano –
http://lyhwaku.blogspot.com/
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