terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A TRAGÉDIA DE AMADO, DE KRISHNA E DA ONU

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PEDRO TADEU – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião – 15 fevereiro 2011

O incidente conta-se num ápice: o ministro indiano dos Negócios Estrangeiros foi motivo de gargalhada no Conselho de Segurança das Nações Unidas depois de estar, por engano, três minutos a ler um discurso presumivelmente escrito por Luís Amado, o seu homólogo português, que o distribuíra anteriormente pelos presentes. Foi uma troca de papéis.

Ao tentar explicar a persistência no erro durante longos três minutos, três, S. M. Krishna alegou que o problema está em muitos discursos no Conselho serem idênticos, cheios de saudações e, digo eu, repletos de afirmações irrelevantes na sua inocuidade.

O episódio motiva um gozo enorme que percorre as chamadas redes sociais, o paraíso da imaturidade humana. Em Portugal o interesse da gafe, aditivado pela participação involuntária do nosso ministro dos Negócios Estrangeiros e uma gravação no YouTube, atinge por vezes a antiga arrogância colonialista e ignora - triste demonstração de burrice colectiva - a elevada qualidade das elites intelectuais indianas nos mais variados domínios de actividade, em geral muito superior à portuguesa, Esse facto inclui, obviamente, a política.

Mas vamos ao ponto: o que é que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tinha para discutir naquele dia? Fartei-me de correr os jornais que davam a notícia da gafe e... nada. Nada sobre o debate de quem zela pela paz neste planeta bélico. Mas escreveram que se discutia, nos corredores, a reforma da instituição. Estou a ver...

Quis saber, por outro lado, qual era afinal o conteúdo do discurso de Luís Amado, lido duas vezes. Procuro e, azar, mais uma vez, nada!... Só umas palavrinhas a saudar o Brasil e a CPLP.

Não, não se apresse, caro leitor, a pensar que vou pela via fácil de culpar os jornalistas pela falta de informação. Acredito muito mais no puro desinteresse da sessão do órgão mais poderoso da ONU, onde Portugal acaba de entrar como membro temporário.

Houve um tempo em que as Nações Unidas eram uma luz de esperança. Sofrem agora pela excessiva dependência das grandes potências, pelo afogamento aos inte- resses de grandes empresas transnacionais (a saúde e o ambiente, por exemplo, têm dado para isso), pela burocratização paralisante e, até, pela corrupção (conceptual e efectiva) dos capacetes-azuis. A ONU arrisca-se, apesar de tanta gente de mérito lhe dedicar o seu esforço, a ser uma doença do planeta. E, também, a ser uma peça tão irrelevante quanto foi o discurso de Amado, repetido, num inesperado momento trágico-cómico, pelo senhor Krishna.
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