Uma revolução abortada ou a génese de uma revolução genuína?
Behzad Majdian [*] – Resistir Info
Milhões de pessoas no Egipto e por todo o Médio Oriente irromperam em alegria quando Omar Suleiman anunciou na sexta-feira que Hosni Mubarak havia renunciado.
Os militares egípcio decidiram expelir um ditador muito mal quisto pois isto dava azo à ameaça crescente do nascimento de uma revolução potencial nas ruas do Egipto. Se tivesse sido permitido que continuasse por mais uns poucos dias, o levantamento podia ter redundado numa revolução completa a qual potencialmente poderia destruir o estado egípcio. Para salvar o estado, os militares assumiram o comando e derrubaram o ditador teimoso. O ditador foi lançado borda a fora a fim de salvar a ditadura.
Mas como se pode explicar o júbilo do povo egípcio se aquilo que se verificou no Egipto foi na sua essência um golpe de estado militar? Uma resposta directa parece ser que a maioria dos egípcios pensa do exército como uma instituição nacional e uma força para o bem. Talvez ainda o vejam como o exército de Gamal Abdel Nasser. Contudo, há uma outra explicação possível para considerar um golpe militar como uma revolução. Os egípcios reduziram as expectativas do que uma revolução genuína poderia alcançar ao mero acto de expulsar Mubarak. Isto por sua vez poderia ser explicado por trinta anos de domínio brutal que destruíram estruturas organizacionais de grupos de oposição, encarcerando e eliminado líderes potenciais. O levantamento de dezoito dias no Egipto sofreu com a ausência de uma liderança forte e carismática. Também deixou de produzir uma no decorrer dos acontecimentos. O levantamento também foi carente de formas organizacionais vastas e efectivas.
Segundo todas as indicações, o que aconteceu parece ser um levantamento espontâneo daqueles que já não podiam aceitar mais a injustiça e a opressão do regime. O levantamento na Tunísia proporcionou a fagulha. E a desiludida juventude urbana tomou o facho e rapidamente difundiu-a à maior parte dos outros segmentos da sociedade egípcia. Trinta anos de cólera reprimida começaram a irromper. Foi tudo nas ruas para todo o mundo ver.
A euforia dos egípcios perdurará algum tempo pois continuam a celebrar a sua vitória. Enquanto isso, o exército egípcio e os seus parceiros estratégicos (as elites económicos do Egipto, os EUA e Israel) darão um suspiro de alívio e congratular-se-ão por terem administrado com êxito a "crise". Um exame superficial da reacção dos media do Ocidente deixa muito claro que as potências ocidentais e Israel sentem que ultrapassaram a primeira onda do que potencialmente podia ser um tsunami devastador. Os seus líderes permitem-se mesmo apresentar-se em actos de celebração, partilhando a sua alegria com os egípcios em relação à sua "revolução histórica" na qual o aparelho da ditadura foi poupado e a "transferência de poder" teve lugar de um modo "pacífico".
No seu discurso de sexta-feira, o presidente Obama tentou persuadir os egípcios com a insinuação de que os EUA sempre quiseram uma "democracia genuína" no Egipto e estavam satisfeitos por os egípcios irem finalmente obtê-la. Ele deu seu pleno apoio ao golpe militar ao louvar a "força moral da não-violência" na transferência do poder político no Egipto. Além disso, utilizando a metáfora da queda do Muro de Berlim, ele deu uma torção selvagem ao tentar estabelecer um paralelo entre o levantamento egípcio e as "revoluções" coloridas na Europa do Leste que produziram regime pró EUA e pró capitalistas.
Realmente, um melhor paralelo aqui seriam as revoluções europeias de 1848, as quais apresentavam aspirações democráticas e igualitárias.
E agora? O que acontecerá a seguir depende de duas coisas. A primeira tem a ver com o modo como o exército egípcio e os seus parceiros estratégicos se comportarão ao tentar domar a energia democrática desencadeada pelas massas egípcias – especialmente o fervor revolucionário da juventude que parece estar a radicalizar-se rapidamente. A segunda é maneira a juventude revolucionária e as forças nacionalistas-islamicas reagirão aos esforços militares para dispersar as multidões e restabelecer o estado de coisas habitual.
