quarta-feira, 6 de abril de 2011

O BRASIL E A CRISE EM PORTUGAL

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Mauricio Santoro, Todos os Fogos o Fogo – Outras Palavras

Leis nacionais reduzirão apoio a algo apenas simbólico, mas visita de Lula e Dilma foi importante. Pressões da mídia e dos mercados contra país europeu ignoram circunstâncias históricas

A viagem de Dilma e Lula a Portugal foi relegada para segundo plano em função da morte do ex-vice-presidente José de Alencar. É compreensível, mas foi uma pena, porque perdeu-se boa oportunidade para debater as relações entre o Brasil e sua antiga metrópole colonial, num momento em que a economia lusitana enfrenta uma crise séria que pode resultar em moratória, e que lembra muito as situações difíceis vividos pelos brasileiros nas décadas de 1989-90.

Portugal tem longa história de instabilidade financeira. De 1800 até hoje foram oito moratórias e a gestão da dívida pública foi um dos fatores decisivos para a instalação de António Salazar como ditador do país por mais de 40 anos. Atualmente, os portugueses compartilham com irlandeses, italianos, gregos e espanhóis a condição de economias problemáticas na União Européia, com a dificuldade de ajustar-se ao euro e em controlar os gastos públicos – a dívida portuguesa é de aproximadamente 100% do PIB. (Ver gráfico em Outras Palavras)

Sem a possibilidade de desvalorizar o euro, os custos do ajuste tornam-se ainda maiores e incluem o receituário tradicional de redução de salários do funcionalismo, privatizações e cortes em serviços públicos. São receitas amargas que criaram impasses políticos em Portugal. Em um ano o parlamento recusou quatro pacotes econômicos e há poucos dias o primeiro-ministro socialista José Sócrates renunciou após outro fracasso. Os partidos não foram capazes de articular um pacto nacional para superar a crise e o que aparece no horizonte é a possibilidade de recorrer a um auxílio internacional de emergência, combinando fundos da União Européia e do FMI.

O governo português solicitou ajuda ao Brasil, pedindo as autoridades brasileiras que comprassem títulos da dívida pública lusitana, num esforço de convencer os mercados financeiros da seriedade do compromisso de Lisboa com as reformas econômicas (Hugo Chávez fez algo assim quando Néstor Kirchner renegociou a dívida externa da Argentina). A presidente Dilma declinou, observando que as leis brasileiras só permitem ao Banco Central comprar papéis internacionais de classificação AAA, e as agências de risco já rebaixaram Portugal para patamares inferiores. Realpolitik. Estamos longe do tempo (anos 1950) em que um chanceler brasileiro dizia que as relações entre os dois países não eram políticas, mas “um caso de família”.

Dilma ofereceu possibilidade retórica de compras condicionadas à oferta de “garantias reais”. Discurso para evitar mais constrangimentos ao demissionário premiê Socrátes, que foi até vaiado na cerimônia em que a Universidade de Coimbra deu o título de doutor honoris causa a Lula. O mais provável é que estatais brasileiras aproveitem o processo de privatização português, da mesma maneira que empresas públicas européias investiram quando foi o Brasil a privatizar, nos anos 90.

A imprensa internacional tem sido hostil a Portugal, ironizando e ridicularizando a situação do país. O Wall Street Journal destacou a péssima qualidade da educação, com indicadores inferiores aos de algumas nações da América Latina. O Financial Times foi mais longe, sugerindo que Portugal deveria tornar-se uma colônia brasileira.

Embora me agrade a hipótese de um suprimento de pastéis de Belém isento de tarifas alfandegárias, acredito que o julgamento da mídia tem sido severo demais com relação a Portugal. Assim como a Grécia e a Espanha, é um país que fez uma transição rápida para a democracia, bastante bem-sucedida para os padrões internacionais. E os portugueses, ainda mais do que os outros, viveram tradicionalmente um dilema em sua política externa, entre voltar-se para o Atlântico (América, África) ou olhar para uma Europa onde se sentiam sempre em risco de serem engolidos e menosprezados. Desde a Revolução dos Cravos (1974) e o fim do império colonial, a cartada européia prevaleceu. A melhor esperança para Portugal é que sua moratória traria consequências sérias para a Espanha, o maior credor e uma economia importante para a UE. Aí reside a principal razão pela qual é necessária ação internacional para impedir a quebra financeira do Estado lusitano.

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