segunda-feira, 7 de março de 2011

MÃOS IMPERIALISTAS, SOLTEM A LÍBIA

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DIÁRIO LIBERDADE

[Patrick Martin, Tradução de Diário Liberdade] O poder estadunidense e europeu está se encaminhando para a intervenção militar na Líbia. Estão procurando explorar um levante popular legítimo contra poder de Muammar Kadafi, estabelecido há 41 anos, antecipando qualquer possibilidade de uma radicalização maior no regime emergente e instalando um governo de marionetes à moda colonial no lugar da ditadura desacreditada.

O ritmo de mudança na política americana, em particular, é extraordinário. Washington saiu de um relativo silêncio sobre o movimento contra Kadafi para encabeçar a intervenção externa.

Como em todas as operações americanas na região, o motor do interesse tem sido a tentativa de exercer controle sobre o país, que é um dos maiores produtores de petróleo e a busca por pontos estratégicos mais amplos para o imperialismo americano no Oriente Médio e Norte da África. As forças militares imperiais instaladas na Líbia, poderiam estar numa posição favorável para influenciar o curso do Egito, Tunísia, Argélia e Marrocos, todos em crise hoje, bem como o Saara no Sudão, Chade e Nigéria.

Ninguém – ainda menos os próprios Líbios – deveria acreditar nas declarações de preocupações humanitárias invocadas para justificar a entrada das forças americanas, britânicas, francesas, alemãs, italianas, entre outras. Os mesmos poderes mantidos quando os ditadores tunisianos e egípcios, Zine El Abidine Ben Ali e Hosni Mubarak, massacraram os manifestantes que buscavam empregos, direitos democráticos e o fim de uma pilhagem exercida por uma elite corrupta no poder. Ofereceram assistência política, econômica e, em alguns casos, assistência direta de segurança, num esforço para sustentar estes regimes de marionete.

Durante as duas semanas em que as forças de segurança de Kadafi dispararam contra manifestantes da oposição, crimes parecidos foram cometidos pelas forças aliadas aos EUA em Omã e Barein e pelo regime parceiro dos EUA no Iraque, sem que Washington fizesse nenhuma repreensão publica ou que houvesse alguma campanha internacional para intervenção militar.

Uma propaganda ostensiva em larga escala está em curso, sob os mesmos moldes das campanhas que legitimaram a intervenção dos EUA e da OTAN na Bósnia e em Kosovo, em 1990. As atrocidades cometidas pelo regime de Kadafi é um argumento que uma intervenção conjunta entre as forças imperialistas é necessária para salvar a população Líbia. A Secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton deu o tom nesta segunda feira [28 de Fevereiro – N.T.], denunciando o uso de “bandidos” e “mercenários” por Kadafi, declarando: “Nada está fora de cogitação enquanto o governo líbio continuar ameaçando e matando o povo líbio”. O primeiro ministro britânico, David Cameron, opinou dizendo à Câmara dos Comuns que “Nós não descartamos a possibilidade de se usar os meios militares” na Líbia.

Aproveitando a sugestão de Washington, Londres e outras capitais imperialistas, a mídia internacional tem dado enorme atenção ao suposto uso da força aérea contra os rebeldes no leste da Líbia e em Trípoli, a capital. Os ataques descritos são limitados uma vez que pilotos de Kadafi desertaram.

O Ministro das Relações Exteriores australiano, Kevin Rudd, voltou de um encontro com Hillary Clinton declarando que uma área de restrição aérea deve ser imposta imediatamente. “Guernica é conhecida em todo o mundo pelo bombardeio da população civil”, ele declarou, se referindo ao massacre realizado por aviões nazistas de guerra, durante a guerra civil espanhola. “Nós temos visto evidencias disso [ataque aéreo contra população civil – N.T] na Líbia. Não vamos ficar de braços cruzados enquanto atrocidade semelhante ocorre de novo.”. Longe de ficar de braços cruzados, a Austrália tem sido um parceiro e tanto nas guerras empreendidas pelos EUA no Iraque e Afeganistão, guerras estas que produziram atrocidades maiores.