O cenário ideal para o exército e seus aliados seria que as coisas retornassem rapidamente ao "normal", efectuar algumas mudanças cosméticas na estrutura de poder, suspender partes das leis do estado de emergência e planear eleições dentro de mais ou menos um ano nas quais os "moderados" acabem por sair vencedores. Se tudo correr bem, o poder económico continuará nas mãos das elites transnacionais do Egipto e o exército continuará a monitorar o poder político nos bastidores. Se o plano funcionar, os EUA continuarão a financiar o regime e exercer influência sobre ele e Israel sentir-se-á seguro outra vez. Para que este cenário funcione, é essencial que o povo egípcio actue submissamente. Com base no que vimos nas ruas egípcias nos últimos dias, pode-se dizer com certeza que o povo egípcio resistirá ao exército. Este cenário parece ser nada mais que um castelo no ar.
O cenário real poderia ser um dos três seguintes:
Primeiro cenário. Ao retornar as coisas aos normal e ao preparar as prometidas reformas e eleições, o exército actuará de acordo com os seus próprios interesses. Esforçar-se-á por proteger o seu poder político e os seus interesses económicos arraigados que estão entrelaçados aos dos super-ricos do Egipto. O exército actuará então de acordo com o que é no essencial: uma organização cujos escalões de topo da liderança estão corrompidos pelas elites transnacionais egípcias e pelos dólares que vêem dos complexo industrial-militar americano e de Washington.
Dada a natureza do exército, parece altamente improvável que os egípcios obtenham as reformas democráticas que eles prometeram. Nem tão pouco obterão eleições justas e livres, simplesmente porque o exército, as elites económicas e os seus parceiros americanos e israelenses temem que "elementos radicais" varram eleições justas e livres. Para impedir este pesadelo de acontecer, estrategas da política americana partilharão sua perícia com a classe política egípcia, exército e forças de segurança. Todos eles esforçar-se-ão por conceber e conduzir as próximas eleições de maneira a que apareçam justas e livres e produzam vencedores "moderados". Serão tomados cuidados para assegurar que o plano é executado apenas com a quantidade certa de repressão e sem demasiado sangue.
Mas funcionará? Os problemas económicos do Egipto são vastos e estruturais. O capitalismo de compadrio e a corrupção estão profundamente arraigados na economia. Ao contrário do que os media ocidentais levam a acreditar, o descontentamento principal da esmagadora maioria dos egípcios não é a ditadura política ou a violação de direitos humanos e sim, basicamente a tirania da injustiça económica e da pobreza. A isto, dever-se-ia também acrescentar a simpatia dos maiores segmentos da população egípcia com a causa dos palestinos e a sua ira em relação ao governo do Egipto pelas suas relações estreitas e subservientes com os EUA e Israel. Em eleições justas e livres, candidatos que continuem agendas de elites transnacionais do Egipto e de seus aliados estado-unidenses e israelenses perderão para aqueles que prometerão justiça económica e independência política – e advogarão nacionalismo árabe, identidade islâmica e sentimentos pró palestinos.
Neste cenário, o povo egípcio resistirá ao exército e a qualquer forma civil de governo provisório que se possa formar durante o período de "transição". Se pressionando demasiado agressivamente, este cenário poderia disparar um segundo levantamento, o qual podia levar ou a uma ditadura brutal (talvez ainda mais brutal que a de Mubarak) ou a uma revolução genuína que possivelmente poderia deitar abaixo o sistema. E se isto se materializar, há uma boa oportunidade de que a revolução possa seguir um caminho semelhante à Revolução Iraniana de 1979, a qual finalmente retiraria o Egipto do bloco americano-israelense no Médio Oriente. Provavelmente a primeira resposta de Israel a um tal desenvolvimento seria emboscar o exército do Egipto a fim de destruir a sua força aérea e reocupar a Península de Sinai (1967 outra vez). Os EUA podem também juntar-se a Israel no ataque ao Egipto.
