sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

WASHINTON FACE À CÓLERA DO POVO TUNISINO

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Thierry Meyssan*

As grandes potências não gostam das perturbações políticas que escapam ao seu controle e contrariam seus planos. Os acontecimentos que desde há um mês fazem vibrar a Tunísia não escapam a esta regra, muito pelo contrário.

É portanto pelo menos surpreendente que os grandes media internacionais, seguidores indefectíveis do sistema de dominação mundial, se entusiasmem subitamente pela "Revolução do jasmim" e multipliquem os inquéritos e reportagens sobre a fortuna dos Ben Ali que até então ignoravam, apesar do seu luxo ostentoso. É que os ocidentais correm após uma situação que escapou das suas mãos e que desejariam recuperar descrevendo-a de acordo com os seus desejos.

Antes de tudo, convém lembrar que o regime de Ben Ali era sustentado pelos Estados Unidos, Israel, França e Itália.

Considerado por Washington como um Estado de importância menor, a Tunísia era utilizada no plano securitário, mais do que no económico. Em 1987, é organizado um golpe de Estado soft para depor o presidente Habib Bourguiba em proveito do seu ministro do Interior, Zine el-Abidine Ben Ali. Este é um agente da CIA formado na Senior Intelligence School de Fort Holabird. Segundo certos elementos recentes, a Itália e a Argélia teriam estado associadas a esta tomada de poder. [1]

Desde a sua chegada ao Palácio da República, ele estabelece uma Comissão militar conjunta com o Pentágono. Ela reúne-se anualmente, em Maio. Ben Ali, que desconfia do exército, mantém-no num papel marginal e sub-equipado, com a excepção do Grupo das Forças Especiais que treina com os militares dos EUA e participa no dispositivo "anti-terrorista" regional. Os portos de Bizerte, Sfax, Sousse e Túnis são abertos aos navios da NATO e, em 2004, a Tunísia insere-se no "Diálogo mediterrânico" da Aliança.

Washington, não esperando nada de especial deste país no plano económico, deixa portanto os Ben Ali porem a Tunísia ao seu serviço. Toda empresa que se desenvolva é solicitada a ceder 50% do seu capital e dos respectivos dividendos. Contudo, as coisas azedam em 2009 quando a família reinante, passando da gula à cupidez, entende submeter também os empresários estado-unidenses à sua extorsão.

Pelo seu lado, o Departamento de Estado antecipa o inevitável desaparecimento do presidente. O ditador eliminou cuidadosamente os seus rivais e não dispõe de sucessor. Há portanto que imaginar um sucessor se ele vier a morrer. Cerca de sessenta personalidades susceptíveis de desempenhar um papel político ulterior é recrutada. Cada uma delas recebe uma formação de três meses em Fort Bragg, depois um salário mensal [2] . O tempo passa...

Apesar de o presidente Ben Ali prosseguir a retórica anti-sionista em vigor no mundo muçulmano, a Tunísia oferece diversas facilidades à colónia judia da Palestina. Os israelenses de ascendência tunisina são autorizados a viajar e a comerciar no país. Ariel Sharon chega mesmo a ser convidado em Tunis.

A revolta

A imolação pelo fogo de um vendedor ambulante, Mohamed el-Bouzazi, em 17 de Desembro de 2010, depois de a sua carroça e os seus produtos terem sido apreendidos pela polícia, dá o sinal para os primeiros tumultos. Os habitantes de Sidi Bouzid reconhecem-se neste drama pessoal e levantam-se. Os afrontamentos estendem-se a várias regiões, depois à capital. A central sindical UGTT e um colectivo de advogados manifestam-se, selando sem terem consciência a aliança entre classes populares e burguesia em torno de uma organização estruturada.

Em 28 de Dezembro o presidente Ben Ali tenta retomar o controle. Ele visita a cabeceira do jovem Mohamed el-Bouazizi e à noite dirige-se à nação. Mas o seu discurso na televisão exprime a sua cegueira. Denuncia os manifestantes como extremistas e agitadores pagos e anuncia uma repressão feroz. Longe de acalmar o jogo, a sua intervenção transforma a revolta popular em insurreição. O povo tunisino já não contesta simplesmente a injustiça social, mas sim o poder político.

Em Washington, constata-se que o "nosso agente Ben Ali" já não domina mais nada. No Conselho de Segurança Nacional, Jeffrey Feltman [3] e Colin Kahl [4] decidem considerar que chegou o momento de abandonar este ditador já gasto e organizar a sua sucessão antes que a insurreição se transforme e autêntica revolução, ou seja, em contestação do sistema.

Decidem mobilizar medias, na Tunísia e no mundo, para circunscrever a insurreição. A atenção dos tunisinos será focalizada sobre as questões sociais, a corrupção dos Ben Ali e a censura da imprensa. Tudo, desde que não se debatam as razões que levaram Washington a instalar o ditador, 23 anos antes, e a protegê-lo enquanto ele açambarcava a economia nacional.

A 30 de Dezembro, a cadeia privada Nessma TV desafia o regime difundindo reportagens sobre os tumultos e organizando um debate sobre a necessária transição democrática. A Nessma TV pertence ao grupo italo-tunisino de Tarak Ben Ammar e Silivo Berlusconi. A mensagem é perfeitamente compreendida pelos indecisos: o regime está rachado.

Simultaneamente, peritos estado-unidenses (e também sérvios e alemães) são enviados à Tunísia para canalizar a insurreição. São eles que, surfando sobre as emoções colectivas, tentam impor slogans nas manifestações. Conforme as técnicas das pretensas "revoluções" coloridas, elaborada pela Albert Einstein Institution de Gene Sharp [5] , eles concentram a atenção sobre o ditador a fim de evitar todo debate sobre o futuro político do país. É a palavra de ordem "Ben Ali fora!" ("Ben Ali dégage!") [6] .

