LAMIA OUALALOU, Marrocos - OPERA MUNDI
Alegria, esperança e algumas preocupações: estes são os sentimentos de muitos políticos árabes que torceram durante anos por mudanças na região, mesmo considerando a possibilidade de nunca presenciá-la.
É o caso do deputado marroquino Khalid Hariry, membro da União Socialista das Forças Populares (USFP), principal partido de esquerda do Marrocos, aliado eventual do governo, e também vice-presidente da comissão de finanças no parlamento daquele país. Para ele, é pouco provável que o Marrocos registre uma revolução comparável à da Tunísia e do Egito, pois a reivindicação pela queda do rei Mohamed VI não é o foco das frustrações.
Ele explica ao Opera Mundi as especificidades do caso marroquino, lembrando, ao mesmo tempo, de muitas semelhanças entre os países: pobreza, desemprego da juventude, corrupção das elites e forte desigualdade na distribuição de renda.
Hariry considera que uma democratização do mundo árabe não implica automaticamente em um tsunami islâmico. Ele cobra, porém, uma reforma rápida e profunda dos partidos políticos, especialmente de esquerda, para que voltem a canalizar as esperanças da população.
Como foram percebidas no Marrocos as quedas de Zine El Abidine Ben Ali na Tunísia e de Hosni Mubarak no Egito?
Há uma forte dimensão psicológica, uma sensação de orgulho e emoção. Os povos e países árabes finalmente conseguiram uma vitória. E que vitória! Durante décadas, só registramos derrotas, até acabamos as considerando como fatalidades.
E finalmente, em menos de um mês, dois grandes eventos, um após o outro, devolvem toda a esperança. Há também preocupações: será que eles vão conseguir organizar uma transição para a democracia? Em quanto tempo? A que custo? No Egito, o exército está ainda no poder. E quais serão os outros países da região que os seguirão?
O senhor esperava esta aceleração da história?
Ninguém aqui imaginou que fosse possível, inclusive eu. Aqueles que estiveram recentemente na Tunísia e no Egito falavam que a situação não podia continuar, que algo precisava mudar. Mas nunca imaginamos que pudesse ir tão rápido e tão longe, com a queda dos presidentes.
Qual foi a atitude da sociedade civil marroquina e dos partidos em relação aos acontecimentos nos dois países?
As revoluções provocaram certo desconforto entre os partidos políticos. Alguns apoiaram desde o inicio o desejo de mudança democrática, especialmente no caso da oposição, que são ao mesmo tempo de esquerda e islâmicos. Outros partidos foram pressionados pelos seus militantes, e manifestaram apoio, ainda que tardia e timidamente.
É o caso dos partidos de esquerda associados ao governo. Outros preferiram aguardar a posição oficial do Marrocos antes de falar: ou seja, o governo e a oposição de direita. Estas diferenças de posturas refletem o efeito de surpresa, mas também o grau de autonomia dos partidos em relação ao Executivo.
Na sociedade civil, diversas organizações de direitos humanos e anti-globalização, próximas da esquerda radical, se expressaram a favor das mudanças desde o início e fizeram manifestações, especialmente após a saída de Mubarak. Alguns responsáveis dos dois principais movimentos islâmicos também participaram destes eventos. É preciso não esquecer a efervescência que tomou conta da internet, ainda que seja difícil medir seu impacto real.
Muitos analistas asseguram que o Marrocos é mais calmo e estável, e que pode escapar da turbulência que ameaça os regimes árabes. Qual é sua percepção?
Temos que ser muito modestos com nossa capacidade de previsão. A crise econômica de 2008 e os eventos na Tunísia e Egito estão aqui para nos lembrar disso. Meu sentimento pessoal, porém, é que o Marrocos não deverá conhecer eventos semelhantes. Teremos manifestações relevantes com reivindicações bem específicas. Por exemplo: greves, protestos contra o desemprego, a corrupção e o alto custo de vida. Também teremos pedidos por reformas constitucionais e políticas, em defesa dos direitos humanos e pela liberdade de expressão.
A explicação normalmente aceita da "exceção marroquina" é que a monarquia é baseada na legitimidade religiosa – o rei é um descendente do profeta Maomé -, e que existe uma maior abertura democrática, como o fato de os partidos islâmicos poderem participar das eleições. O senhor concorda com esta leitura?
A legitimação religiosa da monarquia é importante, mas não é a única. Há também uma legitimidade histórica, constitucional, e até popular. As pessoas que questionam o sistema monárquico são uma minoria ínfima.
