terça-feira, 31 de agosto de 2010

Adeus às armas - Mas no Iraque a guerra continua

Foto em i online

GONÇALO VENÂNCIO - i ONLINE

Americanos acabam operações militares mas deixam 50 mil homens no terreno

No léxico político há vitórias para todos os gostos, como bem mostram as noites eleitorais. E na guerra, o que é a vitória? É a conquista de um território ou a eliminação de uma ameaça com o objectivo de conseguir uma paz duradoura. Olhando para a intervenção americana no Iraque, para já, dificilmente a palavra pode ser usada com propriedade - não por acaso, "vitória" não aparece nos discursos do presidente Barack Obama.

Num dia histórico para a administração democrata - e para um eleitorado exausto por duas guerras dispendiosas e de longa duração - é colocado um ponto final nas operações de combate no Iraque. Ao todo, mais de um milhão de americanos serviram na Operação Liberdade Iraquiana, durante sete anos e cinco meses. Morreram 4400 soldados e foram gastos 1,3 triliões de dólares numa guerra que ficará para a história por ter dividido a Europa em duas - a nova e a velha nas palavras de Donald Rumsfeld, o secretário da Defesa da administração Bush; pela violação de direitos na prisão de Abu Graib e Guantánamo; por ter desafiado a doutrina sobre a própria forma de fazer a guerra.

Ao contrário da frente de batalha afegã, para onde se dirigem soldados de saída do golfo Pérsico, o Iraque nunca coube na definição de "guerra justa" de Obama. Assim, o presidente tratou de cumprir uma das suas promessas eleitorais e, também pressionado pelo calendário político interno, assinala hoje o fim das operações militares. "A guerra está a acabar" e a partir de agora o Iraque será capaz de "decidir o seu próprio futuro", disse Obama. No terreno permanecem 50 mil homens em missões de treino e apoio aos iraquianos até ao Verão de 2011. Ao contrário do que George Bush anunciou ao mundo em 2003, a missão ainda não está cumprida e não se sabe se as forças iraquianas terão capacidade para preencher o vácuo.

Foi mentira? Antes do 11 de Setembro de 2001, ninguém na administração republicana olhava para o Iraque com grande atenção. Mas alguma coisa mudou rapidamente e, para Donald Rumsfeld, "o Iraque passou a ser uma frente de batalha potencial." Começam a surgir notícias de que o Iraque teria AMD nos seus arsenais. As inspecções da Agência Internacional da Energia Atómica foram inconclusivas e depois de um corrupio diplomático Washington decidiu-se pelo ataque numa cimeira nos Açores. "Relembre-se os muitos anos de enganos com a AIEA; os 50 mil iranianos mortos devido a ataques químicos durante a guerra Irão-Iraque; os 5 mil curdos que sofreram um destino igual; relembre-se a antiga ambição de Saddam de fabricar armas atómicas, desfeita pelos israelitas no ataque a Osiraq em 1982. Difícil seria acreditar na não existência de ADM no Iraque", assinala ao i João Serra Pereira. Na opinião do professor de Relações Internacionais da Universidade de São José, em Macau, as teorias sobre uma guerra que teve por base a mentira deliberada não colhem. "Se os americanos sabiam que não havia ADM -a não ser que as "plantassem" no Iraque depois da guerra, o que não aconteceu - como pensavam enfrentar a opinião pública quando a verdade fosse descoberta? Ainda assim, utilizariam uma tão grande falsidade sabendo da sua insustentabilidade? Falha nas informações? Seguramente. Mentira deliberada? Muito pouco provável. Já outra coisa é a de saber se as ADM foram o verdadeiro casus belli. Aí, a conversa promete ser demorada..." Especialmente numa altura em que a comunidade internacional enfrenta os dilemas postos pelo Irão.

Contas feitas, evaporou-se o regime de Saddam Hussein e no país emergiu uma democracia débil. A economia iraquiana está a crescer mas o desemprego ronda os 15% e a população dá sinais de impaciência perante o impasse político em Bagdade. A violência sectária, que quase arrastou o país para uma guerra civil em 2006, está viva e tudo aponta para que o Iraque continue a ser muito violento nos próximos anos. A vitória militar foi garantida mas a conquista de uma paz duradoura ainda parece estar longe.

Sem comentários: