segunda-feira, 14 de março de 2011

Chineses culpam angolanos pelo encerramento do Hospital Geral de Luanda

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O PAÍS ONLINE (Angola) – 14 março 2011

Uma entrevista publicada pela Agência France Presse e retomada por outras publicações internacionais indica que o embaixador da China em Angola, Zhang Bolun, atribui aos angolanos o desaire que aconteceu no Hospital Geral de Luanda, que teve de ser encerrado quatro anos depois de ter sido inaugurado.

Na conversa mantida esta semana, onde explicou que a China já emprestou cerca de 15 mil milhões de dólares desde o fim da guerra, o representante chinês no país rejeitou toda e qualquer crítica e responsabiliza “a falta de mão-de-obra de qualidade em Angola”.

“As empresas chinesas constroem e entregam. A distribuição e administração são feitas pelos angolanos”, especificou o diplomata, segundo uma informação retomada pela agência portuguesa Lusa, acrescentando que “determinadas infra-estruturas comportam aspectos técnicos que não podem ser geridos pela parte angolana, mas somente pelos chineses. É um problema”.

Construída em 15 meses pela empresa chinesa Sociedade de Engenharia do Ultramar da China (COVEC), o Hospital Geral de Luanda (HGL) foi inaugurado em 2006, mas em pouco tempo a sua estrutura começou a apresentar fissuras que provocaram, inicialmente, a paralisação dos filtros de ar-condicionado.

O HGL tinha capacidade para internar 100 pacientes, orçou em oito milhões de dólares norte-americanos e foi construído no âmbito da linha da China. Informações não confirmadas indicam que a sua construção foi uma oferta que o Estado chinês fez para cimentar o bom ritmo das relações com Angola.

Com dois pisos, o HGL foi encerrado no ano passado. Tinha serviços de consultas externas e de especialidades, como otorrinolaringologia, dermatologia, pediatria, neurologia, oftamologia, fisioterapia, entre outras.

Havia uma administração, refeitório, um centro materno-infantil, maternidade, três blocos operatórios, raio X, parque de estacionamento para viaturas, morgue, lavabos, cozinha e uma lavandaria.

Com o seu encerramento em 2010, os funcionários e os doentes foram transferidos para as várias unidades hospitalares em Luanda, mas alguns serviços do Hospital Geral de Luanda ainda funcionaram num ‘hospital de campanha’, constituído por tendas, defronte às instalações da administração comunal do Camama. A sua então directora, Isabel Massocolo, foi nomeada recentemente directora provincial da Saúde de Luanda, em substituição de Vita Vemba. Fonte de O PAÍS garante que durante algum tempo a entidade encarregue de fiscalizar as obras, que tiveram origem na então unidade sanitária, terão denunciado algumas insuficiências aos responsáveis do Governo Provincial de Luanda, mas ao que tudo indica estes não levaram o caso com seriedade.

O edifício foi inaugurado pelo Presidente da República no consulado do governador Job Castelo Capapinha, que nomeou o seu irmão Ambrósio Capapinha para director da instituição. Foi encerrado já na era de Francisca do Espírito Santo, antecessora de José Maria dos Santos.

Para justificar o que terá acontecido no Hospital Geral de Luanda, Zhang Bolun apresentou a actual situação do Estádio 11 de Novembro, onde se efectuou a abertura e a final do Campeonato Africano de Futebol, disputado em 2010, que ainda está em posse de técnicos chineses.

Para ele, não se pode dizer que o estádio foi entregue aos angolanos depois da organização da Copa Africana das Nações. Segundo ele, por exemplo, “o estádio de Luanda é pouco utilizado e abriga um equipamento enorme. Sem vigilância, seria pilhado. Por isso, técnicos chineses estão a tomar conta”.

A desconfiança nos técnicos angolanos, segundo o embaixador, é que faz com que as 50 construtoras públicas chinesas e as 400 sociedades privadas radicadas no território angolano não cumpram com a obrigação de colocarem 30 por cento de mão-de-obra nacional nas empreitadas que estão a ser efectuadas no país, em cumprimento dos acordos estabelecidos entre a China e Angola.

Actualmente, as construtoras chinesas participam na reabilitação da rede viária, das linhas de caminho-de-ferro, na construção de hospitais e centros de saúde, escolas e habitações, algumas das quais destruídas após o conflito armado.