Entretanto, gostaria de precisar alguns aspectos da legitimidade religiosa. Há uma tendência no ocidente em vê-la negativamente. Não é o caso no Marrocos. A legitimidade foi destacada pelo rei para liderar uma das reformas mais progressistas nos últimos anos: a reforma do Código da Família, que é o estatuto das mulheres. Elas passaram a ter direitos equivalentes aos dos homens.
Foi assumindo o papel de “comandante dos crentes”, como o rei é tradicionalmente chamado, que ele apresentou e justificou esta reforma frente ao Parlamento. Estas mesmas medidas, apresentadas há alguns anos pelo governo sem a ajuda da legitimidade religiosa, foram rejeitadas por uma parte da sociedade marroquina, especialmente suas franjas mais conservadoras.
Foi também a legitimidade religiosa que apoiou a proibição do uso da religião na atividade político-partidária durante a elaboração da lei sobre os partidos políticos. Esta é uma medida muito progressista.
O que diferencia o Marrocos da Tunísia e do Egito e que os assemelha?
A contestação na Tunísia e no Egito é focada na rejeição aos chefes de Estado como símbolo das frustrações. Outra diferença é um grau maior de abertura. Mais importante ainda é a existência de instituições intermediárias entre o cidadão e o Poder Executivo: partidos políticos, parlamento, sindicatos, ONGs, mídia... Essas instituições, com todos os defeitos e limitações, são um espaço de liberdade e de expressão muito mais vivo.
Ainda assim, a dinâmica e a credibilidade de muitas dessas instituições está em declínio nos últimos anos. Os partidos não se renovaram. Seus líderes, idéias e programas não estão em sintonia com as necessidades da sociedade, especialmente os jovens. As alianças políticas não seguem uma lógica compreensível pelos eleitores. O Parlamento mal se impõe como ferramenta de controle do Executivo por falta de recursos e de vontade política.
A falta de liberdade de expressão também foi bastante criticada nos últimos anos.
É verdade, ela tem diminuído. A auto-censura, os interesses financeiros e ações judiciais do governo contra alguns jornais, contribuíram para esta redução. Os meios de comunicação públicos, especialmente a televisão, contribuem para o declínio da credibilidade. Eles oferecem pouco espaço para o debate político, uma cobertura seletiva muitas vezes preconceituosa da notícia, e incentivam os marroquinos a procurar outras fontes de informação, como internet e canais por satélites.
Mas a principal semelhança com seus vizinhos é a questão do desenvolvimento econômico e social: a pobreza elevada, as disparidades de renda, o desemprego dos jovens, especialmente aqueles que receberam educação secundária e superior pouco adaptadas às necessidades da economia, a degradação dos serviços públicos que afeta principalmente as classes pobre e média baixa.
A gestão econômica está enfraquecida, a corrupção desencoraja o investimento produtivo. Os pontos de semelhança são, infelizmente, numerosos.
Depois dos acontecimentos na Tunísia e no Egito, o senhor espera novas medidas de abertura do regime?
Junto com medidas econômicas e sociais, as reformas políticas são essenciais. Elas podem ser resumidas em duas ideias principais: reforçar o papel das instituições e dar mais credibilidade ao processo de formação delas. Diversos partidos propuseram reformas constitucionais e políticas. O problema é como fazer. A maior chance de sucesso no contexto marroquino parece ser consenso entre os diferentes atores. Espero que os recentes acontecimentos provoquem um entendimento em todos os níveis sobre a necessidade de acelerar o processo.
Os principais motivos para a revolta nos países árabes são políticos ou econômicos? Esta onda de protestos que corre o mundo árabe é diferente dos movimentos passados?
Eu não sei se o desejo de dignidade deve ser classificado como político, econômico ou social, mas acho que este é o principal motor da revolta. Há um limite do cidadão em aceitar humilhações políticas, econômicas ou sociais. Este limite foi ultrapassado na Tunísia e no Egito.
Estas frustrações já provocaram explosões sociais e políticas no passado. A diferença desta vez é que elas foram canalizadas e coordenadas por uma nova geração de militantes e ativistas. Jovens, fora dos partidos tradicionais, dominando técnicas de comunicação e de ativismo na internet, apoiados por meios não-tradicionais, como Facebook, ou a Al Jazeera.
