LUÍS FERNANDO – O PAÍS (angola) 07 fevereiro 2011
Se hoje temos uma bandeira, um hino, Bilhete de Identidade, passaporte e, sobretudo, liberdade para podermos decidir sobre aquilo que julgamos melhor para a nossa terra, é porque existiu um dia que sintetizou, como nenhum outro momento, a revolta dos angolanos contra séculos de subjugação colonial.
Sábado, 4 de Fevereiro de 1961, é esse dia do calendário. Definitivamente feito marco da História. E que hoje, 4 de Fevereiro de 2011, vê o tempo fechar o seu primeiro meio século.
Foi a noite das catanas, o dia em que valentes filhos de Angola, agarrados mais do que a ferramentas bélicas a um ideal de redenção e resgate, atacaram em Luanda símbolos do poder colonial repressivo, designadamente prisões e quartéis. Uma acção preparada no rigor da clandestinidade, protegida pelo breu da madrugada e que marcava, como ferro em brasa sobre a mula, o anúncio de um novo tempo e uma nova estratégia, diferente dos movimentos dispersos de resistência do passado, mas agora sob liderança de uma força política estruturada, no caso o MPLA.
Marco da História
Começou ali, “no dia em que a terra tremeu” – como dizia a canção mobilizadora em kimbundu entoada pelos guerrilheiros trajados de preto – a nova fase de luta, com recurso a armas, rudimentares primeiro mas, com os anos de consolidação da epopeia, melhoradas em capacidade de fogo e poderio.
O grito de revolta foi escolhido para aquele período específico devido a circunstâncias interpretadas como favoráveis porque Luanda estava apinhada de jornalistas, chegados de toda a parte, por circular a versão de que a cidade seria o destino do paquete Santa Maria desviado em alto mar pelo anti-fascita português Henrique Galvão.
Catorze duros anos seguiram-se àquela noite de valentia, no combate desigual contra o exército colonial. Muita coragem e sacrifício, sobretudo muita fé no desfecho vitorioso da luta guerrilheira, deram corpo à gestaheróica dos angolanos até contribuir, de modo decisivo, para a implosão política do Estado Novo, na Revolução primaveril dos Cravos de 1974, no coração da velha Metrópole.
Cinquenta anos depois do 4 de Fevereiro de 1961 afinal a génese remota da derrocada do colonialismo português em Angola, com o esforço aliado de muitos outros vectores quer na antiga província ultramarina como noutros lugares, com peso fundamental a guerra da Guiné – o percurso é genericamente conhecido de todos. Pelos manuais de História que adensam o saber das novas gerações, mas também pelo privilégio da vivência presencial de muitos dos cidadãos que formam a população angolana. De resto, continuam no seio dela muitos dos heróis de Fevereiro e dos tempos posteriores do maquis, a rota épica que conduziu a lugares como ex-Leopoldville, Brazzaville, Dolisie, Maiombe, chanas do Leste, Serra da Cananga, Pedra do Feitiço, Nova Caipemba, Nambuangongo...
Porventura, não será de tão amplo conhecimento das novas e velhas gerações de angolanos os pormenores da reacção portuguesa ao episódio de 4 de Fevereiro, em Luanda. O PAÍS recuperou dos arquivos da imprensa da época (jornal “A Província de Angola”) os textos essenciais que revelam como as autoridades lidaram com o surpreendente virar de página na colónia de Angola. Ou seja, o 4 de Fevereiro de 1961 não a partir do olhar dos protagonistas.
Os factos no jornal A Província de Angola
Distúrbios reprimidos pelas autoridades
Esta madrugada,aproveitando-seda noite, alguns indivíduos provocaram distúrbios em certa área da cidade, obrigando à intervenção das autoridades policiais.
A ordem já se encontra restabelecida, depois de terem sido feitas algumas prisões.
Houve também alguns feridos que deram entrada no hospital. Alguns dos assaltantes puseram-se em fuga ante a rápida intervenção das autoridades.
Texto publicado na página 4 da edição número 11.001, de 4 de Fevereiro de 1961. Director do jornal, António Correia de Freitas.
