sábado, 12 de março de 2011

Portugal: PROTESTO DE GERAÇÕES À RASCA NUM PAÍS À RASCA

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Foto em Diário de Notícias

Protesto hoje em vários pontos do país
Jovens mobilizam-se para manifestação low cost contra a precariedade

Ana Cristina Pereira – Público - 09:18 - 12 março 2011

Ninguém sabe quantas pessoas participam hoje no Protesto Geração à Rasca convocado por quatro jovens pela Internet que foi preparado sem dinheiro e com "boa vontade".

Alfredo Martins ia lançando os pontos que permaneciam em aberto para o Protesto Geração à Rasca: "Temos de decidir de uma vez por todas o que vamos pôr nas faixas." O actor de 31 anos tivera um momento de inspiração numa entrevista que dera dias antes: "Um país à rasca". Ora ali estava uma frase consensual. A outra haveria de ser sugerida por Cristina Andrade, uma formadora de 34 anos, depois de reler o manifesto, o programa do protesto que às 15h de hoje se ouvirá em 11 cidades portuguesas: "Por um futuro digno."

Quatro amigos - Alexandre de Sousa Carvalho, de 25 anos, Paula Gil, de 26, João Labrincha, de 27, e António Frazão, de 25 - inventaram este protesto "laico, pacífico e apartidário". Idealizaram-no em Lisboa. A palavra propagou-se através do Facebook. Havia muita gente a perguntar: "E no Porto?" Alexandre Afonso, de 34 anos, mandou um e-mail a voluntariar-se para impulsionar uma réplica no Porto. Disseram-lhe que sim.

Perderam o controlo ao rastilho que atearam na Internet. Noutras nove cidades, outros jovens adoptaram o manifesto que convoca "desempregados, "quinhentoseuristas" e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal".

Só Lisboa e Porto (de onde a manifestação parte, respectivamente do Cinema São Jorge, na Avenida da Liberdade, e da Praça da Batalha) se coordenaram para a marcha de hoje, reiteraria Paula Gil, por telefone. Todo o resto ficou por sua própria conta. E quem chama para a rua em Guimarães nem fez a comunicação à câmara, como manda a lei.

Paula Gil acolheu na sua própria casa as duas dezenas que se juntaram a ela e aos outros mentores do Protesto Geração à Rasca em Lisboa. No Porto, o "quartel-general" das duas dezenas foi o Café Aviz. Numa e noutra cidade, alongaram-se reuniões semanais, nocturnas. A tratar da logística. E a debater problemas inesperados como o aparecimento de um grupo que se apropriou da imagem do movimento e emitiu um comunicado a pedir a demissão de toda a classe política. Sem imaginar se outros se reuniam e em que moldes.

Na última quarta-feira, no Aviz, ultimavam-se detalhes em torno das mesas encaixadas em forma de U e cobertas com uma toalha azul e branca. "Quem vai ler o manifesto?", perguntava uma rapariga. "A do costume", ria-se outra. A do costume era Inês Gregório, de 29 anos, que, com João Moreira, de 23, haveria de sair dali porta-voz dos "descontentes" com o desemprego e com a precariedade.

Não são todos inexperientes. No grupo de Lisboa, Paula Gil é filiada no BE, Alexandre de Sousa Carvalho pertenceu à JCP, João Labrincha à JS. No grupo do Porto, também se podem detectar exemplos de actual ou antiga actividade cívica: José Miranda é do BE, Inês Gregório militou na JCP, Cristina Andrade e Adriano Campos integram o Fartos Destes Recibos Verdes. "Uma pessoa que faça parte de um partido não deve sentir-se limitada na sua participação", explicava Adriano Campos, estudante de Sociologia, de 26 anos. Mas a sua participação faz-se a título individual. "Para o bem e para o mal, há muita gente que pergunta: "Isto é de algum partido?"", lembrava João Moreira, professor de História a ensinar História da Arte. E é a resposta negativa que as sossega, que as faz pensar em sair à rua hoje.

No protesto cabem pessoas de to- das as religiões e pessoas sem religião, pessoas de todos os partidos e pessoas de nenhum partido. E é essa, salienta Paula Gil, a força do movimento, que soma perto de 60 mil adesões na mais popular rede social. Não imagina quantas pessoas aparecerão. Apareçam quantas pessoas aparecerem, "o objectivo está conseguido": fomentar o debate, a democracia participativa.

E se aparecerem grupos identificados, como os anarquistas do Terra Viva?, questionava Alexandre Afonso. Prevendo isso, a PSP remetera para o ocorrido na cimeira da NATO: os grupos identificados com bandeiras ou outros elementos foram convidados a ficar no fim da marcha. Pelo menos em Lisboa e Porto aparecerão alguns. "Só os devemos excluir se tiverem uma atitude violenta", advogava Alfredo Martins, colhendo consenso. Não ter um aparelho por trás é uma força, mas também uma fraqueza, admitia Paula Gil. Sem uma estrutura, como é que tudo se organiza? Sem dinheiro, com boa vontade, resumia Cristina Andrade. Adriano usa a expressão "manifestação low cost". Para a colagem de cartazes, por exemplo, trouxera baldes e trinchas. Ana Vieira, estudante de Psicologia, sacara a receita de cola da Internet. "Ferveu que foi uma maravilha."