Pela primeira vez, a justificativa usada pelos regimes autoritários – “não somos democráticos, mas somos a última fortaleza contra os islâmicos” - parece não funcionar. O senhor acha que esta estratégia do medo já é ultrapassada?
As situações são diferentes segundo os países. No Marrocos, uma parcela importante do movimento islâmico, o PJD (Partido Justiça e Desenvolvimento), integra o sistema político há quase 20 anos. Hoje, já tem prefeitos em algumas grandes cidades, e é a segunda força política no Parlamento desde as últimas eleições em 2007. Seus representantes têm evoluído bastante e, para muitos atores políticos, eles se tornaram adversários ou aliados como os outros. Não são mais infrequentaveis.
Outra parte do movimento islâmico ainda se recusa a reconhecer o sistema político, contestando suas fundações. Sua atividade é tolerada, mas ainda existe uma suspeita.
Como o senhor avalia a atitude dos países ocidentais frente à revolução na Tunísia, e no Egito?
É uma atitude oportunista. Eles perderam muita credibilidade na gestão das duas revoltas. Sobretudo a França, no caso da Tunísia, e os Estados Unidos, no caso do Egito. Ficou claro para a opinião pública de que os interesses desses países prevalecem sobre as declarações de princípio sobre democracia, liberdade e direitos humanos.
Na Tunísia, a única coisa que importava era o risco de chegada ao poder dos islâmicos. No Egito, além desse motivo, o que prevalece é a segurança de Israel.
As aspirações dos dois povos a uma dignidade, liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos passaram para segundo plano.
É preciso agora questionar as políticas dos países ocidentais em relação aos árabes. Da mesma forma, estes precisam reequilibrar suas relações externas políticas e econômicas, com uma forte orientação em direção aos países emergentes.
Qual é percepção das elites no Marrocos? Mais do lado da esperança ou do medo?
As elites não são homogêneas. Para muitos, há um sentimento de orgulho em relação ao que os tunisianos e egípcios fizeram. Mas há também preocupações. Medo de uma plena democratização que traria os islâmicos ao governo, com um impacto sobre a sociedade marroquina, sua abertura, a tolerância, o estatuto das mulheres. Medo também que as potências do dinheiro desnaturem totalmente o sistema democrático.
Finalmente, o medo natural da elite, de perder os privilégios econômicos e sociais, caso a democratização leve a uma melhor redistribuição da renda.
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Alegria, esperança e algumas preocupações: estes são os sentimentos de muitos políticos árabes que torceram durante anos por mudanças na região, mesmo considerando a possibilidade de nunca presenciá-la.
É o caso do deputado marroquino Khalid Hariry, membro da União Socialista das Forças Populares (USFP), principal partido de esquerda do Marrocos, aliado eventual do governo, e também vice-presidente da comissão de finanças no parlamento daquele país. Para ele, é pouco provável que o Marrocos registre uma revolução comparável à da Tunísia e do Egito, pois a reivindicação pela queda do rei Mohamed VI não é o foco das frustrações.
Ele explica ao Opera Mundi as especificidades do caso marroquino, lembrando, ao mesmo tempo, de muitas semelhanças entre os países: pobreza, desemprego da juventude, corrupção das elites e forte desigualdade na distribuição de renda.
Hariry considera que uma democratização do mundo árabe não implica automaticamente em um tsunami islâmico. Ele cobra, porém, uma reforma rápida e profunda dos partidos políticos, especialmente de esquerda, para que voltem a canalizar as esperanças da população.
Como foram percebidas no Marrocos as quedas de Zine El Abidine Ben Ali na Tunísia e de Hosni Mubarak no Egito?
Há uma forte dimensão psicológica, uma sensação de orgulho e emoção. Os povos e países árabes finalmente conseguiram uma vitória. E que vitória! Durante décadas, só registramos derrotas, até acabamos as considerando como fatalidades.
E finalmente, em menos de um mês, dois grandes eventos, um após o outro, devolvem toda a esperança. Há também preocupações: será que eles vão conseguir organizar uma transição para a democracia? Em quanto tempo? A que custo? No Egito, o exército está ainda no poder. E quais serão os outros países da região que os seguirão?
O senhor esperava esta aceleração da história?
Ninguém aqui imaginou que fosse possível, inclusive eu. Aqueles que estiveram recentemente na Tunísia e no Egito falavam que a situação não podia continuar, que algo precisava mudar. Mas nunca imaginamos que pudesse ir tão rápido e tão longe, com a queda dos presidentes.
