JEREMIAS LANGA – O PAÍS (Moçambique), opinião
O nosso Governo não gosta (acaso, algum gosta?), mas é cada vez uma inevitabilidade tomar uma decisão que se adia há muito tempo e que está a ter consequências gravosas na sustentabilidade das contas públicas.
O Médio Oriente, já toda a gente sabe, está a ferro e fogo. O efeito de contaminação atingiu agora a Líbia, neste triturante início de 2011 para as aristocracias árabes. Se o guião deste filme, em rigor, for o mesmo que passou na Tunísia e no Egipto, Muamar Kadafi acabará, mais dia, menos dia, por ser forçado a abandonar o poder, que controla há longos e extenuantes 42 anos.
Por ora, cá ao longe, os moçambicanos são meros espectadores desta crise. Os governantes árabes, no Médio Oriente, em geral, são autocráticos, corruptos e usam o poder com mão de ferro. Ninguém, portanto, se importa muito com a sua destituição. Mas daqui por mais algumas semanas, no entanto, a realidade pode ser dramaticamente diferente, se esta instabilidade persistir.
Seremos personagens participantes, vítimas directas das consequências do que se passa no Magreb, tão somente porque a Líbia é o terceiro produtor de crude de África e o 12º maior a nível mundial. Aos primeiros dias da violência, o preço do barril de petróleo atingiu 111 dólares e perspectiva-se que alcance os 120 dólares, nos próximos dias, e mesmo 200 dólares até ao final do ano, tão grande são os receios de que os protestos na Líbia se estendam a outros países produtores de crude.
Decerto, isto criará uma sempre indesejável perturbação no fornecimento mundial do crude, mas também afectará a recuperação da economia mundial, nesta altura a tentar timidamente refazer-se da crise financeira internacional. Mais relevante ainda: criará ainda mais pressões inflacionistas nos mercados emergentes.
A consequência imediata de tudo isto será o agravar do custo de vida nos países não produtores de petróleo e largamente dependentes de recursos externos e um escassear de divisas. Inevitavelmente, o Banco Central terá de meter a mão nas reservas internacionais líquidas para fazer face à factura de importação de combustíveis, agora largamente ultrapassado o budget que o orçamento tinha tomado como premissa para 2011. O Governo projectara um custo máximo de 77,5 dólares o barril em 2011. Apenas ao 2º mês do ano, já está em...111 dólares!
Isto, naturalmente, irá expor ainda mais a nossa economia, que assistirá também à subida do preço dos combustíveis internamente e, em cadeia, dos preços do transporte público (ou dos subsídios que o Governo dá aos transportadores?) e dos bens de primeira necessidade. A experiência do verão de 2008, quando o barril ultrapassou a barreira psicológica dos 180 dólares, e dos efeitos internos que trouxe, ainda está na memória de muita gente.
O nosso Governo não gosta (acaso, algum gosta?), mas é cada vez uma inevitabilidade tomar uma decisão que se adia há muito tempo e que está a ter consequências gravosas na sustentabilidade das contas públicas: o preço dos combustíveis tem de ser ajustado (ou pelo menos aproximado) à realidade do mercado. O nosso consumidor está a apagar pelo combustível final, agora que o barril do crude está a 111 dólares, o mesmo que pagava quando o barril estava a 70 dólares. Isto quer dizer que alguém está a assumir a despesa por este consumidor em detrimento de opções estratégicas, porventura, mais importantes – o Governo não pode repetir a leviana decisão de subisidiar 180 milhões de dólares ao combustível, num ano, como fez em 2009. Moçambique não é, em definitivo, a Arábia Saudita!
É evidente que o espectro das manifestações está bem presente na memória de quem governa. As marcas do 1 e 2 de Setembro ainda estão bem visíveis em muitos lugares e o receio do efeito de contágio da revolução em marcha no Médio Oriente desencoraja muitos governos a tomar decisões arrojadas, porque impopulares, mesmo quando elas são inevitáveis e precisas. Outras opções são apenas meros adiamentos do problema.
