NUNO ROGEIRO - JORNAL DE NOTÍCIAS
A verdade é que, apesar do País das Maravilhas sagrado nas cimeiras de Lisboa, o Mundo ainda é um lugar perigoso. Sessenta anos depois da Guerra da Coreia, o novíssimo conflito entre Seul e Pyongyang tem com ela paralelos inquietantes. Por um lado, tudo começa com um ataque da artilharia do Norte, sob alegação de que está apenas a responder a "provocações" do Sul.
Em Junho de 1950, as tropas norte-coreanas atravessaram o paralelo 38, também sob a justificação de que se limitavam a "reagir a incursões dos mercenários do bandido traidor Syngman Rhee" (sic).
Em Washington, em 1950 como agora, presidia uma administração Democrata (Truman), pintada primeiro como "amante da paz" (apesar de Hiroshima e Nagasaki), mas logo vista como "realista", e entendedora das "relações de poder".
Tal como agora, com as massas cansadas da "guerra contra o terrorismo", e a NATO em paz com a Rússia e a China, em 1950 o conflito dá-se numa altura em que o Mundo suspirava por tranquilidade, depois das trevas da Segunda Guerra.
Como há 60 anos, na península coreana concentram-se enormes quantidades de homens e material. Talvez mais agora do que em 1950. O Sul tem mais de 650 mil soldados no activo, e reservas prontas de 3 milhões, o Norte mais do dobro daqueles números.
Tal como em 1950, o facto de a ONU estar envolvida na tentativa de resolução do conflito não deve ser visto como uma garantia absoluta.
Há 60 anos, o combate começou sem declaração de guerra, e nos EUA foi tratado como "operação de Polícia". No terreno, em face da Coreia "comunista" estiveram forças díspares, vindas da Turquia e da África do Sul, das Filipinas e da Colômbia, sob o chapéu dos capacetes azuis.
E o que começou como mecanismo de "restauração da legalidade" acabou, nas palavras de David Halberstam (que escreveu há pouco tempo um livro indispensável sobre o assunto), no "Inverno mais frio" para os americanos, e num armistício. Não na prisão do infractor.
Mas há, felizmente, diferenças.
A China não enviará milhares de voluntários para auxiliar Pyongyang, e a Rússia não fornecerá armas ao regime de Kim Jong Un.
Pelo contrário: com aliados em Moscovo e Pequim, Obama tem mais formas de gerir crises graves.
Mas um poder errático, descentrado e sozinho, ressentido e encurralado, pode, no Norte da Coreia, inaugurar um inferno no céu.
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