Qual foi a atitude da sociedade civil marroquina e dos partidos em relação aos acontecimentos nos dois países?
As revoluções provocaram certo desconforto entre os partidos políticos. Alguns apoiaram desde o inicio o desejo de mudança democrática, especialmente no caso da oposição, que são ao mesmo tempo de esquerda e islâmicos. Outros partidos foram pressionados pelos seus militantes, e manifestaram apoio, ainda que tardia e timidamente.
É o caso dos partidos de esquerda associados ao governo. Outros preferiram aguardar a posição oficial do Marrocos antes de falar: ou seja, o governo e a oposição de direita. Estas diferenças de posturas refletem o efeito de surpresa, mas também o grau de autonomia dos partidos em relação ao Executivo.
Na sociedade civil, diversas organizações de direitos humanos e anti-globalização, próximas da esquerda radical, se expressaram a favor das mudanças desde o início e fizeram manifestações, especialmente após a saída de Mubarak. Alguns responsáveis dos dois principais movimentos islâmicos também participaram destes eventos. É preciso não esquecer a efervescência que tomou conta da internet, ainda que seja difícil medir seu impacto real.
Muitos analistas asseguram que o Marrocos é mais calmo e estável, e que pode escapar da turbulência que ameaça os regimes árabes. Qual é sua percepção?
Temos que ser muito modestos com nossa capacidade de previsão. A crise econômica de 2008 e os eventos na Tunísia e Egito estão aqui para nos lembrar disso. Meu sentimento pessoal, porém, é que o Marrocos não deverá conhecer eventos semelhantes. Teremos manifestações relevantes com reivindicações bem específicas. Por exemplo: greves, protestos contra o desemprego, a corrupção e o alto custo de vida. Também teremos pedidos por reformas constitucionais e políticas, em defesa dos direitos humanos e pela liberdade de expressão.
A explicação normalmente aceita da "exceção marroquina" é que a monarquia é baseada na legitimidade religiosa – o rei é um descendente do profeta Maomé -, e que existe uma maior abertura democrática, como o fato de os partidos islâmicos poderem participar das eleições. O senhor concorda com esta leitura?
A legitimação religiosa da monarquia é importante, mas não é a única. Há também uma legitimidade histórica, constitucional, e até popular. As pessoas que questionam o sistema monárquico são uma minoria ínfima.
Entretanto, gostaria de precisar alguns aspectos da legitimidade religiosa. Há uma tendência no ocidente em vê-la negativamente. Não é o caso no Marrocos. A legitimidade foi destacada pelo rei para liderar uma das reformas mais progressistas nos últimos anos: a reforma do Código da Família, que é o estatuto das mulheres. Elas passaram a ter direitos equivalentes aos dos homens.
Foi assumindo o papel de “comandante dos crentes”, como o rei é tradicionalmente chamado, que ele apresentou e justificou esta reforma frente ao Parlamento. Estas mesmas medidas, apresentadas há alguns anos pelo governo sem a ajuda da legitimidade religiosa, foram rejeitadas por uma parte da sociedade marroquina, especialmente suas franjas mais conservadoras.
Foi também a legitimidade religiosa que apoiou a proibição do uso da religião na atividade político-partidária durante a elaboração da lei sobre os partidos políticos. Esta é uma medida muito progressista.
O que diferencia o Marrocos da Tunísia e do Egito e que os assemelha?
A contestação na Tunísia e no Egito é focada na rejeição aos chefes de Estado como símbolo das frustrações. Outra diferença é um grau maior de abertura. Mais importante ainda é a existência de instituições intermediárias entre o cidadão e o Poder Executivo: partidos políticos, parlamento, sindicatos, ONGs, mídia... Essas instituições, com todos os defeitos e limitações, são um espaço de liberdade e de expressão muito mais vivo.
Ainda assim, a dinâmica e a credibilidade de muitas dessas instituições está em declínio nos últimos anos. Os partidos não se renovaram. Seus líderes, idéias e programas não estão em sintonia com as necessidades da sociedade, especialmente os jovens. As alianças políticas não seguem uma lógica compreensível pelos eleitores. O Parlamento mal se impõe como ferramenta de controle do Executivo por falta de recursos e de vontade política.
A falta de liberdade de expressão também foi bastante criticada nos últimos anos.
