sábado, 26 de março de 2011

UMA ADVERTÊNCIA AO MUNDO

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Amy Goodman - Democracy now! – Diário Liberdade – 26 março 2011

Three Mile Island e Chernobyl fecharam a possibilidade de avançar em novos projetos de energia nuclear com objectivos comerciais nos Estados Unidos. No entanto, este país continua a ser o maior produtor de energia nuclear comercial do mundo.

Ao descrever a devastação numa cidade do Japão, um jornalista escreveu: "É como se um rolo compressor gigante tivesse passado por cima e arrasado tudo o que existia. Escrevo sobre estes factos como uma advertência ao mundo". O jornalista era Wilfred Burchett, que escrevia desde Hiroshima, Japão, em 5 de setembro de 1945. Burchet foi o primeiro jornalista do Ocidente a chegar a Hiroshima após o lançamento da bomba atómica. Informou sobre uma estranha enfermidade que continuava a matar as pessoas, inclusive um mês depois desse primeiro e letal uso de armas nucleares contra seres humanos. As suas palavras podiam perfeitamente descrever as cenas de aniquilação que acabam de se verificar no noroeste do Japão. Devido ao agravamento da catástrofe na central nuclear de Fukushima, a sua grave advertência ao mundo continua mais do que vigente.

O desastre aprofunda-se no complexo nuclear de Fukushima após o maior terremoto da história do Japão e o tsunami que o sucedeu, provocando milhares de mortos. As explosões nos reactores número 1 e número 3 libertaram radiação num tal nível que ela foi detectada por um navio da Marinha dos EUA a uma distância de 160 quilómetros, obrigando-o a afastar-se da costa. Uma terceira explosão ocorreu no reactor número 2, fazendo com que muitos especulassem se um compartimento primário, onde fica o urânio submetido à fissão nuclear, teria sido danificado. Pouco depois o reactor número 4 foi atingido por um incêndio, apesar dele não estar a funcionar quando o terremoto atingiu o país. Cada reactor utilizou o combustível nuclear armazenado no seu interior e esse combustível pode provocar grandes incêndios, libertando mais radiação para o ar. Todos os sistemas de resfriamento falharam, assim como os sistemas de segurança adicionais. Uma pequena equipa de valentes trabalhadores permanece no lugar, apesar da radiação perigosa, que pode ser letal, tratando de bombear água do mar para as estruturas danificadas para esfriar o combustível radioactivo.

O presidente Barack Obama assumiu a iniciativa de liderar um "renascimento nuclear" e propôs novas garantias de empréstimos federais de 36 mil milhões de dólares para promover o interesse das empresas de energia na construção de novas centrais nucleares (o que se soma aos 18,5 mil milhões de dólares aprovados durante o governo de George W. Bush). A primeira empresa de energia que esperava receber esta dádiva pública foi a Southern Company, por dois reactores anunciados para a Georgia. A última vez que se autorizou e se concretizou a construção de uma nova central de energia nuclear nos Estados Unidos foi em 1973, quando Obama estava no sétimo ano na Escola Punahou, em Honolulu. O desastre de Three Mile Island, em 1979, e o de Chernobyl, em 1986, efectivamente fecharam a possibilidade de avançar em novos projetos de energia nuclear com objectivos comerciais nos Estados Unidos. No entanto, este país continua a ser o maior produtor de energia nuclear comercial do mundo. As 104 centrais nucleares estão velhas e aproximam-se do fim da sua vida útil originalmente projectada. Os proprietários das centrais estão a solicitar ao governo federal a prorrogação das suas licenças para operar.

A Comissão Reguladora Nuclear (NRC, na sigla em inglês) está encarregada de outorgar e controlar estas licenças. No dia 10 de Março, a NRC emitiu um comunicado de imprensa "sobre a renovação da licença de operação da central nuclear Vermont Yankee, próxima de Brattleboro, Vermont, por mais vinte anos". Está previsto que o pessoal da NRC conceda logo a renovação da licença", dizia o comunicado de imprensa.

Harvey Wasserman, da NukeFree.org, disse-me: "O reactor número 1 de Fukushima é idêntico ao da central de Vermont Yankee, que agora aguarda a renovação da sua licença que o povo de Vermont pretende encerrar. É importante levar em conta que este tipo de acidente, este tipo de desastre, poderia ter ocorrido em quatro reactores na Califórnia, caso o terremoto de 9 graus na escala Richter tivesse atingido o Canyon do Diabo em San Luis Obispo ou San Onofre, entre Los Angeles e San Diego. Poderíamos perfeitamente estar a testemunhar agora a evacuação de Los Angeles ou San Diego se esse tipo de coisa tivesse ocorrido na Califórnia. E Vermont tem o mesmo problema. Há 23 reactores nos Estados Unidos que são idênticos ou quase idênticos ao reactor n° 1 de Fukushima".

A maioria dos habitantes de Vermont, entre eles o governador do Estado, Peter Shumlin, apoia o encerramento do reactor Vermont Yankee, desenhado e construído pela General Eletric.

A crise nuclear no Japão repercute-se mundialmente. Houve manifestações em toda a Europa. Eva Joly, membro do parlamento europeu, disse numa manifestação: "A ideia de que esta energia é perigosa, mas que podemos manejá-la, foi rechaçada hoje. E sabemos como eliminar as centrais nucleares: necessitamos de energia renovável, energia eólica, energia geotérmica e energia solar. A Suíça deteve os seus planos de renovar as licenças dos seus reactores e 10 mil manifestantes em Stuttgart pediram à chanceler alemã Angela Merkel o encerramento imediato das sete centrais nucleares alemãs construídas antes da década de 80. Nos Estados Unidos, o deputado democrata de Massachussetts, Ed Markey, disse: "O que está a acontecer no Japão neste momento dá indícios de que também nos Estados Unidos poderia ocorrer um grave acidente numa central nuclear".

A era nuclear começou não muito longe de Fukushima, quando os Estados Unidos se converteram na primeira nação na história da humanidade a lançar bombas atómicas sobre outro país, duas bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, matando centenas de milhares de civis. O jornalista Wilfred Burchett foi o primeiro a descrever a "praga atómica" como lhe chamou: "Nestes hospitais encontro gente que, quando as bombas caíram não sofreram nenhuma lesão, mas que agora estão a morrer por causa das sequelas. A sua saúde começou a deteriorar-se sem motivo aparente". Mais de 65 anos depois de Burchett se sentar no meio dos escombros com a sua castigada máquina de escrever Hermes e escrever a sua advertência ao mundo, o que aprendemos de facto?

*Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna

**Tradução de Katarina Peixotopara Carta Maior
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