Até porque, este ano, o Estado moçambicano assumiu compromissos, que não sendo questionável a sua importância, o é a sua pertinência. É o caso da organização dos Jogos Africanos, que vão obrigar a desembolso de 250 milhões de dólares do Orçamento do Estado. É verdade que, por vezes, é em tempo de crise, de contra-ciclos, que se tomam as grandes decisões, mas o problema é que, no nosso caso, a nossa crise (e já agora, também a nossa estabilidade) depende em larga medida mais dos outros e menos de nós.
Parece, portanto, contrasenso o Estado pedir contenção, austeridade, aos cidadãos, às instituições e às empresas, para depois assumir a organização de um evento da envergadura dos Jogos Africanos cuja relação custo-benefício nem sempre é possível de prever. Mais a mais, numa altura em que o Governo tende a financiar a despesa pública com recurso a crédito comercial.
A esta escalada do petróleo junta-se uma outra crise, que normalmente não se lhe dá a mesma dimensão, mas pode vir a ter proporções ainda mais graves se combinada com o problema do petróleo: é a crise alimentar. A procura de terras ociosas a para produção de alimentos e combustíveis alternativos, e ainda para exploração de madeira, irá trazer-nos uma avalanche de pedidos de terra para investimentos e com isso criar uma enorme pressão sobre o recurso terra e outros recursos naturais, agudizando um problema latente.
A este propósito, Joseph Hanlon escreveu um interessante artigo, esta semana no Boletim da Awepa, no qual cita um relatório de Setembro de 2010 do Banco Mundial, que refere que, entre Janeiro de 2004 e Junho de 2009, em Moçambique foram transferidos para investidores estrangeiros 2,7 milhões de hectares, mas em 2009 cerca de 50% dessa terra transferida não estava a ser usada ou era só parcialmente usada. Só para se ter uma dieia: na mesma altura, na Tanzania, foram transferidos menos de 50 mil hectares para investidores estrangeiros.
A curto prazo, as crises do petróleo e dos alimentos pode, se não nos acautelarmos, transformar o recurso terra num problema político sério no nosso país, sobretudo se não tivermos rigor e continuarmos a dá-la ao desbarato a investidores duvidosos, como aconteceu no caso da Procana...
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O nosso Governo não gosta (acaso, algum gosta?), mas é cada vez uma inevitabilidade tomar uma decisão que se adia há muito tempo e que está a ter consequências gravosas na sustentabilidade das contas públicas.
O Médio Oriente, já toda a gente sabe, está a ferro e fogo. O efeito de contaminação atingiu agora a Líbia, neste triturante início de 2011 para as aristocracias árabes. Se o guião deste filme, em rigor, for o mesmo que passou na Tunísia e no Egipto, Muamar Kadafi acabará, mais dia, menos dia, por ser forçado a abandonar o poder, que controla há longos e extenuantes 42 anos.
Por ora, cá ao longe, os moçambicanos são meros espectadores desta crise. Os governantes árabes, no Médio Oriente, em geral, são autocráticos, corruptos e usam o poder com mão de ferro. Ninguém, portanto, se importa muito com a sua destituição. Mas daqui por mais algumas semanas, no entanto, a realidade pode ser dramaticamente diferente, se esta instabilidade persistir.
Seremos personagens participantes, vítimas directas das consequências do que se passa no Magreb, tão somente porque a Líbia é o terceiro produtor de crude de África e o 12º maior a nível mundial. Aos primeiros dias da violência, o preço do barril de petróleo atingiu 111 dólares e perspectiva-se que alcance os 120 dólares, nos próximos dias, e mesmo 200 dólares até ao final do ano, tão grande são os receios de que os protestos na Líbia se estendam a outros países produtores de crude.
Decerto, isto criará uma sempre indesejável perturbação no fornecimento mundial do crude, mas também afectará a recuperação da economia mundial, nesta altura a tentar timidamente refazer-se da crise financeira internacional. Mais relevante ainda: criará ainda mais pressões inflacionistas nos mercados emergentes.
