quarta-feira, 2 de março de 2011

IRAQUE, IRAQUE, 75 ANOS DEPOIS

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MARTINHO JÚNIOR

Se há país no Mundo que historicamente se tornou expoente da crise civilizacional compulsada pela lógica capitalista que alimenta o “modelo” neo liberal, esse país é o Iraque.

Praticamente desde que foi descoberto petróleo que essa crise se foi metamorfoseando, ancorada aos interesses em disputa e às estratégias que, para além da fazer alimentar a máquina global gerada com a Revolução Industrial, pretendeu sempre gerar lucros, cada vez mais lucros para cada vez menos mãos, provocando a grande cisão da humanidade e os danos ao planeta, que o colocam sob o risco duma anunciada, quiçá irreversível catástrofe climática-ambiental.

O poder de decisão das elites globais instituiu para o Iraque do petróleo todos os estágios de intriga, de manipulação, de divisionismo e de colonialismo até desembocar de choque em choque num ambiente de ampla toxidade, venenoso até para a procriação da espécie conforme Fallujah.

Desde que na década de 30 do século XX foi descoberto petróleo em grandes quantidades no Médio Oriente, que a região nunca parou de ser alvo de disputas, sendo as monarquias das Arábias consolidadas a bordo do cruzador pesado USS Quincy (CA-71), quando o Presidente Roosevelt se encontrou a 14 de Fevereiro de 1945 com o rei Ibn Saud no final da IIª Guerra Mundial.

As monarquias da península Arábica jamais foram envolvidas nos enredos típicos das “democracias”, ou das “democratizações”, pois quanto menos elas fossem “descaracterizadas”, menos riscos correriam os interesses das elites sobre o petróleo.

Desde então e desse modo, de há 75 anos a esta parte que se foi consolidando a hegemonia anglo-saxónica em toda a região, com implicações operativas e militares todavia nas periferias também ricas em petróleo, ou com utilidade estratégica, como o Iraque, o Irão e o Iémen, onde as monarquias haviam sido combatidas, enfraquecidas ou mesmo banidas.

A “defesa” das monarquias arábicas em prejuízo da democracia, sugere que a bordo do Quincy, em pleno Suez, se terá elaborado um Tratado entre os Estados Unidos e essas mesmas monarquias: garantia de protecção e segurança a troco de petróleo e, todos aqueles vizinhos que foram ficando fora dessa “esquadria” acabariam, dum modo justificável ou dum modo perverso, por sofrer as consequências.

Se não houve algo escrito a bordo do Quincy “balizando” o futuro, foi sempre assim que funcionou do lado da hegemonia e por isso, enquanto a monarquia Saudita se tornou num dos maiores clientes de armamento de sempre dos Estados Unidos e Grã Bretanha, era permitido a Israel fabricar a bomba atómica, era permitido a Israel neutralizar a Palestina, era permitido a guerra nas periferias, servindo todos os pretextos, com as eclosões maiores no Iraque, no Irão e no Iémen, tornando a vida insuportável para milhões e milhões de seres.

Desde o Presidente Roosevelt e do Primeiro Ministro Winston Churchil, que os seus sucessores invariavelmente mantiveram o mesmo comportamento estratégico, alargando o arco de tensões até ao Afeganistão, Ásia Central, Cáucaso, Sudão e Somália, aproximando-se das fronteiras da Rússia e da China.

O petróleo passou a justificar sua actuação em função dos interesses das elites e dos consórcios nele implicadas: a partir do final da Guerra Fria todos aqueles que não pusessem em causa o “jogo estratégico” eram enquadrados e, se alguma vez o pusessem em causa, corriam o risco de passar a ser alvo dilecto de intervenção.

Os aliados anglo-saxónicos enquadraram assim Saddam Hussein, tal como enquadraram o saudita Osama bin Laden, que no Afeganistão foi considerado pelo Presidente Ronnald Reagan como um “freedom fighter”, mas quando eles se tornaram “extravagantes”, passaram a inimigos, pois colocavam em risco o “jogo estratégico” iniciado a bordo do cruzador pesado USS Quincy (CA-71).

Esses “amigos-tornado-inimigos-úteis” (não haveria doutrina militar sem eles) passaram a ser essenciais para as novas guerras de intervenção, de “combate ao terrorismo” e de imposição pela força das armas da “democracia” da conveniência dos grandes interesses inscritos nas sociedades industriais das grandes potências aliadas dos Estados Unidos.

Quem em nome dessa lógica cumpriu estritamente com sua missão foram o Presidente Republicano George W. Bush e o Primeiro Ministro Trabalhista Tony Blair e nisso não pode haver alguém a pô-los em causa: eles foram diligentes e fieis “sargentos às ordens” do poderoso cartel do armamento e do petróleo acima de qualquer suspeita e por isso a sua decisão “política”, ainda que pairem sobre eles nuvens de crimes e de ilegalidades, mesmo que pareça bizarra aos olhos da opinião pública, tem todas as garantias de ser defendida.

A privatização das guerras ofereceu ainda mais possibilidades aos interesses, mesmo que os exércitos ficassem chafurdando num pântano sem horizontes e sem possibilidades de vitória.

A invasão do Iraque, possibilitou ainda atrair os aliados da OTAN e do ANZUS, conferindo outra dimensão aos interesses em direcção ao Atlântico, como em direcção ao Índico e Oceânia, sempre com os sentidos postos no petróleo e na hegemonia energética.

A audiência recente de Tony Blair perante o inquérito da comissão chefiada por Lord John Chilcot não vai fazê-lo sentar na cadeira de réu num Tribunal, apesar das mentiras, apesar da invasão e das guerras, apesar dos 100.000 mortos iraquianos que foram confirmados, apesar da catástrofe humanitária que constitui o Iraque, apesar da farsa de democracia nele instalada, apesar do saque…

A cosmética dissuasora e preventiva da contra propaganda é outra arma disponível para os interesses do cartel do petróleo e do armamento, uma arma muito útil quando se fazem sentir novas estratégias com uma área de acção principal que vai desde a Índia à América Latina, (ao se iniciar a retirada do Iraque e se prever a retirada do Afeganistão).

Depois o Iraque “formatado às conveniências”, está garantida de tal modo a implantação dos interesses, cada vez mais alargados e tentaculares, que o país se tornou também numa “catapulta estratégica” para consolidar posições da elite global noutras regiões do globo, entre elas o Golfo da Guiné, as Caraíbas e a Oceânia.

Chegou a hora, ilustrando esse quadro, da entrada da SONANGOL no Iraque, na província de Ninieveh, uma das mais problemáticas no rescaldo da invasão, da ocupação e do florescimento do novo regime iraquiano, a troco dum domínio cada vez mais evidente no Golfo da Guiné e nas suas particularidades “offshore”.

Angola demonstra que está disposta à “harmonização” pela via da OPEP: capaz de se relacionar ao mesmo tempo por exemplo com o Equador e com o Iraque formatado pelo cartel do petróleo e do armamento, é capaz também de alinhar com os “modelos” respectivos, pois o governo foi privilegiando as muito dúbias “parcerias público privadas”, esteio do neo liberalismo que se vai injectando no país que está na origem da formação duma nova elite capaz de esvaziar os conteúdos éticos e morais do movimento de libertação.

No Iraque não admiraria mesmo nada se dentro em breve, a reboque dos interesses e investimentos da SONANGOL (previsão para 2.000 milhões de dólares), virmos aparecer as “empresas prestadoras de serviços” e pelo menos algumas das Executive Outcomes, ou se preferirem das Blackwater angolanas…

Martinho Júnior - 7 de Fevereiro de 2010.