Aquela última reunião no Aviz era bem reveladora do espírito de desenrascanço de quem monta o protesto - estudantes, desempregados, empregados em situação precária, "pré-emigrantes", uma trabalhadora com contrato. "Quantos megafones temos?", perguntava Alfredo Martins. Três. Sara Cruz, a rapariga que fora a uma fábrica pedir tecido para as faixas, também fora "aos chineses" procurar megafones. Vira-os a cinco euros. Adriano comprometia-se a comprar dois. E Cristina outros dois: "Nunca se sabe quando vai ser preciso." Já iam em sete. Quem os seguraria? Cristina tornava a chegar-se à frente: "Não sinto que tenha nascido para isso, mas é importante. Os megafones é que ditam as palavras de ordem." Ana Vieira seguia-lhe o exemplo: "Eu sou peixeira que chegue!"

As palavras de ordem ficavam reservadas para hoje. João Moreira só desvendava: "Não queremos fazer uma coisa à CGTP." "Queremos fazer uma coisa mais animada", enfatizava Adriano Campos. "Não precisamos de ir a chorar: "Ai o nosso futuro! Para onde vamos?!"" "A luta é alegria", dizia, citando os Homens da Luta, que com outros artistas devem hoje participar.

Na Avenida da Liberdade, em Lisboa, espera-se que cada um leve a sua folha A4 com uma ideia para o país. No Porto, há cartolinas e canetas para quem na Praça da Batalha sentir um impulso de última hora para fazer o seu cartaz - ao som de músicas de ontem e de hoje. Do Zeca Afonso, do José Mário Branco, do Sérgio Godinho, mas também dos Deolinda ou dos Homens da Luta. E cinco mil folhas brancas. Para activistas como Inês Gregório, o trabalho começa dia 13: "Isto tem de ter consequências. Senão, é só um desastre ecológico."

Protesto
Milhares juntam-se ao Protesto Geração à Rasca em todo o país

Luciano Alvarez, Clara Viana – Público – 17:33 – 12 março 2011

Milhares de pessoas em várias cidades juntaram-se ao Protesto Geração à Rasca, convocado por quatro jovens, em protesto contra a precariedade.

Em Lisboa, o desfile chegou ao Rossio por volta das 16h30, com um cordão de gente que nunca parou de crescer e que quase encheu a Avenida da Liberdade. No Porto, entre 50 a 60 mil obrigaram a um plano B para desviar o desfile para a Avenida da Liberdade.

A manifestação do Porto – uma das 11 cidades onde decorre o protesto – estava prevista para terminar na praça D. João I, mas a afluência de pessoas foi tão grande – a PSP aponta para 50 a 60 mil pessoas – que as pessoas de todas as idades seguiram para a Avenida dos Aliados, onde há uma extensa lista de espera de inscrições para discursar.

Em Lisboa, o desfile começou de forma discreta, mas pessoas de todos os quadrantes políticos, da extrema-esquerda, à extrema-direita (embora sem políticos conhecidos presentes), de todas as idades, muitos reformados, muitos pais com crianças na mão e vários movimentos de cidadãos juntaram-se ao protesto.

Magalhães de Campos, 79 anos, vendedor reformado, quer um futuro para a juventude. Diana Simões, 19 anos, estudante de Direito, não quer empregos precários, nem recibos verdes. Alcino Pereira, 27 anos, carpinteiro no desemprego, quer um emprego. Estas são as razões de alguns dos manifestantes que abriram o desfile em Lisboa, que foi ganhando corpo à medida que o protesto descia a Avenida.

Com muita música, os manifestantes iniciaram de forma pacifica o desfile em frente ao cinema São Jorge, rumo ao Rossio. A PSP, que marca presença de forma discreta, com poucos elementos, não quis adiantar qualquer balanço sobre o número de participantes. São muitos milhares.

Não havia figuras conhecidas da política portuguesa nas primeiras filas do desfile. Mas viam-se alguns políticos em meio aos manifestantes. O PCP fez-se representar pelos seus deputados mais jovens, Rita Rato, João Oliveira, Miguel Tiago e Bruno Dias. Também presentes estavam alguns elementos do Bloco de Esquerda, como a deputada Helena Pinto.

O desfile tem sido animado por palavras de ordem como "com precariedade não há liberdade", "fora com os ladrões" e "Portugal, Portugal, Portugal".

Em Coimbra a diversidade das gerações que se juntaram foi a marca da manifestação. Estudantes, professores contratados, pais ou irmãos de trabalhadores precários foram-se revezando na Praça da República, que nunca chegou a encher. A meio da tarde, iniciaram uma marcha não prevista em direcção à Câmara. A palavra de ordem: "O Povo unido jamais será vencido".

Antes, em Lisboa, por volta das 15h25, fez-se um estranho silêncio na marcha, quando um grupo de cerca de 20 jovens de cabeças rapadas e bandeiras negras chegaram à manifestaçao. Questionados pelos jornalistas sobre que movimento representavam, limitaram-se a dizer: "somos nacionalistas”. Este grupo acabou por entrar na coluna da manifestação sem problemas.

O Protesto Geração à Rasca foi inicialmente convocado por quatro jovens, através da Internet, para Lisboa e Porto, com um manifesto apelando à participação de “desempregados, ‘quinhentoseuristas’ e outros mal remunerados, escravos disfarçados, subcontratados, contratados a prazo, falsos trabalhadores independentes, trabalhadores intermitentes, estagiários, bolseiros, trabalhadores-estudantes, estudantes, mães, pais e filhos de Portugal”.

Numa iniciativa distinta, os professores estão a realizar um plenário no Campo Pequeno em protesto contra o Ministério da Educação e contam ao final da tarde juntar-se ao Protesto Geração à Rasca em Lisboa.

Actualizada às 17h33 Lisboa

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