A postura dos EUA e da Europa de sensibilização humanitária não tem credibilidade alguma. Até duas semanas atrás, estes poderes cotejavam Kadafi para obter contratos lucrativos para exploração de petróleo e gás líbios. Um desfile de pretendentes – Condoleezza Rice, o britânico Tony Blair, o francês [Jacques] Chirac, [Silvio] Berlusconi da Itália, [José Rodriguez] Zapatero da Espanha – seguiram sorrindo para o óleo de Trípoli. Eles não deram atenção para o Estado policial de Kadafi e para os gritos ecoados das celas de tortura. [Ler também a postura dos artistas destes países em: http://diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=12864&Itemid=176&thanks=13 – N.T].

Os EUA fizeram grandes investimentos políticos e financeiros para cultivar uma relação amigável com Gaddafi, e sua aproximação com Washington depois de 2003 foi um grande ganho estratégico. Hillary Clinton recentemente homenageou um dos filhos de Gaddafi em Washington e nomeou-o presidente fundador do US-Lybia Business Association [Associação Líbio-americana de Negócios - N.T] para ser coordenador do Departamento de Estado para interesses energéticos.

Veja o vídeo do encontro diplomático entre Hillary Clinton e um dos filhos de Kadafi em abril de 2009, nos EUA. (Foto)

Se estes poderes estão se enfileirando para retornar à Líbia como supostos patronos das forças de oposição que tomaram o controle de grande parte do país, elas o fazem guiados pelo mesmo apetite de lucro e pilhagem. E, a despeito de seu discurso de suporte para a derrubada de Kadafi, a entrada de forças militares estadunidenses e das antigas potências coloniais europeias não se dá em função daqueles que lutam contra a ditadura.

A ingerência irá suscitar a hostilidade popular. Muitos dos rebeldes de Benghazi já declararam sua veemente oposição à entrada das tropas europeias e estadunidenses. É a única coisa que poderia permitir que Kadafi retomasse sua falsa postura de antiimperialista, dando um novo sopro de vida a seu regime.

Igualmente cínico são as alegações de preocupação com o destino de centenas de milhares que têm fugido da Líbia desde o início dos combates, em 17 de fevereiro, em Benghazi. Os porta-vozes oficiais das várias potências imperialistas alegam que seus cidadãos, muitos deles técnicos e outros funcionários de companhias petrolíferas, estão em perigo e talvez precisem ser resgatados. Ao mesmo tempo, países do litoral mediterrâneo – Itália, França e Espanha – têm alertado para a avalanche de refugiados da guerra civil em escalada. Os dois problemas, claro, têm a mesma “solução” – intervenção militar, não só na Líbia, mas em todo seu litoral.

A campanha anti-Líbia é, em sentido literal, um exercício de pilhagem. A primeira grande ação foi a apreensão de US$ 30 bi em ativos da Líbia em instituições financeiras nos EUA e mais bilhões em contas europeias, após a aprovação de uma resolução de sanções pelo Conselho da ONU. Embora apelidada de “congelar”, trata-se de um confisco de recursos que pertencem ao povo líbio.

O roubo é algo tão flagrante que o Primeiro Ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, falou numa conferência de negócios na Alemanha, afirmando sua rejeição. “O povo não deve arcar com o engano de seus governantes”, ele disse. “Não acreditamos que discussões sobre a intervenção na Líbia ou sanções são preocupantes se levarmos em conta o povo líbio e os estrangeiros naquele país”. Ele disse que forças estrangeiras devem agir na Líbia “a partir de uma perspectiva humanitária e não por interesses sobre o petróleo”.

