segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Protestos continuam na Tunísia e alcançam outros países árabes

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Membros da Caravana da Libertação, que chegou à capital da Tunísia

DEUTSCHE WELLE – 24 janeiro 2011

Manifestantes pedem renúncia do governo de transição tunisiano. Protestos contra governantes ocorrem também nas capitais da Argélia e do Iêmen. Liga Árabe alerta para expansão dos protestos para outros países árabes.

Manifestantes vindos de regiões rurais da Tunísia chegaram neste domingo (23/01) à capital do país para pedir a renúncia do governo de transição liderado pelo primeiro-ministro Mohamed Ghannouchi, empossado há menos de uma semana, após o fim do regime do ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali.

"O povo vem para fazer cair o governo", gritaram os participantes da chamada Caravana da Libertação, que partiu sábado do centro do país e é integrada principalmente por jovens. Em Túnis, eles receberam o apoio de manifestantes locais.

"Viemos de Menzel Bouzaiane, de Sidi Bouzib, de Regueb para derrubar os últimos restos da ditadura", explicou um dos participantes da caravana, citando as principais localidades onde começou o movimento que pôs fim ao governo de Ben Ali.

Governo de transição

Muitos tunisianos rejeitam o governo de transição porque ele inclui vários representantes do antigo regime, que ocupam postos-chave. Na sexta-feira, Ghannouchi assegurou, numa entrevista transmitida pela televisão, que a fase de transição será concluída com eleições democráticas e transparentes.

Ele disse ainda que deixará o poder após as eleições e que "determinadas leis antidemocráticas", introduzidas pelo antigo regime, serão postas de lado.

Neste domingo, mais de 5 mil manifestantes se reuniram em frente ao prédio ocupado pelo governo de transição, no centro de Túnis. Muitos exibiram fotos de pessoas que morreram durante os confrontos das últimas semanas.

A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, afirmou que a União Europeia vai ajudar a Tunísia na fase de transição para a democracia. "Isso inclui apoio para eleições, cooperação financeira e a promoção de uma Justiça independente", declarou ao jornal alemão Welt am Sonntag.

Segundo o governo de transição, também a secretária de Estado Hillary Clinton assegurou ajuda dos Estados Unidos à Tunísia neste final de semana.

Manifestações em outros países árabes

Influenciados pelos acontecimentos na Tunísia, centenas de manifestantes saíram neste sábado às ruas de Argel, capital da Argélia, para pedir mais democracia no país árabe. O protesto foi encerrado com violência pela polícia. Segundo o líder oposicionista Said Sadi, a ação policial deixou 42 manifestantes feridos. O governo fala em 19 feridos, incluindo oito policiais.

Cerca de 300 manifestantes se reuniram diante da sede do partido oposicionista RCD, de onde pretendiam iniciar uma marcha até o prédio do Parlamento. A intenção era protestar contra a repressão política por parte do governo. Alguns participantes exibiam bandeiras da Tunísia.

Um forte aparato policial impediu a marcha, que não havia sido autorizada pelas autoridades. Houve confronto entre os manifestantes e a polícia, que usou cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Segundo o governo, nove pessoas foram detidas.

Protesto contra governo, desemprego e aumento de preços

Também no Iêmen ocorreram protestos motivados pelos acontecimentos na Tunísia. No sábado, centenas de estudantes, ativistas e oposicionistas se reuniram em frente à universidade da capital Sana. Eles pediram a renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh, que está há 32 anos no poder.

Já na quarta-feira passada a Liga Árabe havia alertado para uma expansão dos protestos sociais na Tunísia para outros países árabes. A população está "irada e frustrada" como nunca antes, disse o secretário-geral Amr Mussa durante um encontro de cúpula no Egito.

Nos últimos dias, em diversos países árabes, a população saiu às ruas para protestar contra o governo, o desemprego e o aumento de preços. Além da Tunísia, Argélia e Iêmen, os protestos ocorreram também no Egito, Jordânia e Mauritânia.

AS/afp/dpa/dapd - Revisão: Carlos Albuquerque

Crise na Tunísia insta Europa a mudar política em relação a mundo árabe

DEUTSCHE WELLE – 21 janeiro 2011

Medo da União Europeia diante do avanço islâmico em países como Tunísia, Líbia e Egito levou o bloco a ignorar os direitos humanos e a tolerar regimes corruptos e violentos.

Em gravação atribuída a Osama Bin Laden e divulgada nesta sexta-feira (21/01) pela rede de TV árabe Al Jazeera, o líder da organização terrorista Al Qaeda exigiu a retirada das tropas francesas do Afeganistão como condição para a libertação de dois jornalistas franceses capturados possivelmente por rebeldes talibãs no nordeste do Afeganistão em dezembro de 2009.

Segundo a gravação divulgada pela Al Jazeera, Bin Laden teria dito que a atitude do presidente francês, Nicolas Sarkozy, implicaria "um preço muito alto para a França". A recusa de Sarkozy de retirar as tropas do Afeganistão seria o "resultado de sua obediência diante dos EUA, e tal recusa significa carta branca para matar os reféns".