A consequência imediata de tudo isto será o agravar do custo de vida nos países não produtores de petróleo e largamente dependentes de recursos externos e um escassear de divisas. Inevitavelmente, o Banco Central terá de meter a mão nas reservas internacionais líquidas para fazer face à factura de importação de combustíveis, agora largamente ultrapassado o budget que o orçamento tinha tomado como premissa para 2011. O Governo projectara um custo máximo de 77,5 dólares o barril em 2011. Apenas ao 2º mês do ano, já está em...111 dólares!
Isto, naturalmente, irá expor ainda mais a nossa economia, que assistirá também à subida do preço dos combustíveis internamente e, em cadeia, dos preços do transporte público (ou dos subsídios que o Governo dá aos transportadores?) e dos bens de primeira necessidade. A experiência do verão de 2008, quando o barril ultrapassou a barreira psicológica dos 180 dólares, e dos efeitos internos que trouxe, ainda está na memória de muita gente.
O nosso Governo não gosta (acaso, algum gosta?), mas é cada vez uma inevitabilidade tomar uma decisão que se adia há muito tempo e que está a ter consequências gravosas na sustentabilidade das contas públicas: o preço dos combustíveis tem de ser ajustado (ou pelo menos aproximado) à realidade do mercado. O nosso consumidor está a apagar pelo combustível final, agora que o barril do crude está a 111 dólares, o mesmo que pagava quando o barril estava a 70 dólares. Isto quer dizer que alguém está a assumir a despesa por este consumidor em detrimento de opções estratégicas, porventura, mais importantes – o Governo não pode repetir a leviana decisão de subisidiar 180 milhões de dólares ao combustível, num ano, como fez em 2009. Moçambique não é, em definitivo, a Arábia Saudita!
É evidente que o espectro das manifestações está bem presente na memória de quem governa. As marcas do 1 e 2 de Setembro ainda estão bem visíveis em muitos lugares e o receio do efeito de contágio da revolução em marcha no Médio Oriente desencoraja muitos governos a tomar decisões arrojadas, porque impopulares, mesmo quando elas são inevitáveis e precisas. Outras opções são apenas meros adiamentos do problema.
Até porque, este ano, o Estado moçambicano assumiu compromissos, que não sendo questionável a sua importância, o é a sua pertinência. É o caso da organização dos Jogos Africanos, que vão obrigar a desembolso de 250 milhões de dólares do Orçamento do Estado. É verdade que, por vezes, é em tempo de crise, de contra-ciclos, que se tomam as grandes decisões, mas o problema é que, no nosso caso, a nossa crise (e já agora, também a nossa estabilidade) depende em larga medida mais dos outros e menos de nós.
Parece, portanto, contrasenso o Estado pedir contenção, austeridade, aos cidadãos, às instituições e às empresas, para depois assumir a organização de um evento da envergadura dos Jogos Africanos cuja relação custo-benefício nem sempre é possível de prever. Mais a mais, numa altura em que o Governo tende a financiar a despesa pública com recurso a crédito comercial.
A esta escalada do petróleo junta-se uma outra crise, que normalmente não se lhe dá a mesma dimensão, mas pode vir a ter proporções ainda mais graves se combinada com o problema do petróleo: é a crise alimentar. A procura de terras ociosas a para produção de alimentos e combustíveis alternativos, e ainda para exploração de madeira, irá trazer-nos uma avalanche de pedidos de terra para investimentos e com isso criar uma enorme pressão sobre o recurso terra e outros recursos naturais, agudizando um problema latente.
A este propósito, Joseph Hanlon escreveu um interessante artigo, esta semana no Boletim da Awepa, no qual cita um relatório de Setembro de 2010 do Banco Mundial, que refere que, entre Janeiro de 2004 e Junho de 2009, em Moçambique foram transferidos para investidores estrangeiros 2,7 milhões de hectares, mas em 2009 cerca de 50% dessa terra transferida não estava a ser usada ou era só parcialmente usada. Só para se ter uma dieia: na mesma altura, na Tanzania, foram transferidos menos de 50 mil hectares para investidores estrangeiros.
A curto prazo, as crises do petróleo e dos alimentos pode, se não nos acautelarmos, transformar o recurso terra num problema político sério no nosso país, sobretudo se não tivermos rigor e continuarmos a dá-la ao desbarato a investidores duvidosos, como aconteceu no caso da Procana...
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