domingo, 23 de janeiro de 2011

Portugal - Reportagem: DEUS, PÁTRIA, AUTORIDADE E DESCONTENTAMENTO

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PAULA TORRES DE CARVALHO – Público – 23 janeiro 2011 – 18:30

Um padre e um ministro que apelam ao dever do voto, um "bem inestimável". Um polícia que não pode falar. E a revolta e a desconfiança de um jovem e de um sem abrigo, hoje, dia de eleger o Presidente da República.

“O povo vivia nas trevas e viu uma grande luz...” A voz do padre da Igreja de Santo Condestável, em Campo de Ourique, espalha-se no largo em frente através dos altifalantes colocados à porta. A missa das 11h00 já começou. Na rua, vê-se pouca gente, não há movimento. Mas a igreja está cheia e as pessoas continuam a entrar. Apressadas, agasalhadas, velhos e novos. Há radiadores acesos, um ambiente aquecido.

O padre agradece as 4658 fraldas, os 340 litros de azeite e os 984 litros de leite recolhidos numa campanha de ajuda para um lar de velhinhos das Irmãs de Campolide. “Um momento difícil para os pobres”, nota. É a primeira coisa que quer dizer aos crentes ali presentes.

A segunda, é sobre hoje, o dia das eleições. “O voto, como a Igreja sempre proclamou, é um direito e, na consciência, pode ser um dever”. Fala numa voz pausada e cantada. “É uma expressão de cidadania porque senão perdemos o total direito de protestar, de lamentar os acontecimentos”. Apela à responsabilidade. “Nós cristãos, temos um lugar muito importante na sociedade (...) e temos de manifestar a nossa vontade através do voto consciente e responsável”. Lembra a importância de “lutar pela liberdade, pela justiça, pela fraternidade e pelo bem comum” E pede: “Que este domingo nos ajude a estar mais atentos como cristãos”.

A curta distância, o Jardim da Estrela está praticamente deserto. Junto ao parque infantil, vazio, há um pequeno quiosque onde se servem cafés, ainda sem clientes. Marco, de 25 anos, “toma conta” do estabelecimento. “Não voto. É uma forma de protesto”, diz. Critica “aquilo que os políticos estão a fazer ao país” e diz: “Não acredito em nenhum”.

Natural de Castelo Branco, Marco tem 25 anos e o 12º ano na área de informática. Veio para Lisboa para tentar melhorar a vida mas só arranjou trabalho no quiosque onde ganha menos de 300 euros. “Os políticos só querem dinheiro, mais nada. A mim, só me roubam”, afirma. “Os meus direitos são os recibos verdes, férias não mas pagam.”

Marco continua à procura de emprego mas “muito preocupado”, diz. “Tenho 25 anos e ainda estou totalmente dependente da minha família. Basta olhar para mim para ver como está o país.”

“O direito de votar foi conquistado, não foi adquirido. Foi a conquista de uma civilização” lembra Rui Pereira, ministro da Administração Interna que supervisiona o acto eleitoral. Recorda-se bem das primeiras eleições em que participou, em 1975, tinha então 18 anos e salienta que votar “é um bem inestimável”. Por isso, Rui Pereira faz questão em apelar a todos os cidadãos para “não deixarem de exercer o seu direito” que é um direito “da maior importância”.

“Sem abrigo mas bem formado”

Francisco Grácio, de 60 anos, votou logo às 8h00 da manhã “numa mesa das Mercês”. Agora está sentado um banco, no Jardim da Estrela, a preparar-se para comer uma alheira. “Sou sem abrigo, mas bem formado”, diz. Nasceu na Amareleja, no Alentejo, trabalhou na Setenave e, depois, em muitas outras coisas. Agora, é sem abrigo. Dorme “onde calha”, “anda por aí” mas é “bem formado”, insiste. E vota. “No Alegre, não me importa de dizer, por descargo de consciência”. Não por que acredite que as “coisas vão mudar” mas “é um voto de protesto”, explica. “Mas não tenho esperança que isto mude, são todos uns corruptos. E eu, só necessito que me dêem aquilo a que tenho direito”.

O taxista Alfredo Cravo, de 58 anos, também votou logo cedo, antes de pegar ao trabalho. “Votei e de forma convincente. Não quero trabalho à segunda volta”, diz. É o “desemprego” que mais o preocupa na crise que também atinge os táxis, aos quais se dedica já há 25 anos. “Acho que o meu voto vai ajudar a melhorar, sim”.

Na 24ª esquadra, em Santo Condestável, o graduado de serviço não se importaria de falar sobre a importância das eleições, mas nunca sem autorização superior. “Não é má vontade, mas são as regras”, explica.

Também o bombeiro, de 48 anos, natural de Penamacor, acederia a falar se tivesse autorização. Assim, sem querer dizer o nome nem a que corporação pertence, limita-se afirmar que votou logo às 8h00 da manha e que acha que a “situação vai mudar”. De resto, prefere não dizer mais nada para não desrespeitar a autoridade.

- ESPECIAL ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS no Público .
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