quinta-feira, 24 de março de 2011

Portugal: PARA ELEIÇÕES, E DEPRESSA

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Editorial – Jornal de Notícias – 24 março 2011

Caiu o Governo, o país aproxima-se de eleições. O que realmente provocou a queda do Executivo foi a decisão do PSD de não continuar a sustentá-lo, pois os restantes partidos da Oposição há muito que manifestavam esse desejo. A verdade é que o próprio Sócrates também ajudou Passos Coelho a tomar esta decisão, precipitando a crise.
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O Governo queixa-se dos efeitos nefastos de uma coligação negativa, mas a verdade é que este desfecho estava anunciado há muito. Um Governo minoritário não conseguiria sobreviver por mais tempo a quatro planos de austeridade extremamente severa, a uma crise internacional, a um aumento imparável da dívida soberana e a duríssimos ataques ao primeiro-ministro que envolveram até o seu carácter e revelaram factos que, mesmo não tendo sido provados nem tidos em consideração para merecer julgamento, minaram a credibilidade do chefe do Governo. E essa credibilidade ficou pelas ruas da amargura quando o Governo apresentou sucessivas medidas de austeridade como se fossem as últimas e as que nos libertariam da crise. Nenhum Governo conseguiria sobreviver também às acusações de que o primeiro-ministro mente, nem à imagem, porventura real, de que já não governava e apenas geria a crise.

Num cenário destes, a constante vitimização de Sócrates, o seu desejo de pretender passar incólume só se ia cumprindo porque a nova liderança do PSD ainda não estava preparada para o combate eleitoral. Talvez esteja agora, ou talvez a pressão sobre o líder para que deixasse cair Sócrates tenha sido mais forte. A verdade é que o PSD enfrenta o enorme desafio de ter de apresentar soluções ao País, que sejam diferentes das do PS e que não envolvam o eleitorado na ilusão de que as soluções estão ali à mão ou deixem generalizar a convicção de que foram interesses partidários que o levaram a derrubar o Governo.

O País precisa de eleições e depressa. Estamos numa encruzilhada, numa crise interna e internacional de dimensão poucas vezes vivida por uma geração e precisamos de estabilidade política. Infelizmente, ao contrário do que se vai vendo por esse mundo fora, o País não tem uma cultura de partilha de responsabilidades, uma cultura de compromisso e o próprio Presidente da República, que poderia no anterior mandato, quando deu posse a este Governo minoritário, ter tentado soluções de partilha de responsabilidade, acabou ele próprio por pronunciar um discurso de divisão. E como precisaríamos dessa cultura, de um esforço de aproximação dos partidos, numa ocasião em que se discute se não estaremos a viver acima das nossas possibilidades, em que o Estado social está a ser questionado e em que direitos fundamentais são engolidos por medidas de austeridade! Acresce que já vivemos e vimos o suficiente para perceber que PCP e BE, embora representando uma fatia importante do eleitorado, não estarão disponíveis para apoiar as políticas que os outros partidos avancem.

A clarificação necessita de estabilidade. A clarificação que o eleitorado é chamado a fazer terá de nos conduzir a uma solução estável, terá de pôr fim à crise política, porque a sua eternização agravará a nossa situação económica e poderá ser um forte rastilho a agitações sociais que a austeridade faz temer. Haverá tempo para analisar estratégias e discursos eleitorais. O debate parlamentar de ontem - cinco longas horas para uma decisão pré-anunciada que não passou pela discussão de alternativas mas apenas pela troca de acusações do Governo com todos e de todos com ele - deixou pistas suficientes para se perceber que vamos ter uma Primavera muito, muito quente.
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