É verdade, ela tem diminuído. A auto-censura, os interesses financeiros e ações judiciais do governo contra alguns jornais, contribuíram para esta redução. Os meios de comunicação públicos, especialmente a televisão, contribuem para o declínio da credibilidade. Eles oferecem pouco espaço para o debate político, uma cobertura seletiva muitas vezes preconceituosa da notícia, e incentivam os marroquinos a procurar outras fontes de informação, como internet e canais por satélites.
Mas a principal semelhança com seus vizinhos é a questão do desenvolvimento econômico e social: a pobreza elevada, as disparidades de renda, o desemprego dos jovens, especialmente aqueles que receberam educação secundária e superior pouco adaptadas às necessidades da economia, a degradação dos serviços públicos que afeta principalmente as classes pobre e média baixa.
A gestão econômica está enfraquecida, a corrupção desencoraja o investimento produtivo. Os pontos de semelhança são, infelizmente, numerosos.
Depois dos acontecimentos na Tunísia e no Egito, o senhor espera novas medidas de abertura do regime?
Junto com medidas econômicas e sociais, as reformas políticas são essenciais. Elas podem ser resumidas em duas ideias principais: reforçar o papel das instituições e dar mais credibilidade ao processo de formação delas. Diversos partidos propuseram reformas constitucionais e políticas. O problema é como fazer. A maior chance de sucesso no contexto marroquino parece ser consenso entre os diferentes atores. Espero que os recentes acontecimentos provoquem um entendimento em todos os níveis sobre a necessidade de acelerar o processo.
Os principais motivos para a revolta nos países árabes são políticos ou econômicos? Esta onda de protestos que corre o mundo árabe é diferente dos movimentos passados?
Eu não sei se o desejo de dignidade deve ser classificado como político, econômico ou social, mas acho que este é o principal motor da revolta. Há um limite do cidadão em aceitar humilhações políticas, econômicas ou sociais. Este limite foi ultrapassado na Tunísia e no Egito.
Estas frustrações já provocaram explosões sociais e políticas no passado. A diferença desta vez é que elas foram canalizadas e coordenadas por uma nova geração de militantes e ativistas. Jovens, fora dos partidos tradicionais, dominando técnicas de comunicação e de ativismo na internet, apoiados por meios não-tradicionais, como Facebook, ou a Al Jazeera.
Pela primeira vez, a justificativa usada pelos regimes autoritários – “não somos democráticos, mas somos a última fortaleza contra os islâmicos” - parece não funcionar. O senhor acha que esta estratégia do medo já é ultrapassada?
As situações são diferentes segundo os países. No Marrocos, uma parcela importante do movimento islâmico, o PJD (Partido Justiça e Desenvolvimento), integra o sistema político há quase 20 anos. Hoje, já tem prefeitos em algumas grandes cidades, e é a segunda força política no Parlamento desde as últimas eleições em 2007. Seus representantes têm evoluído bastante e, para muitos atores políticos, eles se tornaram adversários ou aliados como os outros. Não são mais infrequentaveis.
Outra parte do movimento islâmico ainda se recusa a reconhecer o sistema político, contestando suas fundações. Sua atividade é tolerada, mas ainda existe uma suspeita.
Como o senhor avalia a atitude dos países ocidentais frente à revolução na Tunísia, e no Egito?
É uma atitude oportunista. Eles perderam muita credibilidade na gestão das duas revoltas. Sobretudo a França, no caso da Tunísia, e os Estados Unidos, no caso do Egito. Ficou claro para a opinião pública de que os interesses desses países prevalecem sobre as declarações de princípio sobre democracia, liberdade e direitos humanos.
Na Tunísia, a única coisa que importava era o risco de chegada ao poder dos islâmicos. No Egito, além desse motivo, o que prevalece é a segurança de Israel.
As aspirações dos dois povos a uma dignidade, liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos passaram para segundo plano.
É preciso agora questionar as políticas dos países ocidentais em relação aos árabes. Da mesma forma, estes precisam reequilibrar suas relações externas políticas e econômicas, com uma forte orientação em direção aos países emergentes.
Qual é percepção das elites no Marrocos? Mais do lado da esperança ou do medo?
As elites não são homogêneas. Para muitos, há um sentimento de orgulho em relação ao que os tunisianos e egípcios fizeram. Mas há também preocupações. Medo de uma plena democratização que traria os islâmicos ao governo, com um impacto sobre a sociedade marroquina, sua abertura, a tolerância, o estatuto das mulheres. Medo também que as potências do dinheiro desnaturem totalmente o sistema democrático.
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