No mesmo dia da divulgação da suposta gravação de Bin Laden, a ministra francesa de Relações Exteriores, Michèle Alliot-Marie, foi agredida por palestinos com ovos e sapatos em sua primeira visita à Faixa de Gaza. Um homem conseguiu bater várias vezes com o seu sapato no vidro do carro onde estava a ministra. Segundo observadores, Alliot-Marie não se deixou intimidar.

O motivo foram presumíveis críticas à organização radical islâmica Hamas, que exerce o poder na Faixa de Gaza, atribuídas erroneamente à política francesa pela mídia. Segundo testemunhas, os manifestantes seriam em sua maioria familiares de membros do Hamas, condenados a vários anos de prisão em Israel.

Know how francês

Enquanto o radicalismo islâmico levou países da União Europeia (UE) a apoiar a intervenção no Afeganistão e a, muitas vezes, criticar o Hamas, há muito que a UE teme que revoluções populares islamitas aconteçam em países mediterrâneos, preferindo apoiar uma estabilidade não democrática. O levante secular na Tunísia força agora a UE a repensar seu apoio a ditadores.

Nesse contexto, além de ovos, sapatos e ameaças, esta foi uma semana constrangedora para o governo francês. Ele foi obrigado a admitir que teria apostado na pessoa errada na Tunísia, onde levantes violentos terminaram no afastamento do presidente Zine El Abidine Ben Ali.

O foco da indignação se voltou justamente contra a ministra francesa do Exterior, Michèle Alliot-Marie, que oferecera publicamente a Ben Ali, três dias antes de ele fugir da Tunísia, "o know-how de renome mundial das forças de segurança francesas". Subsequentemente, a França lhe negou refúgio, e Ben Ali acabou sendo acolhido pela Arábia Saudita.

Revolução de Jasmim

A oferta moralmente duvidosa de Alliot-Marie indignou não somente opositores políticos, mas também membros do governo francês. Segundo a revista francesa Le canard enchaîné, o primeiro-ministro François Fillon disse que sua colega estaria "completamente louca", enquanto o presidente Nicolas Sarkozy reclamou que "estas são declarações que enfraquecem a posição francesa".

Em visita à Tunísia em 2008, no entanto, Sarkozy só tinha elogios para seu anfitrião. A Europa foi então levada a acreditar que Ben Ali havia mudado: "Atualmente, a liberdade está em expansão na Tunísia", disse então o diplomático presidente francês.

Alliot-Marie, por sua vez, defendeu sua oferta dizendo que "vamos ser honestos: nós todos – políticos, diplomatas, pesquisadores e jornalistas – fomos surpreendidos pela 'Revolução de Jasmim' [como ficou conhecido o protesto na Tunísia]".

Gafe fora de hora

Thomas Klau, chefe do escritório parisiense do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), está inclinado a perdoar a declaração da ministra francesa como "uma gafe fora de hora". Klau sublinhou que a oferta de Alliot-Marie representou apenas a posição do governo de Sarkozy antes da revolução.

Ele explica que tal posição não era defendida somente pela França, mas também por toda a UE e os EUA: "Eu acho que o consenso velado na UE era que, no mundo árabe, seria melhor ter um regime autoritário do que uma democracia potencialmente instável".

Outros ministros do Exterior foram mais espertos em se adaptarem rapidamente à mudança de situação na Tunísia, deixando Alliot-Marie ser a única a revelar o viés antidemocrático europeu nos Estados árabes.

Tendência em potencial

Alguns especialistas compararam a política europeia para os países árabes com a política externa dos EUA na América Central nos anos 1970 e 1980, quando movimentos democráticos foram reprimidos em prol de estáveis ditadores anticomunistas. Assim, o medo da UE diante do crescimento islâmico em países como Tunísia, Líbia e Egito levou o bloco a ignorar os direitos humanos e a apoiar regimes corruptos e sangrentos.

Mas a queda de Ben Ali mudou o jogo. "Isso confronta a UE com uma nova situação", ressalta Klau. "Ela terá de desenvolver um novo conjunto de respostas, porque a antiga linha não é mais boa o suficiente."

Para o especialista do escritório londrino do ECFR, Bem Judah, foi a natureza secular da revolução tunisiana que surpreendeu os europeus. "Nós esperávamos revoluções em alguns desses países, mas quando isso aconteceu não foi uma revolução comandada por radicais islâmicos", explicou Judah. "Ela foi levada à frente por pessoas jovens, seculares e educadas, que queriam vistos e melhores oportunidades de empregos".

Não é provável, todavia, que situações semelhantes se repitam no Egito e na Líbia, acredita o especialista. "A política no mundo árabe é local", disse Klau. "Mas, por outro lado, a Tunísia servirá certamente de inspiração para outros na região. Não deverá ser o caso de um efeito dominó, mas de uma tendência em potencial que irá se materializar em alguns país e, em outros, não."

Autor: Ben Knight / Carlos Albuquerque - Revisão: Roselaine Wandscheer
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