ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA
Está convocada, ou pelo menos idealizada, uma manifestação em Angola para o dia 7 de Março. A ideia é mostrar ao dono do país, José Eduardo dos Santos, que mesmo de barriga vazia os angolanos continuam a ter cabeça, continuam a saber pensar.
É claro que não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar. Assim, os angolanos reais vão tentar mostrar ao mundo que é altura de substituir um presidente que está no cargo há 31 anos sem ter sido eleito, que é altura de o regime olhar para os milhões que têm pouco ou nada e não apenas - como acontece desde 11 de Novembro de 1975 – para os poucos que têm milhões.
Se a manifestação se realizar, é mais do que certo que haverá mortes. O regime continua, como sempre tem feito, a usar a razão da força contra a força da razão. Não deixa, contudo, de ser certo que mais dia menos dia o país vai mudar.
Por razões conhecidas, Luanda tem trocado impressões com Lisboa sobre a situação, procurando apalpar terreno sobre o que eventualmente pensará a União Europeia a propósito da estratégia do regime angolano para controlar, evitar, impedir qualquer manifestação que vise pôr em causa a continuação da sua ditadura.
Portugal, tanto quanto é possível saber, vai continuar de cócoras perante o regime de Luanda, se bem que – como acontece em relação a todos os ditadores que foram derrubados – esteja pronto para passar José Eduardo dos Santos de bestial a besta.
Recorde-se, por exemplo, que em Março de 2009, no Palácio de Belém, só dois jornalistas de cada país tiveram direito a colocar perguntas a Cavaco Silva e a Eduardo dos Santos.
Um deles, certamente no cumprimento da sua profissão mas, é claro, à revelia das regras dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos dos jornalistas, questionou Cavaco Silva sobre esse eufemismo a que se chama democracia em Angola, e perguntou a Eduardo dos Santos quando haveria eleições presidenciais no seu país.
Cavaco Silva limitou-se a... não responder e Eduardo dos Santos disse que não sentia falta de legitimidade, acrescentando que um dia haveria eleições presidenciais em Angola.
Quando, no dia 3 de Setembro de 2008, o mesmo Cavaco Silva falava na Polónia a propósito das eleições em Angola, disse o óbvio (uma das suas espeicalidades): “Desejo que as eleiçõess ocorram com toda a paz, sem qualquer perturbação, justas e livres como costumam dizer as Nações Unidas nos processos eleitorais".
Nessa altura, como sempre, Cavaco Silva nada disse sobre o facto de quatro órgãos de comunicação social portuguesa - SIC, Expresso, Público e Visão – terem sido impedidos de entrar em Angola para cobrir as eleições que foram tudo menos justas e livres.
Afinal, hoje, Cavaco Silva, embora mais comedido, continua a pensar da mesma forma que José Sócrates, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 68% dos angolanos na miséria.
De facto, como há já alguns anos dizia o Rafael Marques, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos, os empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro, excepções) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.
Alguém, pergunto eu, ouviu Cavaco Silva recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Não, ninguém pergunta até porque ele não responde.
Alguém o ouviu recordar que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém o ouviu recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém o ouviu recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém o ouviu recordar que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que a dependência socioeconómica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos aqueles que existem para se servir e não para servir.
E estas são apenas algumas das razões que justificam a necessidade de o Povo sair à rua. É claro que, como é hábito, os militares também vão sair à rua. O Povo estará armado com a força da razão. Já os militares usarão a razão da força, matando primeiro e perguntando depois.
*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Está convocada, ou pelo menos idealizada, uma manifestação em Angola para o dia 7 de Março. A ideia é mostrar ao dono do país, José Eduardo dos Santos, que mesmo de barriga vazia os angolanos continuam a ter cabeça, continuam a saber pensar.
É claro que não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar. Assim, os angolanos reais vão tentar mostrar ao mundo que é altura de substituir um presidente que está no cargo há 31 anos sem ter sido eleito, que é altura de o regime olhar para os milhões que têm pouco ou nada e não apenas - como acontece desde 11 de Novembro de 1975 – para os poucos que têm milhões.
Se a manifestação se realizar, é mais do que certo que haverá mortes. O regime continua, como sempre tem feito, a usar a razão da força contra a força da razão. Não deixa, contudo, de ser certo que mais dia menos dia o país vai mudar.
Por razões conhecidas, Luanda tem trocado impressões com Lisboa sobre a situação, procurando apalpar terreno sobre o que eventualmente pensará a União Europeia a propósito da estratégia do regime angolano para controlar, evitar, impedir qualquer manifestação que vise pôr em causa a continuação da sua ditadura.
Portugal, tanto quanto é possível saber, vai continuar de cócoras perante o regime de Luanda, se bem que – como acontece em relação a todos os ditadores que foram derrubados – esteja pronto para passar José Eduardo dos Santos de bestial a besta.
Recorde-se, por exemplo, que em Março de 2009, no Palácio de Belém, só dois jornalistas de cada país tiveram direito a colocar perguntas a Cavaco Silva e a Eduardo dos Santos.
Um deles, certamente no cumprimento da sua profissão mas, é claro, à revelia das regras dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos dos jornalistas, questionou Cavaco Silva sobre esse eufemismo a que se chama democracia em Angola, e perguntou a Eduardo dos Santos quando haveria eleições presidenciais no seu país.
Cavaco Silva limitou-se a... não responder e Eduardo dos Santos disse que não sentia falta de legitimidade, acrescentando que um dia haveria eleições presidenciais em Angola.
Quando, no dia 3 de Setembro de 2008, o mesmo Cavaco Silva falava na Polónia a propósito das eleições em Angola, disse o óbvio (uma das suas espeicalidades): “Desejo que as eleiçõess ocorram com toda a paz, sem qualquer perturbação, justas e livres como costumam dizer as Nações Unidas nos processos eleitorais".
Nessa altura, como sempre, Cavaco Silva nada disse sobre o facto de quatro órgãos de comunicação social portuguesa - SIC, Expresso, Público e Visão – terem sido impedidos de entrar em Angola para cobrir as eleições que foram tudo menos justas e livres.
Afinal, hoje, Cavaco Silva, embora mais comedido, continua a pensar da mesma forma que José Sócrates, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 68% dos angolanos na miséria.
De facto, como há já alguns anos dizia o Rafael Marques, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos, os empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro, excepções) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.
Alguém, pergunto eu, ouviu Cavaco Silva recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Não, ninguém pergunta até porque ele não responde.
Alguém o ouviu recordar que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém o ouviu recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém o ouviu recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém o ouviu recordar que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que a dependência socioeconómica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos aqueles que existem para se servir e não para servir.
E estas são apenas algumas das razões que justificam a necessidade de o Povo sair à rua. É claro que, como é hábito, os militares também vão sair à rua. O Povo estará armado com a força da razão. Já os militares usarão a razão da força, matando primeiro e perguntando depois.
*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
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