MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND – DIRETO DA REDAÇÃO
E mais uma vez a oficialidade, gênero olho queimado da história, se reuniu no Clube Militar para assistir uma palestra de defensores incondicionais do golpe militar de abril de 1964, o evento histórico negativo que levou o Brasil para uma longa noite escura. O debate, organizado pelo Instituto Millenium, sucessor do golpista Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), dos anos sessenta, teve como mediador um tal de Rodrigo Constantino, o mesmo que foi a Cuba convidar a blogueira Yoani Sánchez para colaborar com a mídia de mercado brasileira.
O Millenium conseguiu uma façanha, a de tirar do armário madame Sandra Cavalcanti, entusiasta do golpe de 64 e do ex-Governador da então Guanabara, Carlos Lacerda. Quarenta e sete anos depois, a ex-secretária de Serviço Social de Lacerda, incrivelmente, continua com a mesma linguagem, como se o Brasil e o mundo não tivessem mudado. Ela entusiasmou os militares sem comando, que mandaram e desmandaram durante o tempo da ditadura no Brasil, com o alerta segundo o qual o pais hoje vive uma “República Sindicalista”.
Faltou para complementar uma Carta Brandy, o documento falsificado pelo seu mestre Lacerda nos anos 50 para incriminar João Goulart por suposto vínculo com Juan Domingo Perón. O objetivo era evitar a ascensão de Jango como vice de Juscelino Kubitschek. Coisa de golpista mesmo, estilo Madame Cavalcanti e Lacerda.
Estes fatos pertencem à história do Brasil, mas estamos em 2011 e madame Cavalcanti, totalmente no ostracism, ignorada no tempo e no espaço, repete a cantilena que tanto mal fez ao Brasil. Seria cômico se não fosse trágico, porque madame chegou a afirmar que “a democracia corre risco” no Brasil. Junto com ela, no painel "A Revolução de 31 de Março de 1964 - Com os Olhos no Futuro" (que ironia esta gente falar em futuro), repetiram o ideário o general da reserva Sergio de Avellar Coutinho e o advogado Ives Gandra Martins, vinculado ao grupo direitista católico Opus Dei.
Empolgado com o palavreado dos saudosistas do golpe de 64, Rodrigo Constantino desancou contra a Comissão da Verdade. O diretor do Instituto Millenium não quis ficar atrás em matéria de reacionarismo. Esforçou-se até para superar o general, o advogado e a que saiu do armário. Na verdade, deixou bem a marca do Instituto Millenium para os militares da Reserva inconformados com a mudança no mundo.
Se aqui fosse a Argentina, nesta altura do campeonato os torturadores e assassinos, civis e militares, tremeriam nas bases, porque seriam julgados pelos crimes cometidos durante a ditadura, que no país vizinho se estendeu de 1976 a 1983 e agora, na democracia, levou à prisão 486 ex-militares envolvidos nas ações de terrorismo do Estado, que resultaram em mais de 30 mil pessoas mortas ou desaparecidas.
Por estas bandas, vale destacar que o Instituto Millenium foi criado exatamente com o mesmo objetivo do antecessor IBAD*, que já tinha sido enterrado a sete palmos do chão depois da confirmação em uma CPI da Câmara dos Deputados e nos arquivos implacáveis dos EUA do recebimento em espécie (e bota espécie nisso) da potência hegemônica.
Outro apoiador do golpe de 64, o deputado Jair Bolsonaro demonstrou quem ele é durante uma entrevista num programa da TV Bandeirantes. O parlamentar extremista ofendeu a criativa Preta Gil (todos entramos para o seu fã clube), deixando cair à máscara de racista e homofóbico. Não tem coragem de assumir a fala de ódio. Como um bom covarde que sempre foi, Bolsonaro tenta justificar que não entendeu a pergunta e se referia apenas a homossexuais. Quem é homofóbico é potencialmente racista. Não pode ficar impune. Seria uma vergonha para o Brasil se Bolsonaro continuasse deputado e ainda por cima integrante da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (entra para o rol do seria cômico se não fosse trágico).
Pelo que fez Bolsonaro, pelo que falaram no Clube Militar, Madame Sandra Cavalcanti, o advogado Ives Gandra Martins, o general da reserva Sergio de Avellar Coutinho e o diretor do Instituto Milleniun Rodrigo Constantino, dá para se ter uma ideia do que representou para o Brasil o golpe de primeiro de abril de 1964.
Nota do autor - É imperdível o documentário “O dia que durou 21anos”, de Camilo Tavares, que será apresentado pela TV Brasil em três séries a partir desta segunda-feira (4). Com roteiro de Flávio Tavares o trabalho mostra com detalhes a participação estadunidense no golpe que derrubou o Presidente constitucional João Goulart. Relembra também o papel do Ibad. Trata-se de um marco na TV brasileira a apresentação de um documentário do nível de “O dia que durou 21 anos”. Um gol de placa da TV pública.
*Mário Augusto Jakobskind - É correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
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