Agora o segundo cenário. Virá um novo roteiro de Washington, o qual incluirá uma nova estratégia de divisão e conquista que o Departamento de Estado e a "indústria da democracia" americana estabeleceram com as lições que aprenderam na Europa do Leste e no Iraque, assim como nas suas relações com a Autoridade Palestina. Será distribuído dinheiro entre certos elementos da oposição sob o disfarce de apoio à democracia. Isto incluirá os truques habituais do negócio: oferecer treino a activistas da democracia, proporcionar peritos de campanha, estratégias de campanha e seminários de liderança para vários grupos políticos e partidos, etc. Este serviços "bem intencionados" serão fornecidos por organizações como o the National Endowment for Democracy e a Freedom House, os quais são nomes bem conhecidos na indústria da democracia têm realizações comprovadas na ajuda à produção de "revoluções" amistosas para os EUA e em resultados eleitorais. (Há indicações de que a Freedom House já trabalha no Egipto)
Também será distribuído dinheiro encobertamente (subornos) a vários elementos na oposição e na sociedade em sentido amplo. O objectivo será transformar candidatos da oposição em "moderados" e criar divisões, lutas internas e desconfiança entre grupos da oposição e dentro da população egípcia em geral. Tudo isso ajudaria a corromper grupos e candidatos da oposição. Isto também pode ser utilizado para por em causa da legitimidade de eleições que acontecer produzirem resultados que fossem inaceitáveis para os EUA.
O dinheiro podia ser trazido para dentro do país ou sob programas com nomes capciosos tais como "Egypt Democracy Project" ou "Help Egypt Build Democracy", ou disfarçado como um pacote de "ajuda económica" destinado a ajudar a economia egípcia a recuperar-se. Também é possível que o Egipto obtivesse tanto um pacote "democracia" como um programa de "ajuda económica" [1] . O objectivo do pacote económico (talvez substancial) será efectuar um rápido impacto temporário nas vidas das pessoas. Suas possíveis formas incluem investimentos directos na economia e pequenos empréstimos aos egípcios médias. A esperança seria de que a ajuda daria frutos dentro de cerca de um ano – a tempo de melhorar a imagem dos EUA e seus aliados egípcios e ajudar "moderados" a ganharam as eleições. Podem pedir aos sauditas que contribuam com algo ou a maior parte da conta.
Se este roteiro for seguido, pode ter êxito em alguma medida por algum tempo. Não dará aos EUA e Israel o que eles realmente desejam: um fantoche estratégico estável e confiável no Egipto. No entanto, do seu ponto de vista, será preferível a uma genuína democracia no Egipto que seria claramente um perigo grave para os interesses estratégicos e hegemónicos dos EUA no Médio Oriente. Se o roteiro acabar por funcionar, significa que a revolução egípcio foi abortada. O resultados final será um Egipto que parecerá menos como a Turquia, o que alguns egípcio gostam de imaginar, e mais como o Iraque.
Finalmente o terceiro cenário. O exército e seus parceiros aplicarão estratégias planeadas os dois primeiros cenários simultaneamente a fim de maximizar oportunidades de êxito. Repressão, artimanhas democráticas e dinheiro juntarão forças para salvar a ditadura egípcia.
Os egípcios devem congratular-se por derrubar um ditador-fantoche brutal. O feito que alcançaram é verdadeiramente monumental. Contudo, não é suficiente. O desafio real está à frente. Precisam estar vigilantes pois serão testados em breve. A sua revolução apenas começou. Terão de escolher entre jogar o jogo que os EUA e Israel têm em mente para eles, por um lado, e destruir a maquinaria da ditadura egípcia e substituí-la por um sistema genuinamente democrático, por outro. Precisarão escolher entre uma revolução abortada, por um lado, e uma revolução democrática que lhes permitisse manter a sua dignidade restaurada e dar-lhe força política, igualdade económica e desenvolvimento social, por outro lado. Quanto neste momento histórico os egípcios estão a encarar as suas opções, os EUA e Israel estão a enfrentar o seu maior desafio na região das últimas décadas. Todo o Médio Oriente poderia explodir nas suas caras quando ditadores-fantoches da América – os chamados "moderados" – estiverem a enfrentar revoltas e possivelmente revoluções.
14/Fevereiro/2011
[1] Em 1975, no auge da Revolução Portuguesa, a Embaixada dos EUA, encabeçada por Frank Carlucci, começou a distribuir financiamentos para programas de habitação popular.
[*] behzamaj@gmail.com . Ver também "Obama, Iran, and Israel" (MRZine, 2 March 2009), do mesmo autor.
O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2011/majdian140211.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
.