O Carnaval
Luanda fervilhava no sábado dos ataques dos combatentes do 4 de Fevereiro com a expectativa de uma noite animada de Carnaval. A notícia foi mantida pelo jornal na mesma edição em que seestampavaainformaçãosobreos “distúrbios”, num esforço, pelos vistos, de se aparentar absoluta normalidade numa cidade tomada, em definitivo, pelo gérmen da guerra.
Ei-la, textual:
Hoje à noite, na sede do Sporting, será levada a efeito a anunciada festa de Carnaval promovida pelo apreciado Conjunto Garda, a quem compete a animação.
Sem dúvida que esta festa há-de constituir mais um êxito quer para o Sportingquerparaaqueleaplaudido grupo musical.
*In A Província de Angola, edição de 4 de Fevereiro de 1961
Nota oficiosa do Governo Geral de Angola
A propósito dos incidentes ocorridos na madrugada de ontem, nesta cidade, a que fizemos referência, o Governo Geral de Angola distribuiu pela Imprensa e pela Rádio, a seguinte nota oficiosa:
“O Governo Geral de Angola tem recebido, nestes últimos dias, informações vindas do estrangeiro, dizendo que se preparava alteração da ordem pública em Angola. Nestas informações insistia-se em que se tratava dum plano de agitação organizado de fora para dentro e coincidindo com o assalto ao “Santa Maria”.
Efectivamente, durante a noite passada,trêsgruposdeindivíduos armados perpetraram assaltar a Casa da Reclusão Militar, o Quartel da Companhia Móvel da Polícia de Segurança
Pública e as cadeias civis, tendo havido baixas, tanto nas guarnições destes estabelecimentos, como nos assaltantes, baixas cujo número pouco elevado será publicado logo que seja averiguado. A intenção, ao que se depreende, era libertar presos, o que não conseguiram. Os responsáveis estão já presos na sua maioria e a ordem está restabelecida”.
**In A Província de Angola número 11.002, de 5 de Fevereiro de 1961, domingo.
Se hoje temos uma bandeira, um hino, Bilhete de Identidade, passaporte e, sobretudo, liberdade para podermos decidir sobre aquilo que julgamos melhor para a nossa terra, é porque existiu um dia que sintetizou, como nenhum outro momento, a revolta dos angolanos contra séculos de subjugação colonial.
Sábado, 4 de Fevereiro de 1961, é esse dia do calendário. Definitivamente feito marco da História. E que hoje, 4 de Fevereiro de 2011, vê o tempo fechar o seu primeiro meio século.
Foi a noite das catanas, o dia em que valentes filhos de Angola, agarrados mais do que a ferramentas bélicas a um ideal de redenção e resgate, atacaram em Luanda símbolos do poder colonial repressivo, designadamente prisões e quartéis. Uma acção preparada no rigor da clandestinidade, protegida pelo breu da madrugada e que marcava, como ferro em brasa sobre a mula, o anúncio de um novo tempo e uma nova estratégia, diferente dos movimentos dispersos de resistência do passado, mas agora sob liderança de uma força política estruturada, no caso o MPLA.
Marco da História
Começou ali, “no dia em que a terra tremeu” – como dizia a canção mobilizadora em kimbundu entoada pelos guerrilheiros trajados de preto – a nova fase de luta, com recurso a armas, rudimentares primeiro mas, com os anos de consolidação da epopeia, melhoradas em capacidade de fogo e poderio.
O grito de revolta foi escolhido para aquele período específico devido a circunstâncias interpretadas como favoráveis porque Luanda estava apinhada de jornalistas, chegados de toda a parte, por circular a versão de que a cidade seria o destino do paquete Santa Maria desviado em alto mar pelo anti-fascita português Henrique Galvão.
Catorze duros anos seguiram-se àquela noite de valentia, no combate desigual contra o exército colonial. Muita coragem e sacrifício, sobretudo muita fé no desfecho vitorioso da luta guerrilheira, deram corpo à gestaheróica dos angolanos até contribuir, de modo decisivo, para a implosão política do Estado Novo, na Revolução primaveril dos Cravos de 1974, no coração da velha Metrópole.