Apesar do esforço feito neste sentido, com recurso a excessiva mãode-obra oriental, o embaixador garantiu na mesma entrevista à France Press que “em Angola, há escolas sem professores, hospitais, mas não médicos”, questionando: “se não há quadros, médicos e professores, para quê construir escolas e hospitais?”.

"É preciso apurar as responsabilidades"

Autor de um livro sobre a fiscalização de obras, o engenheiro e professor universitário António Venâncio defende que é preciso apurar -se responsabilidades, embora à vista desarmada se possa concluir que na construção do Hospital Geral de Luanda existiram falhas estruturais.

“Foi construído sobre um solo impróprio e deveriam melhorá-lo. O empreiteiro tem uma dose de culpa, porque o defeito foi-se agravando com o tempo”, garantiu o especialista, acrescentando que “outra dose de culpa pode ser atribuída ao fiscal, que terá abandonado a obra antes do tempo”.

O entrevistado acredita ainda que as fundações efectuadas não são adequadas para o referido solo, onde provavelmente não terão sido feitos levantamentos geotécnicos. E se assim foi, explica António Venâncio, não responderam ao estudo do próprio terreno.

António Venâncio esclarece que o problema não pode ser atribuído ao dono da obra, tendo em conta que o fiscal deveria acompanhar melhor a empreitada e notificar o construtor assim que fossem identificados os erros.

Sem entender o que se passa actualmente com as construtoras chinesas, sob as quais recaem sempre suspeitas de má qualidade das obras, o especialista defende que Angola devia aceitar apenas aquelas que foram certificadas por instituições internacionais credíveis, onde o Estado podia recorrer em caso de anomalias na execução das empreitadas.

Em relação às acusações sobre a fraca qualidade da mão-de-obra existente no sector da construção civil em Angola, o docente defendeu-se dizendo que as firmas chinesas não fazem formação ‘in job’, à semelhança do que acontece com outras construtoras estrangeiras radicadas no país.

Há dez anos presentes no país, considera estranho o facto de os chineses alegarem ao longo deste período que os seus funcionários estão mal qualificados. Entre os anos de 1962-1963, com uma mão-de-obra constituída por cerca de 80 por cento de angolanos, o antigo director da Empresa de Construção de Infra-estruturas Básicas (ENCIB) relembra que foi graças ao empenho destes que “Luanda foi tida como uma das cidades mais bonitas do mundo”. “O Estado devia exigir que os chineses recrutem empresas registadas no Ministério das Obras Públicas que fazem trabalhos de menos complexidade técnica. Por isso dizem que a mão-de-obra é medíocre a culpa é deles”, explicou o engenheiro.

Por outro lado, a nossa fonte relata que existe uma certa relutância das firmas chinesas em aceitar as empresas de fiscalização, mas salienta que isto acontece porque muitos proprietários das obras se apresentam como subordinados em relação a estes.

Venâncio adianta que muitos empreiteiros, independentemente da origem ou nacionalidade, se guiam pela máxima ‘maior lucro e menor custo’, efectuando a obra com materiais não adequados e mão-de-obra barata. Em relação a isso, acredita que os chineses não são políticos que vieram apenas para ajudar Angola, mas sim construtores com ânsia no lucro que será gerado no país.

O especialista acha que algumas infra-estruturas devem ser feitas pelos próprios angolanos, em vez dos chineses, cujas obras são tidas como de qualidade duvidosa. E para evitar especulações ou danos financeiros no futuro espera que os projectos destas empresas sejam sujeitas a uma revisão do projecto por parte das ordens dos Engenheiros e dos Arquitectos de Angola e fiscalizadas de acordo com a lei vigente.

“Todas as obras devem ter um período de garantia”, acrescentou.

António Venâncio é de opinião que as empresas de fiscalização no país só serão verdadeiramente eficientes quando o processo de selecção tiver como base critérios transparentes, equidistante e justos.

Enquanto tal não acontecer, em muitos erros de construtores, chineses ou não, o Estado poderá efectuar gastos avultados caso as irregularidades ocorram fora dos prazos de garantia estipulados nos acordos com os empreiteiros.

“E não havendo fiscalização, quem paga é o dono da obra. Fiscal não é só para ver se o cimento é bom ou mau. Se não forem indicados fiscais idóneos corremos o risco de as obras que apresentarem inconformidades e patologias virem a ser pagas pelo Estado”, rematou.

Dani Costa
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