Behzad Majdian [*] – Resistir Info
Milhões de pessoas no Egipto e por todo o Médio Oriente irromperam em alegria quando Omar Suleiman anunciou na sexta-feira que Hosni Mubarak havia renunciado.
Os militares egípcio decidiram expelir um ditador muito mal quisto pois isto dava azo à ameaça crescente do nascimento de uma revolução potencial nas ruas do Egipto. Se tivesse sido permitido que continuasse por mais uns poucos dias, o levantamento podia ter redundado numa revolução completa a qual potencialmente poderia destruir o estado egípcio. Para salvar o estado, os militares assumiram o comando e derrubaram o ditador teimoso. O ditador foi lançado borda a fora a fim de salvar a ditadura.
Mas como se pode explicar o júbilo do povo egípcio se aquilo que se verificou no Egipto foi na sua essência um golpe de estado militar? Uma resposta directa parece ser que a maioria dos egípcios pensa do exército como uma instituição nacional e uma força para o bem. Talvez ainda o vejam como o exército de Gamal Abdel Nasser. Contudo, há uma outra explicação possível para considerar um golpe militar como uma revolução. Os egípcios reduziram as expectativas do que uma revolução genuína poderia alcançar ao mero acto de expulsar Mubarak. Isto por sua vez poderia ser explicado por trinta anos de domínio brutal que destruíram estruturas organizacionais de grupos de oposição, encarcerando e eliminado líderes potenciais. O levantamento de dezoito dias no Egipto sofreu com a ausência de uma liderança forte e carismática. Também deixou de produzir uma no decorrer dos acontecimentos. O levantamento também foi carente de formas organizacionais vastas e efectivas.
Segundo todas as indicações, o que aconteceu parece ser um levantamento espontâneo daqueles que já não podiam aceitar mais a injustiça e a opressão do regime. O levantamento na Tunísia proporcionou a fagulha. E a desiludida juventude urbana tomou o facho e rapidamente difundiu-a à maior parte dos outros segmentos da sociedade egípcia. Trinta anos de cólera reprimida começaram a irromper. Foi tudo nas ruas para todo o mundo ver.
A euforia dos egípcios perdurará algum tempo pois continuam a celebrar a sua vitória. Enquanto isso, o exército egípcio e os seus parceiros estratégicos (as elites económicos do Egipto, os EUA e Israel) darão um suspiro de alívio e congratular-se-ão por terem administrado com êxito a "crise". Um exame superficial da reacção dos media do Ocidente deixa muito claro que as potências ocidentais e Israel sentem que ultrapassaram a primeira onda do que potencialmente podia ser um tsunami devastador. Os seus líderes permitem-se mesmo apresentar-se em actos de celebração, partilhando a sua alegria com os egípcios em relação à sua "revolução histórica" na qual o aparelho da ditadura foi poupado e a "transferência de poder" teve lugar de um modo "pacífico".
No seu discurso de sexta-feira, o presidente Obama tentou persuadir os egípcios com a insinuação de que os EUA sempre quiseram uma "democracia genuína" no Egipto e estavam satisfeitos por os egípcios irem finalmente obtê-la. Ele deu seu pleno apoio ao golpe militar ao louvar a "força moral da não-violência" na transferência do poder político no Egipto. Além disso, utilizando a metáfora da queda do Muro de Berlim, ele deu uma torção selvagem ao tentar estabelecer um paralelo entre o levantamento egípcio e as "revoluções" coloridas na Europa do Leste que produziram regime pró EUA e pró capitalistas.
Realmente, um melhor paralelo aqui seriam as revoluções europeias de 1848, as quais apresentavam aspirações democráticas e igualitárias.
E agora? O que acontecerá a seguir depende de duas coisas. A primeira tem a ver com o modo como o exército egípcio e os seus parceiros estratégicos se comportarão ao tentar domar a energia democrática desencadeada pelas massas egípcias – especialmente o fervor revolucionário da juventude que parece estar a radicalizar-se rapidamente. A segunda é maneira a juventude revolucionária e as forças nacionalistas-islamicas reagirão aos esforços militares para dispersar as multidões e restabelecer o estado de coisas habitual.