Mascarado com o pseudónimo Anonymous, o ciber-esquadrão da CIA — já utilizado contra o Zimbabwe e o Irão — invade sítios oficiais tunisinos e neles instala uma mensagem de ameaça em inglês

A insurreição

Os tunisinos continuam espontaneamente a desafiar o regime, a descer em massa às ruas e a incendiar comissariados de polícias e lojas pertencentes aos Ben Ali. Com coragem, alguns deles pagam o preço do sangue. Patético, o ditador ultrapassado crispa-se sem compreender.

Dia 13 de Janeiro ele ordena ao exército que atire sobre a multidão, mas o chefe do estado-maior do exército de terra recusa-se. O general Rachid Ammar, que foi contactado pelo comandante do Africom, o general William Ward, anuncia ele mesmo ao presidente que Washington lhe ordena fugir.

Em França, o governo Sarkozy não foi prevenido da decisão estado-unidense e não analisou as diversas mudanças de casaco. A ministra dos Negócios Estrangeiros, Michèle Alliot-Marie, propõe-se salvar o ditador despachando-lhe conselheiros em manutenção da ordem e material para que ele se mantenha no poder por procedimentos mais adequados [7] . É fretado um avião cargueiro na sexta-feira 14. Quando as formalidades de desalfandegamento são acabadas em Paris, já é demasiado tarde: Ben Ali não precisa mais de ajuda, ele já está em fuga.

Seus amigos de ontem, em Washington e Tel-Aviv, em Paris e Roma, recusam-lhe asilo. Ele acaba em Riad. Teria levado consigo 1,5 tonelada de ouro roubado ao Tesouro Público, o que é desmentido pelas autoridades ainda em vigor.

Os conselheiros em comunicação estratégica dos EUA tentam então apitar o fim de partida, enquanto o primeiro-ministro cessante compõe um governo de continuidade. É aqui que as agências de imprensa lançam a denominação "Jasmine Revolution" (em inglês por favor). Os tunisinos, asseguram elas, acabam de realizar a sua "revolução colorida". Um governo de união nacional é constituído. Tudo está bem quando acaba bem.

A expressão "Revolução Jasmim" deixa um gosto amargo nos tunisinos mais velhos: é aquela que a CIA já havia utilizado para comunicar aquando do golpe de Estado de 1987 que coloca Ben Ali no poder.

A imprensa ocidental — doravante melhor controlada pelo Império do que a imprensa tunisina — descobre a fortuna mal adquirida dos Ben Ali que até então ela ignorava. Esquece-se o satisfecit concedido pelo director do FMI, Dominique Strauss-Kahn, aos gestores do país alguns meses após os tumultos da fome [8] . E esquece-se o ultimo relatório de Transparency International, o qual afirmava que a Tunísia era menos corrompida que Estados da União Europeia como a Itália, a Roménia e a Grécia [9] .

Os milicianos do regime, que haviam espalhado o terror entre os civis durante os tumultos obrigando-os a organizarem-se em comités de auto-defesa, desaparecem na noite.

Os tunisinos, considerados despolitizados e manipuláveis após anos de ditadura, revelam-se muito maduros. Eles constatam que o governo de Mohammed Ghannouchi é o "benalismo sem Ben Ali". Apesar de alguns retoques de fachada, os caciques do partido único (RCD) conservam os ministérios principais. Os sindicalistas da UGTT recusam-se a associar-se à manipulação estado-unidense e demitem-se dos postos que lhes foram atribuídos.

Além dos membros inamovíveis do RCB, restam os dispositivos mediáticos e os agentes da CIA. Graças ao produtor Tarak Ben Amar (o patrão da Nessma TV), a realizadora Moufida Tlati torna-se ministra da Cultura. Menos espectacular e mais significativo, Ahmed Néjib Chebbi, um peão da National Endowment for Democracy, torna-se ministro do Desenvolvimento Regional. Ou ainda, o obscuro Slim Amanou, um bloguista moldado pelos métodos do Allbert Einstein Institute, torna-se secretário de Estado da Juventede e do Desporto em nome do fantasmático Partido pirata ligado ao auto-proclamado grupo Anonymous.

A Embaixada dos Estados Unidos, naturalmente, não solicitou ao Partido Comunista que fizesse parte deste chamado "governo de união nacional". Ao contrário, prepara-se o retorno de Londres, onde havia obtido asilo político, do líder histórico do Partido da Renascença (Ennahda), Rached Ghannouchi. Islamita ex-salafista, ele prega a compatibilidade do islão e da democracia e prepara desde há muito uma aproximação como o Partido Democrata Progressista do seu amigo Ahmed Néjib Chebbi, um social-democrata ex-marxista. No caso de um fracasso do "governo de união nacional", este tandem pró-EUA poderia fornecer uma ilusão de mudança.

Mais uma vez, os tunisinos levantam-se, ampliando por si mesmos a palavra de ordem que se lhes havia soprado: "RCD fora!". Nas comunas e nas empresas, caçam os colaboradores do regime caído.

Rumo à Revolução?

Ao contrário do que foi dito pela imprensa ocidental, a insurreição ainda não está terminada e a Revolução ainda não começou. É forçoso constatar que Washington nada encaminhou, excepto jornalistas ocidentais. Hoje, mais ainda do que no fim de Dezembro, a situação está fora de controle.

In http://www.voltairenet.org/article168270.html
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