Notas:
- USS Quincy (CA-71) – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/USS_Quincy_(CA-71) ; History – http://www.historycentral.com/navy/cruiser/Quincy.html
- US Records On Saudi Affairs 1945–1959 –
http://www.archiveeditions.co.uk/titledetails.asp?tid=122
- Taking Oil out of equation – Michael T. Klare – TomPaine –
http://www.tompaine.com/articles/2006/09/21/taking_oil_out_of_the_equation.php
- Energy Policy 8 – The objectives of energy policies – Cédric Philibert –
http://www.developpement.durable.sciences-po.fr/Enseignements/Cedric_Philibert/Energy%20Policy%20Slides%20-%20Session08.pdf
- Saddam Hussein – Wikipedia –
http://pt.wikipedia.org/wiki/Saddam_Hussein ; Saddam Hussein Profile – BBC – http://news.bbc.co.uk/2/hi/1100529.stm
- Osama bin Laden – Wikipedia –
http://pt.wikipedia.org/wiki/Osama_bin_Laden ; How to Unseat the War Criminals and Reverse the Tide of War? – Expose the Links between Al Qaeda and the Bush Administration – Michel Chossudovsky – http://www.spectrezine.org/war/Chossudovsky3.htm ; Les liens financiers occultes des Bush et des Ben Laden – Thierry Meyssan – Réseau Voltaire – http://www.voltairenet.org/article7613.html ; The Bush - Bin Ladem money connection – http://www.bushwatch.net/bushmoney.htm
- Sir John Chilcot wrong man to head Iraq invasion inquiry – Jamie Doward The Guardian –
http://www.guardian.co.uk/world/2009/nov/15/sir-john-chilcot-wrong-man ; Sir John Chilcot’s official inquiry on Iraq war has tough deadline to establish truth – Times on Line – http://www.timesonline.co.uk/tol/comment/columnists/peter_riddell/article6927504.ece
- Tony Blair war criminal –
http://www.tonyblairwarcriminal.com/ ; Tony Blair war criminal testifies before inquiry – WSWS – http://www.wsws.org/articles/2010/jan2010/blai-j30.shtml ; Wanted: Tony Blair for war crimes – George Monbiot – The Guardian – http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2010/jan/25/bounty-blair-war-criminal-chilcot
- L’Irak porte plainte contre les Anglo-Saxons pour pollution radioactive – Réseau Voltaire –
http://www.voltairenet.org/article163861.html
- Angola to drill for oil in Iraq –
http://anba.achanoticias.com.br/noticia_petroleoegas.kmf?cod=9326381 ; Iraq oil contract goes to Angola’s SONANGOL – BBC – http://news.bbc.co.uk/2/hi/8435151.stm
- The sale of democratization: US foreign policy in Gulf of Guinea – Joseph Kraus –
http://www.allacademic.com/meta/p_mla_apa_research_citation/0/6/8/3/6/p68361_index.html ; US strategic interests rise in West Africa oil rich Gulf of Guinea – http://www.democraticunderground.com/discuss/duboard.php?az=view_all&address=102x1685566 ; Gulf of Guinea multilateral exercise improves maritime security – Navy Mil – http://www.navy.mil/search/display.asp?story_id=28644 ; Oil: the only US interest in Africa – Political Affairs – http://www.politicalaffairs.net/article/articleview/1487/ ; A ofensiva sobre o petróleo africano – Jean-Christophe Servant – Le Monde Diplomatique – http://diplo.uol.com.br/2003-01,a533 ; AOPIG – IASPS – White paper – http://www.iasps.org/strategic/africawhitepaper.pdf

Notas adicionais ao artigo de Fevereiro de 2009, um ano depois:

Multiplicar os Iraques, não mais de acordo com a fase militar musculada da primeira gestão de George W. Bush, mas de acordo com as novas ementas introduzidas a partir da última fase da sua Administração, as ementas características do tandem James Baker – George Soros também expostas no quadro experimental” do AFRICOM, parece ser uma manobra extremamente sensível para Médio Oriente e Norte de África, “aproveitadas” pelo “sargento às ordens” de serviço, o Democrata Barack Hussein Obama.

Isso é feito numa altura em que o petróleo árabe, com muito poucas excepções (entre elas a da Líbia), entra na curva descendente após o “pico de Hubbert”.

A 1ª fase de operações da hegemonia sobre o petróleo logo após o “pico de Hubert” e em relação aos produtores árabes, atinge hoje um clímax por parte dos interesses anglo-saxónicos, que implica ajustamentos nas periferias produtoras para salvar o “fulcro-pétreo” instalado na Arábia Saudita, ajustamentos esses que se vão reflectir no incremento dos interesses norte americanos, em prejuízo óbvio dos Europeus (Itália, França, Alemanha, Espanha, Grécia e Portugal), para que a Europa seja obrigada a mais submissão e desempenho no âmbito da OTAN.

Atraída ao Médio Oriente (Iraque AfPaq), a OTAN “treina em condições reais” para o que se desenha no horizonte temporal, a sua aplicação numa 2ª fase na esteira da hegemonia norte americana contra o Irão, os países da Ásia Central, a Rússia e a China, no enorme continente euro-asiático, tal como contra os produtores da América Latina e costa ocidental Africana (do Golfo do México ao Golfo da Guiné, passando pelo pré sal brasileiro), na parte ocidental da espiral evasiva à volta da Arábia Saudita, tendo em conta que a maioria dos grandes componentes produtores a oeste, a norte e a leste do Médio Oriente, ainda estão na fase ascendente na direcção do “pico de Hubert”.

Martinho Júnior - 1 de Março de 2011.
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