O cenário ideal para o exército e seus aliados seria que as coisas retornassem rapidamente ao "normal", efectuar algumas mudanças cosméticas na estrutura de poder, suspender partes das leis do estado de emergência e planear eleições dentro de mais ou menos um ano nas quais os "moderados" acabem por sair vencedores. Se tudo correr bem, o poder económico continuará nas mãos das elites transnacionais do Egipto e o exército continuará a monitorar o poder político nos bastidores. Se o plano funcionar, os EUA continuarão a financiar o regime e exercer influência sobre ele e Israel sentir-se-á seguro outra vez. Para que este cenário funcione, é essencial que o povo egípcio actue submissamente. Com base no que vimos nas ruas egípcias nos últimos dias, pode-se dizer com certeza que o povo egípcio resistirá ao exército. Este cenário parece ser nada mais que um castelo no ar.
O cenário real poderia ser um dos três seguintes:
Primeiro cenário. Ao retornar as coisas aos normal e ao preparar as prometidas reformas e eleições, o exército actuará de acordo com os seus próprios interesses. Esforçar-se-á por proteger o seu poder político e os seus interesses económicos arraigados que estão entrelaçados aos dos super-ricos do Egipto. O exército actuará então de acordo com o que é no essencial: uma organização cujos escalões de topo da liderança estão corrompidos pelas elites transnacionais egípcias e pelos dólares que vêem dos complexo industrial-militar americano e de Washington.
Dada a natureza do exército, parece altamente improvável que os egípcios obtenham as reformas democráticas que eles prometeram. Nem tão pouco obterão eleições justas e livres, simplesmente porque o exército, as elites económicas e os seus parceiros americanos e israelenses temem que "elementos radicais" varram eleições justas e livres. Para impedir este pesadelo de acontecer, estrategas da política americana partilharão sua perícia com a classe política egípcia, exército e forças de segurança. Todos eles esforçar-se-ão por conceber e conduzir as próximas eleições de maneira a que apareçam justas e livres e produzam vencedores "moderados". Serão tomados cuidados para assegurar que o plano é executado apenas com a quantidade certa de repressão e sem demasiado sangue.
Mas funcionará? Os problemas económicos do Egipto são vastos e estruturais. O capitalismo de compadrio e a corrupção estão profundamente arraigados na economia. Ao contrário do que os media ocidentais levam a acreditar, o descontentamento principal da esmagadora maioria dos egípcios não é a ditadura política ou a violação de direitos humanos e sim, basicamente a tirania da injustiça económica e da pobreza. A isto, dever-se-ia também acrescentar a simpatia dos maiores segmentos da população egípcia com a causa dos palestinos e a sua ira em relação ao governo do Egipto pelas suas relações estreitas e subservientes com os EUA e Israel. Em eleições justas e livres, candidatos que continuem agendas de elites transnacionais do Egipto e de seus aliados estado-unidenses e israelenses perderão para aqueles que prometerão justiça económica e independência política – e advogarão nacionalismo árabe, identidade islâmica e sentimentos pró palestinos.
Neste cenário, o povo egípcio resistirá ao exército e a qualquer forma civil de governo provisório que se possa formar durante o período de "transição". Se pressionando demasiado agressivamente, este cenário poderia disparar um segundo levantamento, o qual podia levar ou a uma ditadura brutal (talvez ainda mais brutal que a de Mubarak) ou a uma revolução genuína que possivelmente poderia deitar abaixo o sistema. E se isto se materializar, há uma boa oportunidade de que a revolução possa seguir um caminho semelhante à Revolução Iraniana de 1979, a qual finalmente retiraria o Egipto do bloco americano-israelense no Médio Oriente. Provavelmente a primeira resposta de Israel a um tal desenvolvimento seria emboscar o exército do Egipto a fim de destruir a sua força aérea e reocupar a Península de Sinai (1967 outra vez). Os EUA podem também juntar-se a Israel no ataque ao Egipto.