O impulso da intervenção militar está aumentando. O governo de Berlusconi na Itália – tradicional força colonialista na Líbia e o maior consumidor do petróleo deste país – oficialmente repudiou o pacto de não agressão com o regime de Kadafi, no último domingo [27 de Fevereiro – N.T.]. É necessária uma preparação legal tanto para ação militar na Líbia quanto para o envio de aviões para Aviano ou outra base militar da OTAN na Itália.

A administração de Obama confirmou na segunda feira (28) que teve início uma série de manobras navais no mar mediterrâneo de modo a colocar os navios mais próximos da Líbia. O Pentágono foi pego de surpresa pela rápida inquietação que tomou a Líbia e enviou o porta-aviões USS Enterprise através do Canal de Suez para o Mar Vermelho em 15 de Fevereiro, numa demonstração de força, quatro dias após a queda do presidente egípcio Mubarak.

O grupo de batalha continuou no mar arábico, “agitando a bandeira” em apoio ao ditador sitiado pró-EUA no Iêmen, Saleh, e os emirados do petróleo do Golfo Pérsico.

Um porta-voz do Pentágono anunciou na segunda-feira (28): “Nós temos vários estrategistas e planos de contingência e... como parte das forças que estamos reposicionando para estarmos aptos para executar qualquer ordem dada”. O Enterprise é um helicóptero menor, o USS Kearsarge, acaba de voltar ao Mar Vermelho, numa posição conveniente para contornar o canal de Suez ou para lançar ataques aéreos contra alvos líbios. As operações que estão na berlinda variam de esforços de “resgate”, como os já montados por soldados alemães e britânicos, a área de exceção aérea, para desembarque de fuzileiros navais.

Uma preocupação adicional para os EUA é a China, que está montando a primeira operação militar no mar Mediterrâneo. Pequim dispensou a fragata Xuzhou da patrulha antipirataria na Somália e encaminhou-a para a costa Líbia para ajudar na evacuação de 30 mil cidadãos chineses, em sua maioria trabalhadores da construção civil pegos pelos combates.

Há um elemento de desespero e extremamente imprudente na campanha anti-Líbia. Ele veio à tona há alguns dias, depois que o Secretário de Defesa estadunidense, Robert Gates, numa conferencia militar declarar que “Na minha opinião, qualquer secretário da defesa no futuro que aconselhe o presidente a enviar uma grande tropa para a Ásia, Oriente Médio ou para a África precisa de um exame clínico, como o General McArthur delicadamente sugeriu”.

Gates estava dando voz ao pessimismo produzido pela irremediável oposição da população afegã ao grande período de ocupação militar pelos EUA, bem como as preocupações dos chefes militares sobre a condição de deterioração de uma força plenamente voluntária depois de dez anos de atividade além-mar.

Apesar de tais temores, há uma lógica imperialista e a administração de Obama está obedecendo a ela. O ultimo objetivo da intervenção europeia e estadunidense poderia ser preencher um “vácuo político” na Líbia, como o The New York Times citou no domingo (27), transformando a Líbia num protetorado das forças imperialistas.

Um especialista estadunidense em política líbia que escreve para a revista Newsweek, no domingo (27) comparou a intervenção na Líbia à longa ocupação dos EUA nos Bálcãs. Sobre a situação política na Líbia, escreveu ele, “acredito que os Bálcãs estão na contramão dos vizinhos Egito e Tunísia como precursores da reconstrução líbia. E como os Bálcãs, a comunidade internacional teria um importante e positivo papel a desempenhar, fornecendo conhecimentos e, temporariamente, força de segurança.”

Em outras palavras, a Líbia está prestes a se tornar uma semi-colônia, comandada pelos EUA e seus colegas predadores da Europa Ocidental, que vai assumir o controle das reservas de petróleo e transformar o país numa base estratégica de operações contra levantes populares que hoje assolam o Oriente Médio e o Norte da África.

**Traduzido para Diário Liberdade por Bruno Baader

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