Cinquenta anos depois do 4 de Fevereiro de 1961 afinal a génese remota da derrocada do colonialismo português em Angola, com o esforço aliado de muitos outros vectores quer na antiga província ultramarina como noutros lugares, com peso fundamental a guerra da Guiné – o percurso é genericamente conhecido de todos. Pelos manuais de História que adensam o saber das novas gerações, mas também pelo privilégio da vivência presencial de muitos dos cidadãos que formam a população angolana. De resto, continuam no seio dela muitos dos heróis de Fevereiro e dos tempos posteriores do maquis, a rota épica que conduziu a lugares como ex-Leopoldville, Brazzaville, Dolisie, Maiombe, chanas do Leste, Serra da Cananga, Pedra do Feitiço, Nova Caipemba, Nambuangongo...
Porventura, não será de tão amplo conhecimento das novas e velhas gerações de angolanos os pormenores da reacção portuguesa ao episódio de 4 de Fevereiro, em Luanda. O PAÍS recuperou dos arquivos da imprensa da época (jornal “A Província de Angola”) os textos essenciais que revelam como as autoridades lidaram com o surpreendente virar de página na colónia de Angola. Ou seja, o 4 de Fevereiro de 1961 não a partir do olhar dos protagonistas.
Os factos no jornal A Província de Angola
Distúrbios reprimidos pelas autoridades
Esta madrugada,aproveitando-seda noite, alguns indivíduos provocaram distúrbios em certa área da cidade, obrigando à intervenção das autoridades policiais.
A ordem já se encontra restabelecida, depois de terem sido feitas algumas prisões.
Houve também alguns feridos que deram entrada no hospital. Alguns dos assaltantes puseram-se em fuga ante a rápida intervenção das autoridades.
Texto publicado na página 4 da edição número 11.001, de 4 de Fevereiro de 1961. Director do jornal, António Correia de Freitas.
O Carnaval
Luanda fervilhava no sábado dos ataques dos combatentes do 4 de Fevereiro com a expectativa de uma noite animada de Carnaval. A notícia foi mantida pelo jornal na mesma edição em que seestampavaainformaçãosobreos “distúrbios”, num esforço, pelos vistos, de se aparentar absoluta normalidade numa cidade tomada, em definitivo, pelo gérmen da guerra.
Ei-la, textual:
Hoje à noite, na sede do Sporting, será levada a efeito a anunciada festa de Carnaval promovida pelo apreciado Conjunto Garda, a quem compete a animação.
Sem dúvida que esta festa há-de constituir mais um êxito quer para o Sportingquerparaaqueleaplaudido grupo musical.
*In A Província de Angola, edição de 4 de Fevereiro de 1961
Nota oficiosa do Governo Geral de Angola
A propósito dos incidentes ocorridos na madrugada de ontem, nesta cidade, a que fizemos referência, o Governo Geral de Angola distribuiu pela Imprensa e pela Rádio, a seguinte nota oficiosa:
“O Governo Geral de Angola tem recebido, nestes últimos dias, informações vindas do estrangeiro, dizendo que se preparava alteração da ordem pública em Angola. Nestas informações insistia-se em que se tratava dum plano de agitação organizado de fora para dentro e coincidindo com o assalto ao “Santa Maria”.
Efectivamente, durante a noite passada,trêsgruposdeindivíduos armados perpetraram assaltar a Casa da Reclusão Militar, o Quartel da Companhia Móvel da Polícia de Segurança
Pública e as cadeias civis, tendo havido baixas, tanto nas guarnições destes estabelecimentos, como nos assaltantes, baixas cujo número pouco elevado será publicado logo que seja averiguado. A intenção, ao que se depreende, era libertar presos, o que não conseguiram. Os responsáveis estão já presos na sua maioria e a ordem está restabelecida”.
**In A Província de Angola número 11.002, de 5 de Fevereiro de 1961, domingo.
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