Agora o segundo cenário. Virá um novo roteiro de Washington, o qual incluirá uma nova estratégia de divisão e conquista que o Departamento de Estado e a "indústria da democracia" americana estabeleceram com as lições que aprenderam na Europa do Leste e no Iraque, assim como nas suas relações com a Autoridade Palestina. Será distribuído dinheiro entre certos elementos da oposição sob o disfarce de apoio à democracia. Isto incluirá os truques habituais do negócio: oferecer treino a activistas da democracia, proporcionar peritos de campanha, estratégias de campanha e seminários de liderança para vários grupos políticos e partidos, etc. Este serviços "bem intencionados" serão fornecidos por organizações como o the National Endowment for Democracy e a Freedom House, os quais são nomes bem conhecidos na indústria da democracia têm realizações comprovadas na ajuda à produção de "revoluções" amistosas para os EUA e em resultados eleitorais. (Há indicações de que a Freedom House já trabalha no Egipto)
Também será distribuído dinheiro encobertamente (subornos) a vários elementos na oposição e na sociedade em sentido amplo. O objectivo será transformar candidatos da oposição em "moderados" e criar divisões, lutas internas e desconfiança entre grupos da oposição e dentro da população egípcia em geral. Tudo isso ajudaria a corromper grupos e candidatos da oposição. Isto também pode ser utilizado para por em causa da legitimidade de eleições que acontecer produzirem resultados que fossem inaceitáveis para os EUA.
O dinheiro podia ser trazido para dentro do país ou sob programas com nomes capciosos tais como "Egypt Democracy Project" ou "Help Egypt Build Democracy", ou disfarçado como um pacote de "ajuda económica" destinado a ajudar a economia egípcia a recuperar-se. Também é possível que o Egipto obtivesse tanto um pacote "democracia" como um programa de "ajuda económica" [1] . O objectivo do pacote económico (talvez substancial) será efectuar um rápido impacto temporário nas vidas das pessoas. Suas possíveis formas incluem investimentos directos na economia e pequenos empréstimos aos egípcios médias. A esperança seria de que a ajuda daria frutos dentro de cerca de um ano – a tempo de melhorar a imagem dos EUA e seus aliados egípcios e ajudar "moderados" a ganharam as eleições. Podem pedir aos sauditas que contribuam com algo ou a maior parte da conta.
Se este roteiro for seguido, pode ter êxito em alguma medida por algum tempo. Não dará aos EUA e Israel o que eles realmente desejam: um fantoche estratégico estável e confiável no Egipto. No entanto, do seu ponto de vista, será preferível a uma genuína democracia no Egipto que seria claramente um perigo grave para os interesses estratégicos e hegemónicos dos EUA no Médio Oriente. Se o roteiro acabar por funcionar, significa que a revolução egípcio foi abortada. O resultados final será um Egipto que parecerá menos como a Turquia, o que alguns egípcio gostam de imaginar, e mais como o Iraque.
Finalmente o terceiro cenário. O exército e seus parceiros aplicarão estratégias planeadas os dois primeiros cenários simultaneamente a fim de maximizar oportunidades de êxito. Repressão, artimanhas democráticas e dinheiro juntarão forças para salvar a ditadura egípcia.
Os egípcios devem congratular-se por derrubar um ditador-fantoche brutal. O feito que alcançaram é verdadeiramente monumental. Contudo, não é suficiente. O desafio real está à frente. Precisam estar vigilantes pois serão testados em breve. A sua revolução apenas começou. Terão de escolher entre jogar o jogo que os EUA e Israel têm em mente para eles, por um lado, e destruir a maquinaria da ditadura egípcia e substituí-la por um sistema genuinamente democrático, por outro. Precisarão escolher entre uma revolução abortada, por um lado, e uma revolução democrática que lhes permitisse manter a sua dignidade restaurada e dar-lhe força política, igualdade económica e desenvolvimento social, por outro lado. Quanto neste momento histórico os egípcios estão a encarar as suas opções, os EUA e Israel estão a enfrentar o seu maior desafio na região das últimas décadas. Todo o Médio Oriente poderia explodir nas suas caras quando ditadores-fantoches da América – os chamados "moderados" – estiverem a enfrentar revoltas e possivelmente revoluções.
14/Fevereiro/2011
[1] Em 1975, no auge da Revolução Portuguesa, a Embaixada dos EUA, encabeçada por Frank Carlucci, começou a distribuir financiamentos para programas de habitação popular.
[*] behzamaj@gmail.com . Ver também "Obama, Iran, and Israel" (MRZine, 2 March 2009), do mesmo autor.
O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2011/majdian140211.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
.
Sem comentários:
Enviar um comentário